Malcolm & Marie/Netflix/Divulgação

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A produção na pandemia: Covid-19 levou cineastas a se adaptarem a novos formatos

Com sets paralisados, coronavírus trouxe retorno de obras menores e mais intimistas

12.02.2021, às 14H07.
Atualizada em 12.02.2021, ÀS 15H07

Quando a pandemia de Covid-19 se instaurou, no início de 2020, a indústria audiovisual respondeu de forma rápida, paralisando sets de filmagem pelo mundo todo. Os meses foram passando, mas não o vírus, e logo ficou evidente que isso se arrastaria além do esperado. Mesmo com os cinemas fechados, o público trancado em casa fez a demanda por conteúdo para streaming e plataformas digitais aumentar. Assim, os cineastas precisaram ser criativos para voltar a produzir nessa nova realidade.

O primeiro método encontrado foi reconhecer as estranhas viradas da história nas narrativas. Séries com exibição semanal, como Grey’s Anatomy, Sob Pressão, Unidade Básica e mais conseguiram entregar rapidamente episódios com temática pontual, feitos com atores de máscara e distanciamento social.

Kay Oyegun, coroteirista de This is Us, falou ao LA Times que inicialmente era contra a ideia de representar a pandemia na quinta temporada, mas as conversas nos bastidores ajudaram a traçar um caminho para a crise. “Quando começamos a discutir, muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo. Sou grande defensora de não encostar no que já estava pronto. Ficava mandando e-mails para Dan Fogelman [criador] duvidando da abordagem. Mas esses foram papos iniciais, de como fazer, como ser honesto, como conduzir pela perspectiva dos personagens em vez de falar sobre o mundo em geral”.

Muitos projetos até tentaram conduzir tudo remotamente. Pelo mundo todo foram realizadas séries e webséries gravadas da tela de computadores e celulares. O Brasil teve Carenteners, do autor Felipe Castilho (A Ordem Vermelha), com Aline Diniz e Érico Borgo, dupla ex-Omelete; e também Diário de Um Confinado, estrelada por Bruno Mazzeo (Cilada) na Rede Globo. Lá fora, a Netflix preparou Social Distance, sobre famílias comuns durante a quarentena, e a BBC reuniu um elenco de peso para Staged, com atores como David Tennant (Doctor Who), Michael Sheen (Good Omens), Phoebe Waller-Bridge (Fleabag), Judi Dench (007)e muitos outros vivendo versões mais surtadas deles mesmos.

Algumas dessas produções funcionaram e se tornaram hits momentâneos, como é o caso de Host. O filme de terror do Shudder, streaming da AMC dedicado ao cinema de gênero, tornou-se sensação ao contar uma história de possessão demoníaca através das telas do Zoom. Mesmo com tudo sendo dirigido à distância, o projeto surpreendeu pela inventividade e pela tensão quando saiu em julho de 2020. E mesmo meses depois, no começo de 2021, Host mantém nota de 100% no Rotten Tomatoes, com mais de 80 críticas.

Decisões do tipo foram uma forma de abrir um diálogo com os espectadores sobre o fato de que algumas coisas iriam mudar nos métodos de produção dali para frente, mas rapidamente se tornaram obsoletas. Enquanto a situação piorava mundo afora, o público cansou de sentir o peso dos acontecimentos até dentro do entretenimento. Felizmente, com um pouco mais de entendimento sobre a pandemia, países como o Reino Unido conseguiram se juntar à Organização Mundial da Saúde para determinar diretrizes de segurança para sets de filmagem.

A retomada

Assim, grandes blockbusters como Missão: Impossível 7 e seriados como Peaky Blinders e The Witcher conseguiram voltar ao trabalho de forma moderadamente eficaz. Isso, é claro, não impediu que algumas coisas dessem errado. Robert Pattinson, astro de The Batman, contaminou-se com o coronavírus durante as filmagens de The Batman, o que levou a uma paralisação. E o mesmo se repetiu com membros da produção de diversos longas e séries, a ponto de começar a afetar os ânimos dos envolvidos, como Tom Cruise. Em dezembro de 2020, um áudio vazado do set de Missão: Impossível 7 viralizou ao mostrar o ator dando uma bronca aos berros em membros da equipe de produção que não estavam seguindo os protocolos de segurança. “Nós somos os melhores. Pessoas estão lá fora fazendo filmes em Hollywood por causa de nós. Porque eles acreditam em nós e no que estamos fazendo. Eu fico ao telefone todas as noites com o estúdio, com empresas de seguro, produtores, e eles estão olhando para nós e nos usando [como exemplo] para fazer seus filmes. Estamos criando milhares de empregos, seus filhos da mãe. Eu não quero ver isso de novo, nunca mais”, falou Cruise na gravação.

Para evitar o estresse, muitos diretores aproveitaram o momento para investir em projetos menores. Sem segurança nos ambientes de trabalho, cenas com multidões de figurantes ou acrobacias arriscadas precisaram ser cortadas. Isso motivou uma retomada de obras mais intimistas, com poucos ambientes e personagens, realizadas por meio de mini-quarentenas do elenco e produção. Doug Liman, de No Limite do Amanhã, se isolou em Londres com Anne Hathaway e Chiwetel Ejiofor para o filme de ação Locked Down, rodado em apenas 18 dias. Já M. Night Shyamalan, de O Sexto Sentido e Fragmentado, foi para a República Dominicana para rodar Old, seu novo terror. Mas existe um cineasta que realmente entendeu como trabalhar na pandemia: Sam Levinson.

Quando o avanço do vírus atrapalhou os planos para a segunda temporada de Euphoria, o criador viu a chance de expandir a trama do programa com dois especiais, escritos e rodados inteiramente durante o isolamento. O resultado foram episódios poderosos, que dão holofotes para os traumas de Rue (Zendaya) e Jules (Hunter Schafer) apenas com monólogos profundos e conversas impactantes. A relação entre Levinson e Zendaya, que venceu um Emmy pelo seriado, é tão boa que a atriz até chegou a sugerir que o cineasta rodasse algo em sua casa.

A dupla - e toda a equipe de produção de Euphoria - gostou tanto da ideia que alugou uma propriedade em Carmel, na Califórnia, para servir como base para o projeto que eventualmente se tornaria Malcolm & Marie. O filme, estrelado apenas por Zendaya e John David Washington (Tenet), serviu como um exercício criativo enquanto a segunda temporada da série da HBO não começa a ser rodada, mas também um gostinho para o público de como as produções devem ser enquanto tudo não volta ao normal.

O cinema é capaz de tirar o fôlego com complexas cenas de ação e histórias grandiosas, mas há um custo por trás de tudo isso. E é um valor que ainda não pode ser pago. Por mais que mais sets experimentem com medidas de segurança ou cenários virtuais como os de The Mandalorian, o efeito da Covid-19 ainda será sentido pelos espectadores por algum tempo. Tudo isso é inevitável, mas, no fim das contas, só aumentará a catarse de retornar às salas de cinema quando tudo - a pandemia, as obras adaptadas para o momento - tiver ficado no passado.