Enquanto Isso... nos Quadrinhos | Mais um fim para o comic book

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Enquanto Isso... nos Quadrinhos | Mais um fim para o comic book

Gerry Conway diz que os gibis estão num beco sem saída. E ele tem a solução.

25.09.2020, às 19H53.

Tem que acabar o gibi. A indústria não se sustenta. Marvel e DC só fazem comic book pra velho pançudo, os velhos pançudos vão morrer e não vai ter mais leitor. É impossível pegar a Batman ou a X-Men do mês e entender a história sem ter anos de leitor. Isso se você descobrir onde se compra a Batman ou a X-Men do mês. Os velhos pançudos sabem, mas não querem que os outros descubram. Batman e X-Men são deles.

As reclamações sobre o mercado norte-americano de quadrinhos não são de hoje. Têm décadas. O que os gringos chamam de mainstream nos quadrinhos – que devia ser a vazão dominante, a correnteza forte – virou nicho – um afluente fraquinho – lá por volta de 1985. O cinema, os games e a TV, o mainstream da cultura pop atual, por acaso está dominado por super-heróis, o conteúdo do velho mainstream de HQ. Vende-se mais camiseta do Hulk do que gibi do Hulk: por quê?

Por causa do primeiro parágrafo, segundo Gerry Conway. E, para ele, a solução é: botar fogo e começar tudo do zero.

Não é uma solução nova, mas é a que ganhou retweets esta semana. Conway, veteranaço de Marvel e DC, puxou uma thread para contar sua fantasia: o que faria se fosse dono de uma das editoras. Começa por:

"Cancelar todo gibi de super-herói que já existe. Lançar uma linha nova, para leitores de 8-12 anos, personagens e enredos bem simples. Eliminar toda 'saga' que exija mais do que entendimento básico da continuidade. Dez-quinze revistas."

Tem mais: uma outra linha pros velhos pançudos, mas tudo direto em graphic novel, nada de mensais. E todo esforço possível pros gibis, tanto das crianças quanto dos pançudos, serem vendidos em supermercado, em assinatura digital e onde for conveniente.

O andamento atual das grandes editoras vai dar em um beco sem saída. Elas correm atrás do leitor errado. Tem um público muito maior por aí. Só temos que saber receber.

Conway é um senhor de 68 anos que começou a escrever gibi pra DC aos 16. Tinha vinte quando matou a Gwen Stacy, vinte e poucos quando criou o Justiceiro. Tem crédito em 1500 gibis, segundo o Comic Vine. Largou os quadrinhos para fazer carreira de roteirista e produtor na TV. Aposentou-se das telas e voltou pra fazer um e outro gibi. Vai participar da CCXP Worlds em dezembro.

Deve ser a experiência na TV que faz Conway soltar essas críticas ao mercado de quadrinhos. Por mais que tenha seus problemas, o mercado de TV se renova e se adapta ao público com base na lei da oferta e da procura. Não vendeu, morreu. Os quadrinhos resistem em se adaptar e se encaminham pra morte.

Gerry Conway

Parte da culpa, diz Conway, é do próprio Conway. De toda sua geração. Nos anos 1970, eles chegaram nos quadrinhos querendo contar histórias para leitores mais velhos – da idade deles na época – e o mercado esqueceu o público de base dos 8-12 anos.

Servindo só a leitores mais velhos, o mercado criou um enrosco de trocas de favores entre editoras, distribuidoras e comic shops que levou ao mercado direto e ao comic book virar nicho. E é complicadíssimo sair desse esquema, pois milhares de empresas, empregos e função no mercado iam sumir até todo mundo se adaptar.

Os leitores pançudos também não querem sair do tradicional. São apegados ao papel, às coleções, a arrotar “Isso é porque você não leu Flash número 172!”.

Mas, como diz Conway, o caminho atual não tem saída. Tudo indica que ele está certo.

Seria o fim de gibis de Vingadores, Arlequina, Justiceiro, John Constantine, Lanterna Verde, Mulher-Hulk? Não, não seria. Seria o fim de 60 revistas por mês da Marvel e mais 60 da DC? Seria. Estes personagens têm que existir, porque rendem. Mas o formato tem que ser mais receptivo a novos leitores.

Um gibi do Batman por mês, história fechada, que qualquer criança possa ler sabendo só que o Batman é um cara que se veste de morcego pra socar bandido. Edições baratas à venda no supermercado. E, pros pançudos, duas boas Bat-graphic novels por ano. Mas boas mesmo, com autores de peso, tratamento de luxo. Repita o mesmo para cada personagem famoso.

Como comentaram alguns, parece o caminho que a DC Comics deve tomar em breve. A investida da editora no público infantil e juvenil, respectivamente nas linhas DC Kids e DC Teen (Zoom e Ink nos EUA), mostrou uma forma de se chegar a um grande público consumidor de quadrinho em livrarias, os que compram Homem-Cão aos milhões (ver abaixo). A responsável pelas linhas, Michelle Wells, foi promovida na última dança das cadeiras na DC. Fala-se em adotar este modelo para tudo na editora.

Como apontaram outros, o esquema de álbuns de luxo é o que o mercado franco-belga faz há muitas décadas. O mercado japonês também adota um sistema de quadrinho barato para grande circulação (as antologias) e edições mais refinadas para colecionadores (os tankobon). Nos dois países, é altíssima a atenção a fazer quadrinho sob medida para cada faixa etária e a ter vários pontos de venda.

Outro veterano de Marvel e DC, Kurt Busiek, se opôs a Conway em alguns pontos, também via Twitter. Busiek disse, por exemplo, que não dá para botar fogo nas editoras e recomeçar do zero. É preciso considerar o fluxo de caixa com o sistema que já se tem, e introduzir essas mudanças aos poucos.

Mas, no geral, Busiek concorda com Conway. E muita gente concorda com os dois. Parece que o fim dos gibis está perto – mas, tal como nas mortes dentro dos gibi, para voltar melhor.

CINCO MILHÕES DE CÃES

O quadrinho mais vendido dos EUA? Talvez do mundo? Homem-Cão, de Dav Pilkey.

Segundo o Comics Beat, o nono volume da série, Dog-Man: Grime and Punishment estreou em primeiro lugar nas listas de livros mais vendidos – não só de quadrinhos, de todos os livros – nos EUA e no Canadá na primeira semana de setembro. Vendeu 239 mil exemplares só naquela semana, da tiragem de 5 milhões.

Não existe quadrinho com tiragem de 5 milhões na Marvel e na DC. Vender 200 mil exemplares de qualquer gibi é sonho que acontece raramente. Por que não chamam Homem-Cão de mainstream?

Estes 200 mil e tantos leitores que correram para pegar o novo Homem-Cão nasceram nesta década – têm 8 a 10 anos –, mas são resultado de formação de um mercado de quadrinho infantil em livraria que se beneficiou da Potter-mania, dos mangás, de Bone e de Raina Telgemeier, sob o comando de uma editora competente, a Scholastic.

Não é por acaso que Marvel e DC estão atrás desse mesmo filão. Todo mundo quer números assim, oras. Como é que não tem 200 mil moleques correndo para comprar um gibi do Homem-Aranha assim que sai?

Homem-Cão é publicado no Brasil pela Companhia das Letrinhas (com traduções de André Czarnobai). O volume 6, O Confronto Selvagem, saiu este ano.

NA JANELA

Falando em Companhia, começa hoje o Primeiro Festival Online da Quadrinhos na Cia. Serão nove lives via YouTube, com destaque para autores nacionais: Rafael Coutinho, Bruna Maia, Amanda Miranda, Fido Nesti, Rodrigo Rosa, Fábio Moon & Gabriel Bá, Laura Athayde, Laerte e outros e outras.

Também será exibido um papo com a quadrinista sueca Liv Strömquist, do genial A Origem do Mundo.

As lives acontecem entre hoje e domingo no YouTube - e continuarão no ar depois. Eu vou mediar dois papos. Veja a programação abaixo:

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NA JANELA: QUADRINHOS 💥 ⠀⠀⠀⠀⠀ Nos próximos dias 25, 26 e 27 de setembro — de sexta a domingo —, vai acontecer o PRIMEIRO FESTIVAL ONLINE DA QUADRINHOS NA CIA. Serão nove encontros transmitidos pelo canal da Companhia das Letras (@companhiadasletras) no YouTube. O festival contará com a participação de diversos artistas brasileiros, além de uma abertura especial com a quadrinista sueca Liv Strömquist, autora de “A ORIGEM DO MUNDO”. O evento on-line terá também homenagens a "PERSÉPOLIS", clássico de Marjane Satrapi que completa 20 anos de lançamento em 2020, e à obra do cartunista e mestre Angeli, que celebra 50 anos de carreira. ⠀⠀⠀⠀⠀ Confira a programação completa do festival: ⠀⠀⠀⠀⠀ 📅 Sexta-feira, 25/09 19h • Abertura: Entrevista com Liv Strömquist Exibição do bate-papo com a autora de “A ORIGEM DO MUNDO”. Mediação: Luisa Micheletti ⠀⠀⠀⠀⠀ 22h30 • Desenho ao vivo: Aqui, além com Rafael Coutinho, autor de “MENSUR” e co-autor de “CACHALOTE” ⠀⠀⠀⠀⠀ 📅 Sábado, 26/09 15h • 2020 em tiras com Bruna Maia, André Dahmer e Helô D'Angelo. Mediação: Maria Clara Carneiro ⠀⠀⠀⠀⠀ 17h • A história em quadrinhos com Marcelo D’Salete e Spacca. Mediação: Érico Assis ⠀⠀⠀⠀⠀ 19h • 20 anos de “PERSÉPOLIS”, de Marjane Satrapi com Amanda Miranda e Aline Zouvi. Mediação: Gabriela Borges ⠀⠀⠀⠀⠀ 📅 Domingo, 27/09 11h • Romance gráfico com Fido Nesti e Rodrigo Rosa. Mediação: Ramon Vitral ⠀⠀⠀⠀⠀ 15h • Desenho ao vivo: juntos, isolados com Fábio Moon & Gabriel Bá, autores da adaptação do livro “DOIS IRMÃOS”, de Milton Hatoum, para HQ ⠀⠀⠀⠀⠀ 17h • HQ na luta com Laura Athayde, Bennê Oliveira e Thaïs Kisuki. Mediação: Gabriela Borges ⠀⠀⠀⠀⠀ 19h • Angeli 50 anos de carreira com Laerte e Caco Galhardo. Mediação: Érico Assis ⠀⠀⠀⠀⠀ #Quadrinhos #HQ #RomanceGráfico #Tirinhas #graphicnovel #QuadrinhosNaCia #CompanhiaDasLetras

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90 ANOS E NA PRANCHETA

Falando em lives, outra muito especial vai acontecer neste sábado. O canal do jornalista Francisco Ucha no Facebook vai receber o português José Ruy na programação das #LivesDeQuadrinhos.

Ruy completou 90 anos em maio. Como começou a fazer quadrinhos profissionalmente aos 14, deve ser um dos autores de carreira mais longeva ainda na ativa no mundo.

E na ativa de verdade. Depois de décadas em jornais, revistas e álbuns, ele vem se dedicando a HQs sobre a história de Portugal. O Heroísmo de uma Vitória, sobre uma batalha militar nos Açores, é a última, ainda por sair pela Âncora Editora. A página acima é do lançamento.

Também participam da live os entrevistadores Toni Rodrigues e Ana Gisele, assim como o editor português Rui Brito (Edições Polvo) e o organizador do Festival de Beja, Paulo Monteiro. Vai ser aqui, a partir das 15 horas de sábado (e disponível depois no perfil).

UMA PÁGINA

Uma dupla: de Tradd Moore, em Surfista Prateado: Escuridão. Por favor, clique para ampliar. É sério, clique ali.

É só um dos splashes psicodélicos de Moore na minissérie, que saiu ano passado nos EUA e chegou rápido por aqui. O roteiro é do onipresente Donny Cates e as cores, de Dave Stewart (com tradução de Leonardo Camargo).

Como muita gente babou no desenho, a coletânea saiu por lá em formatão avantajado. Mas dá para babar com o formato usual da Panini. Já está à venda.

UMA CAPA

De Death Disco vol. 1, de Atsushi Kaneko. O autor japonês da saudosa Bambi finalmente volta pro Brasil, agora com a história de uma assassina que desafia as regras do sindicato de assassinos.

“É uma série de Atsushi Kaneko, o que já diz muito pra quem conhece a obra dele: uma arte incrível, muita ação, muita violência e tramas esquisitas do jeito bom”, diz Lielson Zeni, editor da Darkside Books.

Vai sair aqui em sete volumes, com tradução de Renata Silveira. Já está à venda.

(o)

Sobre a coluna

Toda sexta-feira, virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.

Sobre o autor

Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato.

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