Enquanto Isso | O aardvark e o babaca

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Enquanto Isso | O aardvark e o babaca

Mais: um beijo fan-service, aniversários, uma Monica e um picolé

Omelete
16 min de leitura
10.03.2023, às 15H58.
Atualizada em 10.03.2023, ÀS 18H38

Dave Sim é um babaca. Você pode trocar a desqualificação por outra do nível mais baixo que quiser: é um imbecil, um chauvinista, um misógino, um cuzão, um arrombado, um traste, uma metralhadora de bosta. Vou chamar de babaca, mas você lê em “babaca” todas as palavras que achar pior. Vai ler com razão.

Cerebus é um marco histórico nos quadrinhos. Combinou a ousadia de ser independente e fazer o que o mercado não fazia – mudando o mercado – com texto e desenhos de uma complexidade que deixou admiradores. Neil Gaiman dizia que tinha inveja, Jeff Smith disse que foi uma inspiração, Alan Moore derramou elogios. E Cerebus foi a principal criação de Dave Sim.

 

Cerebus vai sair no Brasil pela primeira vez, pouco depois de a série completar 45 anos. A versão brasileira vai começar justamente por esses primórdios de 1977, quando o personagem-título – um aardvark (ou porco-da-terra ou porco-formigueiro) que anda e fala como gente, ou fala mais do que gente – era uma paródia de Conan. Conan era um dos gibis mais famosos da época e Dave Sim queria tripudiar o que fazia sucesso mainstream.

Sim nunca publicou Cerebus por nenhuma editora que não a sua. De sua cidadezinha no Canadá, ele mesmo escrevia, desenhava, editava e distribuía para as lojas. A esposa Deni Loubert colaborou na parte administrativa por um tempo, antes do divórcio.

Uns dois anos depois de lançar Cerebus, Sim usou tanto LSD que foi parar no hospital. No meio da overdose, teve uma epifania que o levou, primeiro, a mudar o rumo das histórias do aardvark – a paródia de Conan virou um drama semi-medieval sobre política, religião, relacionamentos, a condição humana, Oscar Wilde, muitas tavernas, cerveja e humor – e, segundo, a dizer que seria o primeiro quadrinista independente a publicar 300 edições de um gibi. Ainda não tinha feito vinte.

Ele levou mais de vinte anos, mas cumpriu as 300. Escreveu, desenhou (com ajuda) e editou todas. Um recorde.

Nestes mais de vinte anos, Cerebus ganhou admiradores – Alan Moore disse que “Cerebus é para os quadrinhos o que o Hidrogênio é para a Tabela Periódica”, Chris Claremont citava Sim em X-Men –, fez o quadrinho independente ganhar confiança – não existiria nem Tartarugas Ninjas nem Bone nem Estranhos no Paraíso nem a Image Comics sem Cerebus –, estimulou o mercado tradicional a fazer coletâneas – as de 500 páginas, chamadas de “listas telefônicas”, venderam na faixa das centenas de milhares e deixaram Sim rico – e era comum ver Cerebus nas listas de melhores quadrinhos de todos os tempos, com Sandman, com Watchmen, com Cavaleiro das Trevas.

Só que Dave Sim é um babaca.

Começou com os rants, as arengas ou desabafos que Sim publicava na seção de cartas de Cerebus. Contra outros quadrinhos, contra pessoas de quem ele não gostava. O palanque virou espaço para ele discutir política, sociedade, filosofia, relacionamentos. Às vezes com as cartas dos leitores, geralmente destratados. Não havia opinião que vencesse a dele, justificada com textão muito antes do textão de Facebook.

A mais infame destas arengas invadiu a própria HQ na edição 186, de 1994. São 15 páginas sobre o “Vácuo Feminino e a Luz Masculina”, onde Sim discorre a respeito de como as mulheres, que seriam seres naturalmente inferiores, se aproveitam dos homens e que o feminismo é um mal à sociedade.

Quinze páginas.

Cerebus perdeu leitores, Sim perdeu admiradores. Cerebus e Sim sumiram das listas de melhores e das indicações a prêmios. Foi um cancelamento, como se chama hoje – embora Cerebus tenha continuado.

Sim nunca retirou o que disse. Pelo contrário: anos depois, em outra dessas arengas, disse que existia um “eixo feminista-homossexualista” que comanda a opinião pública. Ficou mais intratável em entrevistas, mesmo que poucas. Cerebus atingiu as 300 edições em 2004, mas a comemoração foi mínima. Até grandes fãs dizem que a série podia ter acabado ali pela metade. De preferência, antes de Sim falar merda.

Ainda tem uma história confusa e mal explicada de que Sim teria tido um relacionamento com uma menor de idade. Que, para complicar, veio à tona quando Sim ia colaborar com o Comicsgate, o notório grupo antidiversidade nos quadrinhos. O Comicsgate cortou relações com Sim. Nem o Comicsgate aguentou Sim.

Li, há poucos anos, as 300 edições de Cerebus. O início tem umas piadas divertidas com Conan e Sonja. A coisa fica séria e interessante a partir de High Society, um dos arcos mais famosos – o que virou a primeira “lista telefônica” de Cerebus. As paródias de gibis da época continuam: tem de Wolverine, de Cavaleiro da Lua, de Batman.

Começa a decair lá pelo número 150. Eu devo ter pulado boa parte da verborragia – que é uma característica da série, mas que fica pior com o tempo. As últimas 100 são uma morte leeeeeenta.

Tecnicamente, o desenho de Sim é um estudo e o legado de figuras clássicas do nanquim, como Hal Foster e Alex Raymond. (Seu último trabalho, The Strange Death of Alex Raymond, em colaboração com Carson Grubaugh, escancarou essas referências.) A entrada de um colaborador, Gerhard, só para desenhar cenários, deu outro requinte ao desenho depois dos primeiros anos de série. O que Sim fez com letreiramento, mexendo no tamanho e formato das letras para trabalhar a expressão do texto, foi revolucionário.

Todas as páginas de Cerebus n. 20, que formam uma imagem gigante com o aardvark

A ideia de se permitir arcos de histórias que duram 20, 30 ou mais edições – “Mothers & Daughters” teve 50 –, tensionando o que dá para fazer com recursos de HQ ou combinando HQ e prosa, foram experimentalismos esquisitíssimos para a época, mas que deixaram rastros. Já leu X-Men pós-Hickman?

O problema, claro, é o que tinha nestas páginas de prosa…

Delfin, o crítico de quadrinhos que sempre foi um dos maiores defensores de Cerebus no Brasil – veja as resenhas dele no Universo HQdiz: “Cerebus é, até seu número 150, simplesmente brilhante. O arco que encerra a primeira metade da série, que lida com os últimos dias do Oscar Wilde, é ao mesmo tempo sensível e um soco no estômago. Foi minha porta de entrada, aliás, para esse universo. Mesmo o arco ‘Mothers & Daughters’, cuja terceira lista telefônica se encerra com a fatídica edição 186, ainda assim é muito bom.”

Mas Delfin concorda que Dave Sim é um babaca.

“Parece óbvio, mas não custa dizer: eu discordo de modo veemente das ideias antifeministas do Dave Sim”, diz o crítico. “Tem que ser muito machopata pra concordar. A separação dele da Deni Loubert nunca foi e provavelmente nunca seja cicatrizada, e foi decisiva para aquela que é a maior obra indie dos quadrinhos escrita e desenhada por apenas uma pessoa (ok, com os cenários do Gehrard) ter tido o fim que teve, o que é uma pena.

Conversei com outros dois leitores de Cerebus, mas eles não me autorizaram a citar nomes nem declarações. Falar de Sim é complicado.

Cerebus, como eu também disse acima, vai sair pela primeira vez no Brasil. A editora é nova: a Futuro. O primeiro volume de As Espadas de Cerebus (tradução de Márcio dos Santos Rodrigues) está no Catarse. Tem as primeiras quatro das 300 edições, da época da paródia de Conan.

“Eu fui atrás das ‘listas telefônicas’”, diz o editor Carlos Costa. “O Dave Sim é que disse pra começar devagar, pra sentirmos o público primeiro, e assim ele sugeriu As Espadas de Cerebus. Se a coisa for bem, aí a ideia é entrar nas ‘listas telefônicas’. Mas tudo vai depender da aceitação do público.”

(Para fins de transparência: fui convidado a traduzir Cerebus para a Futuro, mas não pude assumir o projeto.)

Um dos motivos para Cerebus nunca ter saído no Brasil era uma esquisitice de Sim: ele não aceitava que suas HQs fossem traduzidas para idiomas que ele não compreendesse (e não sei se ele entende outro idioma). Por desconfiança ou sabe-se lá por quê.

Em tempos recentes, ele mudou de ideia e Cerebus saiu em francês, italiano, espanhol e russo.

(Será que Sim estudou idiomas? Português também?)

Quando tiveram autorização, as editoras europeias preferiram começar por High Society, um dos volumes “lista telefônica” e já na fase aclamada. Não foram muito longe. A editora espanhola, a Ponent Mon, foi a que teve mais fôlego e lançou quatro “telefônicas” antes de desistir. Deu conta da fase mais aclamada de Cerebus, porém.

As Espadas de Cerebus, na versão brasileira, terá seis volumes fininhos como teste de público. Se der certo, “a ideia é partir pras ‘listas telefônicas’ a partir de High Society”, diz o editor da Futuro.

Outra opção, ele diz, seria quebrar as listas em volumes de até 300 páginas, pois “não fica difícil de folhear”.

“No volume 6 de Espadas, a ideia é lançar um slipcase, uma caixinha, que emula a lombada das listas telefônicas, para ficar bacana na estante. Penso em colocar dois volumes por campanha, pra acelerar a publicação”, ele complementa.

E tem uma ambição acelerada: “Se tudo correr como planejado, dá pra encaixar os 27 anos de publicação lá fora em cinco anos no Brasil.”

O processo de negociação do editor brasileiro com Sim confirmou outra esquisitice do autor: ele não usa e-mail. “Eu envio os e-mails para o pessoal dele”, explica Carlos Costa. “Se é algo que eles podem resolver, eles já me respondem. Mas se é caso que precisa realmente da resposta dele, eles escaneiam minhas mensagens e enviam pra ele por fax. Aí ele responde a eles por fax, manuscrito ou digitado, eles escaneiam e me mandam a mensagem. O processo é sempre assim.”

O volume 1 de Espadas vem acompanhado, se o comprador quiser, de Spawn n. 10 (com tradução de Mario Luiz C. Barroso), uma das colaborações mais famosas/infames de Sim: quando Todd McFarlane o convidou para escrever uma história do soldado do inferno.

Sim criou um libelo contra as grandes editoras de quadrinhos e a favor do quadrinho independente, com a participação do seu aardvark. Depois brigou com McFarlane e a edição ficou quase 30 anos sem reaparecer. Por isso que era inédita no Brasil, um buraco na estante dos colecionadores de Spawn.

A Editora Futuro entra no mercado com poréns. O editor Carlos Costa era um dos sócios da HQ Maniacs – primeira editora a publicar Walking Dead no Brasil, entre vários outros títulos bons, mas que fechou em 2015 em meio a processos, reclamações de leitores e outras alegações.

O caso de Dave Sim e de Cerebus é parecido com vários, cada vez mais recorrentes nos quadrinhos, no cinema, na música, na literatura etc. e que geram a discussão: você pode consumir a obra incrível do autor horrível?

Tem gente que responde, categoricamente, “não”. Tem gente que responde, categoricamente, “sim”. É o que se respondeu, em níveis variados, às obras de Woody Allen, de Roman Polanski, de J.K. Rowling, de Warren Ellis, de Bastien Vivès, de Louis C.K., de Nobuhiro Watsuki e outros – guardadas todas as proporções entre os crimes ou acusações a cada um, ou das merdas que falaram.

Tem quem defenda a ideia de que autor e obra são coisas separáveis. Eu mesmo já defendi. Mas é uma ideia que fica complicada quando você compra uma obra e, indiretamente, faz dinheirinhos pingarem na conta do autor. Ou dá o mínimo de prestígio ao autor horrível por ler ele ao invés de outro, citar ele ao invés de outro. Com tanta coisa boa para se ler, assistir, publicar, falar, com tantos autores novos esperando a chance, por que ler, assistir, publicar, falar e dar seu tempo a um babaca?

Acho que essa resposta de separar autor e obra, como receita geral, também é categórica. Cada caso é um caso e merece sua análise: tanto da obra quanto do autor quanto da babaquice que fez.

Acho fácil não ler gibis dos autores do ComicsGate porque nenhum desses gibis me interessa. Acho difícil não falar de Cerebus porque acho que é uma leitura que vale a pena, apesar de Dave Sim ser um babaca.

Carlos Costa, o editor de Cerebus no Brasil, contemporiza: “Todo mundo já fez ou disse uma coisa ou outra errada na vida. Ou até várias coisas. Com o Sim, não foi diferente. Acho que não temos que malhar a pessoa a vida inteira por conta de atos cometidos milhões de anos atrás. A não ser que a pessoa continue cometendo.”

Ele diz que está considerando um texto de contextualização, exclusivo da edição brasileira, já no primeiro volume de As Espadas de Cerebus, escrito pelo tradutor Márcio dos Santos Rodrigues. “Para que o leitor vá se acostumando com esses textos, pois lá adiante, como você bem sabe, a coisa pode ficar meio pesada.”

“Dave Sim é um personagem complexo, que merece debate”, diz Delfin, o crítico que defende Cerebus. “As últimas 4 listas telefônicas refletem sua degringolada mental e, em minha opinião, demandam debate e não cancelamento prévio. Não publicar o Sim, para mim, entra em searas parecidas com a da sanitização inglesa do Roald Dahl. Pelo debate, pela qualidade, pela pessoa intrincada e polêmica que é Dave Sim, pelo seu passado imprescindível a todo um mercado, pelo seu futuro cada vez mais bizarro, ele e sua obra precisam ser acessíveis ao público. Que, como tem de ser, dará seu veredito.”

Da minha parte, concordo que cada leitor e leitora tem que dar seu veredito. Antes de ler ou mesmo antes de comprar. Li Cerebus e acho que é um gibi que vale a pena. Até ubs dois terços da série, no máximo - ninguém precisa ler as 300 edições.

Não sei se qualquer venda de Cerebus colabora para Dave Sim sentir-se mais afirmado na sua babaquice. Espero que não. Quero crer que inclusive publicar seus textos misóginos, se devidamente contextualizados e contestados, não vai alimentar machopatas antifeministas por aí. Dá pra curtir Cerebus sem prestar atenção nessa parte. Se eu estiver vendo as coisas com lentes cor de rosa, tudo bem: dá até pra excluir esses textos da publicação.

Seu veredito pode ser outro. A única coisa que defendo é um veredito bem informado.

E, claro, caso você leia Dave Sim, não leia só Dave Sim. Vamos adiante:

UM BEIJO

Quando A Lenda de Korra encerrou sua última temporada na TV, em 2014, a última cena foi de Korra e Asami se olhando, frente a frente, olho no olho, antes de entrarem no Mundo Espiritual. Quem assistiu entendeu. A construção lenta do relacionamento entre as duas, ao longo de quatro temporadas, foi chamada de revolucionária, subversiva, um marco na história da animação para TV (pelo menos das ocidentais). Só faltou um beijo.

É por isso que, em menos de dez páginas de A Lenda de Korra: Guerra Territorial, o que só existia em fan-artaté em animações feitas por fãs, esticando aquela cena final – vira fan-service: o quadrinho parte exatamente de onde a animação parou, Korra e Asami chegam ao Mundo Espiritual e, depois de alguma enrolação, rola um beijo canônico.

É só o começo da HQ, que tem roteiro de um dos criadores da animação (e de sua predecessora, Avatar), Michael Dante DiMartino. A partir daí, o passeio de Korra e Asami pelo Mundo Espiritual tem intriga política, guerra e os poderes da Avatar tentando trazer paz – como na série animada.

Guerra Territorial começou a sair nos EUA um ano depois do fim da animação, em três capítulos. Aqui, chega em versão completa pela Intrínseca (com tradução de Ulisses Teixeira). Os desenhos são de Irene Koh – que se candidatou por Twitter a fazer o quadrinho assim que a série acabou na TV – e as cores, de Killian Ng.

Nos EUA, a série segue nos quadrinhos. Já saíram mais um arco completo, Ruins of the Empire, e, no fim do ano passado, o início de um terceiro, Patterns in Time. A Intrínseca ainda não tem previsão para as seguintes.

Mas Korra, em quadrinhos, já mostra desde o começo que é tudo que a animação tinha de bom, e ainda mais.

VIRANDO PÁGINAS

A primeira revista de Batman no Brasil começou a sair em março de 1953, há 70 anos. Os quadrinhos do morcegão já saíam nos suplementos de jornal há tempos, mas a Ebal foi a primeira a lhe dar uma série titular. A primeira edição trazia histórias de Bill Finger, Lew Schwartz e Jim Mooney, todas dos anos 1950. Batman na Ebal duraria mais de 300 edições, além de se desdobrar em Batman Em Cores, Batman Formatinho e Batman Bi (de bimestral, mas você pode fazer a piada).

A revista Pingo de Gente, da editora Cruzeiro, estreou em 10 de março de 1963, há exatamente 60 anos. A principal atração da revista eram as HQs de Peanuts– não as tiras de Charles Schulz, mas as histórias que Schulz e assistentes publicaram em revista nos anos 1950 e 1960. A grande curiosidade da revista é a tradução: Snoopy atendia por Xerêta, Charlie Brown por João Barbosa e Schroeder por Essenfelder.

Em 13 de março de 1973, há 50 anos, saía nos EUA Amazing Spider-Man n. 121, uma dos maiores clássicos do Homem-Aranha: “A Noite em que Gwen Stacy Morreu”. A capa, é claro, não entregava o que acontecia, e o leitor só descobria o título da história – de Gerry Conway, Gil Kane, John Romita, Artie Simek e John Hunt – na última página.

The Maxx, melhor criação de Sam Kieth, estreou com a edição 1 em 9 de março de 1993, há 30 anos. O homem com roupa de coelho e carregado nos músculos, que viaja por terras dos sonhos, teve uma série completa que durou cinco anos, virou animação na MTV, teve colaborações no roteiro de William Messner-Loebs e Alan Moore, e continua absolutamente inédito no Brasil.

Al Jaffee, um dos grandes nomes da Mad, o cara das famosas “dobradinhas”, completa 102 anos na próxima segunda-feira, dia 13. Não se esqueça de dar parabéns pelo centenário-plus no Twitter.

UMA CAPA E UMA PÁGINA

Fora todas as piadas com a menina do coelho de pelúcia e a dúvida sincera em relação ao que fazer com o título quando for lançada no Brasil, Monica, novo álbum de Dan Clowes, foi anunciado ontem com toda pompa pela Fantagraphics.

“Em produção há cinco anos, Monica marca o ápice criativo de uma das vozes que definiram a explosão das graphic novels no último quarto de século. Um novo álbum de Clowes sempre é grande evento nos círculos dos quadrinhos e da literatura; Monica será o grande evento literário de 2023.”

Em entrevista ao Washington Post, Clowes fez o possível para contar pouco do que ou quem é Monica. Sabe-se que tem nove histórias, cada uma desenhada com um estilo e cada uma seguindo um gênero famoso de HQ – guerra, românticas, terror, policiais, sobrenaturais –, e que giram em torno da moça na capa. São 100 páginas.

“Clowes recorre a uma vida inteira de inspiração para criar a graphic novel mais complexa e pessoal da sua distinta carreira”, segue o release bombástico da Fantagraphics. Sendo Clowes, não dá pra saber se tem um pouco de ironia em usar tanto adjetivo.

Sai em outubro nos EUA.

UM PICOLÉ

No ano retrasado, escrevi aqui sobre os planos da Universo Guará, a editora que quer movimentar o quadrinho brasileiro com produção farta, exclusivamente nacional, e de olho nas adaptações para cinema, TV e games.

De 2021 para cá, a editora publicou 12 edições do seu título principal, o Almanaque Guará, lançou mais de dez álbuns de autores nacionais e confirmou projetos na TV, como a adaptação de Cidadão Incomum com Fernando Meirelles. Além disso, dividiu um prêmio de Editora do Ano (com a Pipoca & Nanquim) no último HQ Mix.

Hoje, exatamente hoje, a editora dá mais um passo importante: lança oficialmente o Funktoon, um aplicativo para ler quadrinhos no celular. Quadrinhos exclusivamente brasileiros, no formato vertical popularizado por Webtoon e Tapas. E de graça.

O aplicativo estreia com mais de 80 séries, incluindo material da própria Guará, autores consagrados como Laerte, André Dahmer, Carlos Ruas, Helô D’Angelo, e vários outros. Tudo adaptado para o scroll.

A plataforma também é aberta para qualquer quadrinista que queira publicar, respeitando alguns requisitos de conteúdo. Há informações sobre como publicar na própria plataforma.

(Aliás tenho que dizer que eu mesmo vou publicar uma coluna por lá, versão webtoon, a partir da semana que vem.)

“A ideia é democratizar o acesso ao quadrinho brasileiro”, diz Rapha Pinheiro, editor da Guará. “Muita gente reclama que o quadrinho brasileiro é caro ou difícil de encontrar. O Funktoon resolve essas duas coisas, dentro do possível, num formato que acessa mais pessoas. Não só porque é de graça, mas porque vem num formato que os jovens estão lendo.”

Pinheiro diz que o Funktoon entra no ar já de olho em atualizações e melhorias. O app vai permitir publicações colaborativas, criar vínculo entre o material ali e financiamento coletivo, links para quem quiser comprar a HQ impressa e outros extras.

Mas a ideia principal, para o futuro próximo, é monetizar. A maior parte do conteúdo vai continuar gratuita, mas, tal como acontece no Webtoon e outras plataformas, o leitor que pagar poderá ter acesso a conteúdos exclusivos ou antecipados. Patrocínios também podem entrar nesse bolo.

“O quadrinista brasileiro, a quadrinista brasileira não ganham dinheiro só fazendo quadrinho”, diz Pinheiro. “A ideia é que o Funktoon possa virar uma carreira para o autor, que vire um sustento. Que o autor e a autora olhem para o Funktoon como faz youtuber ou influencer de Instagram. Que pense que pode viver de ser autor de Funktoon, autora de Funktoon. Esse é o sonho.”

É o sonho do picolé de boné. Você baixa o app do Funktoon aqui.

 

(o)

Sobre o autor

Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato. Também é autor dos livros Balões de Pensamento – textos para pensar quadrinhos e Balões de Pensamento 2 – ideias que vêm dos quadrinhos.

Sobre a coluna

Toda sexta-feira (ou quase toda), virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.

#107 – 35 páginas que eu li no ano passado

#106 – Ramon Vitral versus Jeff Bezos

#105 – A memória do quadrinho nacional como terapia

#104 – Meu primeiro e quinquagésimo Festival d’Angoulême

#103 – Qual foi a notícia dos quadrinhos em 2022?

#102 – A inteligência artificial vai substituir o desenhista humano?

#101 – Os essenciais de Angoulême

#100 – O (meu) cânone dos quadrinhos

#99 – A melhor CCXP de uns, a pior CCXP de outros

#98 – Os prêmios e os quadrinhos que vão valer em 2047

#97 – Art Spiegelman, notável

#96 – O mundo quer HQ brasileira

#95 – A semana do Brasil e do quadrinho brasileiro

#94 – Todo fim de ano um engarrafatarse

#93 – Um almoço, o jornalismo-esgoto e Kim Jung-Gi

#92 – A semana mais bagunçada da nossa história

#91 – Ricardo Leite em busca do tempo

#90 – Acting Class, a graphic novel queridinha do ano

#89 – Não gostei de Sandman, quero segunda temporada

#88 – O novo selo Poseidon e o Comicsgate

#87 – O mundo pós-FIQ: você tinha que estar lá

#86 – Quinze lançamentos no FIQ 2022

#85 – O Eisner 2022, histórico para o Brasil

#84 – Quem vem primeiro: o roteirista ou o desenhista?

#83 – Qual brasileiro vai ao Eisner?

#82 – Dois quadrinhos franceses sobre a música brasileira

#81 – Pronomes neutros e o que se aprende com os quadrinhos

#80 – Retomando aquele assunto

#79 – O quadrinista brasileiro mais vendido dos EUA

#78 – Narrativistas e grafistas

#77 – George Pérez, passionate

#76 – A menina-robô que não era robô nem menina

#75 – Moore vs. Morrison nos livros de verdade

#74 – Os autores-problema e suas adaptações problemáticas

#73 – Toda editora terá seu Zidrou

#72 – A JBC é uma ponte

#71 – Da Cidade Submersa para outras cidades

#70 – A Comix 2000 embaixo do monitor

#69 – Três mulheres, uma Angoulême e a década feminina

#68 – Quem foi Miguel Gallardo?

#67 – Gidalti Jr. sobre os ombros de gigantes

#66 – Mais um ano lendo gibi

#65 – A notícia do ano é

#64 – Quando você paga pelo que pode ler de graça?

#63 – Como se lê quadrinhos da Marvel?

#62 – Temporada dos prêmios

#61 – O futuro da sua coleção é uma gibiteca

#60 – Vai faltar papel pro gibi?

#59 - A editora que vai publicar Apesar de Tudo, apesar de tudo

#58 - Os quadrinhos da Brasa e para que serve um editor

#57 - Você vs. a Marvel

#56 - Notícias aos baldes

#55 – Marvel e DC cringeando

#54 – Nunca tivemos tanto quadrinho no Brasil? Tivemos mais.

#53 - Flavio Colin e os quadrinhos como sacerdócio

#52 - O direct market da Hyperion

#51 - Quadrinhos que falam oxe

#50 - Quadrinho não é cultura?

#49 - San Diego é hoje

#48 - Robson Rocha, um condado, risografia e Cão Raivoso

#47 - A revolução dos quadrinhos em 1990

#46 - Um clássico POC

#45 - Eisner não é Oscar

#44 - A fazendinha Guará

#43 - Kentaro Miura, o karôshi e a privacidade

#42 - A maratona de Alison Bechdel, Laerte esgotada, crocodilos

#41 - Os quadrinhos são fazendinhas

#40 - Webtoons, os quadrinhos mais lidos do mundo

#39 - Como escolher o que comprar

#38 - Popeye, brasileiros na França e Soldado Invernal

#37 - Desculpe, vou falar de NFTs

#36 - Que as lojas de quadrinhos não fiquem na saudade

#35 - Por que a Marvel sacudiu o mercado ontem

#34 - Um quadrinista brasileiro e um golpe internacional

#33 - WandaVision foi puro suco de John Byrne

#32 - Biografia de Stan Lee tem publicação garantida no Brasil

#31 - Sem filme, McFarlane aposta no Spawnverso

#30 - HQ dá solução sobrenatural para meninos de rua

#29 - O prêmio de HQ mais importante do mundo

#28 - Brasileiros em 2021 e preguiça na Marvel

#27 - Brasileiros pelo mundo e brasileiros pelo Brasil

#26 - Brasileiros em 2021 e a Marvel no Capitólio

#25 - Mais brasileiros em 2021

#24 - Os brasileiros em 2021

#23 - O melhor de 2020

#22 - Lombadeiros, lombadeiras e o lombadeirismo

#21 - Os quadrinistas e o bolo do filme e das séries

#20 - Seleções do Artists’ Valley

#19 - Mafalda e o feminismo

#18 - O Jabuti de HQ conta a história dos quadrinhos

#17 - A italiana que leva a HQ brasileira ao mundo

#16 - Graphic novel é só um rótulo marketeiro?

#15 - A volta da HQ argentina ao Brasil

#14 - Alan Moore brabo e as biografias de Stan Lee

#13 - Cuidado com o Omnibus

#12 - Crise criativa ou crise no bolo?

#11 - Mix de opiniões sobre o HQ Mix

#10 - Mais um fim para o comic book

#9 - Quadrinhos de quem não desiste nunca

#8 - Como os franceses leem gibi

#7 - Violência policial nas HQs

#6 - Kirby, McFarlane e as biografias que tem pra hoje

#5 - Wander e Moebius: o jeitinho do brasileiro e as sacanagens do francês

#4 - Cheiro de gibi velho e a falsa morte da DC Comics

#3 - Saquinho e álcool gel: como manter as HQs em dia nos tempos do corona

#2 - Café com gostinho brasileiro e a história dos gibis que dá gosto de ler

#1 - Eisner Awards | Mulheres levam maioria dos prêmios na edição 2020

#0 - Warren Ellis cancelado, X-Men descomplicado e a versão definitiva de Stan Lee

 

(c) Érico Assis

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