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Mugen Train "de novo" em Demon Slayer: problemas na produção ou oportunismo?

“Reprise” de filme em formato televisivo é estratégia para ganhar tempo e deixar todo mundo em pé de igualdade

06.10.2021, às 14H08.
Atualizada em 06.10.2021, ÀS 15H29

Os fãs de Demon Slayer (ou Kimetsu no Yaiba, caso prefira o nome original) estavam ansiosos para ver no anime a continuação das aventuras de Tanjiro e Nezuko, mas os anúncios recentes foram um banho de água fria. Originalmente previstos para a temporada de outono, que começou agora em outubro, a equipe de produção avisou que os novos episódios de Demon Slayer chegam só no dia 10 de dezembro após a transmissão de uma re-edição do filme Mugen Train em formato série.

Estamos falando de um dos maiores fenômenos dos animes e mangás dos últimos tempos, então claro que muitos fãs se chatearam com o adiamento e houve até quem apostasse se tratar de uma estratégia oportunista por parte da equipe de produção. No entanto, enfiar na série o conteúdo do filme é algo que faz todo o sentido para o todo e nesta matéria vamos apontar alguns motivos.

Mugen Train: o fenômeno

Demon Slayer/Divulgação

Demon Slayer teve uma ascensão meteórica, digna de fenômenos. Se, durante a primeira temporada em abril de 2019, Tanjiro era conhecido somente por quem acompanhava os títulos lançados na Shonen Jump, alguns meses depois o mundo inteiro já havia se rendido ao seu carisma e sua busca pela cura de sua irmã. A editora Shueisha estava na frente de uma fonte inesgotável de dinheiro, vendendo milhões de mangás, livros e até máscaras anti-Covid-19 com estampa quadriculada (padrão este patenteado pelos donos da franquia, inclusive).

Com esses números, não foi uma surpresa o estúdio Ufotable anunciar, em parceria com a Aniplex e a editora do mangá, um longa-metragem animado para Demon Slayer. Só que uma informação em especial causou uma estranheza no público: o filme seria uma adaptação do arco Mugen Train, continuação direta da história, e não uma história inédita.

Aqui precisamos abrir um parênteses na matéria para explicar a relação de animes com seus filmes lançados para o cinema. Como é possível imaginar, franquias de sucesso estão sempre ganhando longas-metragens nas telas japonesas, o leitor deve se lembrar dos filmes de Dragon Ball, Pokémon ou mesmo de exemplos recentes, como My Hero Academia. O que há em comum em todos eles? A preocupação em não fugir (muito) da série televisiva.

Quando se assiste ao Goku enfrentando Coola, o irmão do Freeza, em um filme de Dragon Ball Z, o espectador já sabe que estará diante de uma aventura paralela à trama principal e que os eventos ali contados não têm qualquer conexão com o anime: o estúdio apenas aproveita a popularidade da série para lançar uma história bem animada. O Coola nunca apareceu no na televisão, nunca foi citado pelo seu irmãozinho Freeza e nem deu as caras no arco no outro mundo: é uma criação exclusiva para as telonas.

Há exemplos de filmes mais “canônicos” como o Devolva-Me Gohan ou o filme do Pai do Goku, mas esses são minoria. E vale lembrar que existem filmes animados dando sequência às suas séries televisivas,como o filme de Given (continuação da série homônima) e o recente Sailor Moon Eternal (que dá sequência ao anime Sailor Moon Crystal), mas são casos “específicos” da indústria mainstream.

Há várias formas de se fazer histórias paralelas no cinema. Atualmente Pokémon criou um “universo cinematográfico” no qual o Ash dos filmes a partir de “Pokémon: Pikachu, Eu Escolho Você” não é o mesmo Ash do universo televisivo, por outro lado temos My Hero Academia apostando em “histórias fillers” no cinema que às vezes são citadas por personagens durante o anime (o que funciona como uma forma de divulgação do longa). Já Demon Slayer pegou um outro caminho, o de lançar a continuação direto em formato longa-metragem, mesmo sabendo que haveria uma segunda temporada.

My Hero Academia/Divulgação

No final da primeira leva de episódios, Tanjiro, Inosuke e Zenitsu receberam a missão de encontrar o Pilar das Chamas, Rengoku, em um trem. A última cena do anime trazia o trio de protagonistas transitando na estação sem nem imaginar que um assecla do Muzan também estava embarcado. A partir dali começa o arco do Mugen Train, uma história mais curta no mangá original na qual Tanjiro cria um forte laço com Rengoku enquanto salva humanos de um ataque de demônios. Ou seja, é praticamente uma segunda-feira normal no mundo de Demon Slayer.

Segundo reportagens na época, o arco do Mugen Train foi escolhido para ser adaptado em um longa-metragem por ser menor que os demais. Em vez de criar uma nova aventura não-canônica para Tanjiro e os outros usarem suas técnicas de respiração na telona, o estúdio optou por seguir a história normalmente. E como já haviam anunciado que a segunda temporada cobriria o Arco do Distrito do Entretenimento, posterior aos eventos do trem, isso acabou “obrigando” os fãs de Demon Slayer a verem o filme caso quisessem saber a continuação da história.

Embora o filme tenha muitos pontos a seu favor, como uma animação belíssima e a fama enorme de Demon Slayer, o longa criou todo um cenário para que os fãs tivessem FOMO (fear of missing out, ou “receio de ficar de fora de algo”) e corressem para o cinema. O resultado foi impressionante: mesmo lançado em meio à pandemia de Covid-19, e muito antes de vacinação, Demon Slayer: Mugen Train arrastou milhões de fãs em todo o mundo e se tornou o longa-metragem animado mais visto de todos os tempos, derrotando os até então imbatíveis A Viagem de Chihiro e Your Name. O tamanho de Demon Slayer no mundo estava tão imenso que o filme foi lançado inclusive no Brasil, mesmo com nosso histórico de ignorar boa parte dos filmes de animes populares.

Mas e quem não viu o filme?

O filme de Demon Slayer é um dos maiores acontecimentos da indústria cinematográfica japonesa, mas acabou trazendo uma complicação. O arco do Mugen Train tem desdobramentos importantes para a história do anime, então como entrar na segunda temporada sem saber o que aconteceu naquele trem? O fato dos produtores terem escolhido continuar a história canônica de Demon Slayer no cinema poderia causar um buraco na compreensão do público. Um espectador mal informado poderia acreditar que a continuação da primeira temporada seria a segunda temporada, quando na verdade existe um filme no meio. Por isso, a decisão de “reprisar” o filme na televisão em vários episódios atende a várias necessidades da equipe do anime.

Demon Slayer/Divulgação

Para começar, o óbvio: nem todo mundo viu o filme. Por mais que a bilheteria tenha sido absurda e que o longa esteja disponível oficialmente em um serviço de streaming (a Funimation e mais recentemente na Crunchyroll), o ideal é que as pessoas tenham acesso à história na mesma plataforma em que elas assistiram à primeira temporada.

A decisão de transformar um filme canônico em episódios de série já foi usada por Dragon Ball nos longas da fase Super, com a diferença de que a Toei reanimou a história toda (e mudou algumas coisinhas de ambientação) para parecer uma atração nova. Já em Demon Slayer, a saída do Ufotable foi anunciar uma “versão remix” com nova trilha sonora, edição e alguns trechos inéditos para conectar este arco com o próximo.

Não podemos deixar de citar também um certo “oportunismo” por parte dos produtores. Óbvio que todos os olhos estarão voltados para Demon Slayer, então ter mais sete episódios com trechos do filme serve para atrair mais audiência e convencer mais pessoas a consumirem produtos relacionados à franquia. O arco do Mugen Train na Fuji TV será servido como prato de entrada oferecendo uma nova versão de uma história conhecida, uma nova abertura e encerramento cantados pela Lisa e cenas inéditas.

Demon Slayer/Divulgação

Por fim, essa decisão permite que os animadores tenham uma folga maior para trabalhar no próximo arco inédito e, acredite, a pressão deve ser grande. A primeira temporada criou uma expectativa muito grande para Demon Slayer, e os fãs não estão dispostos a aceitar nada abaixo de excelente para essa segunda fase. A reprise também pode ter sido decidida para disfarçar algum atraso ou problema na produção, mas esse tipo de informação não costuma vazar com tanta facilidade.

Com a re-exibição do Mugen Train, o estúdio ganhou pelo menos umas 7 semanas até a estreia do Arco do Distrito do Entretenimento em 10 de dezembro, uma decisão que une o útil ao agradável: não só traz vantagens para quem está produzindo como também faz sentido e facilita a vida de quem está assistindo e produzindo. Sabemos que o mercado de animação no Japão é bastante insalubre para os animadores, que são submetidos a rotinas exaustivas de trabalho e remuneração baixa, então um pouco mais de folga cai bem.

Como acompanhar?

Temos muitas formas de ver os desdobramentos de Demon Slayer no Brasil. A primeira temporada se encontra disponível na Crunchyroll, Netflix e na Funimation, com dublagem e legenda em português. O filme também está no catálogo da Crunchyroll e da Funimation, com dublagem e legenda.

Por sua vez, o arco do Mugen Train com a versão “remixada” do longa-metragem dividida em 7 episódios tem previsão de lançamento para o dia 10 de outubro na Crunchyroll. O arco do Distrito do Entretenimento deve chegar no dia 10 de dezembro na mesma plataforma e possivelmente deve aparecer em outros serviços.

Está muito ansioso e não aguenta esperar tanto? É só acompanhar pelo mangá, que é lançado no Brasil pela editora Panini e já ultrapassou a história da primeira temporada e do filme Mugen Train. E fiquem de olho aqui no Omelete, pois vamos ficar de olho nos novos episódios deste fenômeno.