A trilogia Blade reúne o melhor e o pior que o cinema de super-heróis pode ser

Créditos da imagem: Wesley Snipes como Blade no filme de 1998 (Reprodução)

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A trilogia Blade reúne o melhor e o pior que o cinema de super-heróis pode ser

Com personagem prestes a voltar às telas no MCU, vale relembrar filmes pioneiros com Wesley Snipes

Omelete
8 min de leitura
21.02.2022, às 11H28.
Atualizada em 22.02.2022, ÀS 07H57

Blade está voltando, e mal podemos esperar. Desde que o vencedor do Oscar Mahershala Ali (Moonlight, Green Book) foi anunciado como o intérprete do Caminhante Diurno no MCU, lá na San Diego Comic-Con de 2019, a expectativa para o retorno do personagem às telas tem sido palpável - e, no caso de Blade, essa expectativa tem muito mais a ver com o legado cinematográfico dele do que com a sua história nas HQs.

Antes do lançamento do filme Blade: O Caçador de Vampiros (1998), o personagem pertencia ao time B (sendo bastante generoso) da Marvel Comics, aparecendo em um punhado de histórias de terror publicadas em coletâneas nos anos 1970 e retornando para alguns arcos solo e compartilhados (com o Motoqueiro Fantasma e o time de caçadores sobrenaturais Nightstalkers) na década de 1990.

Na tela grande, no entanto, Blade foi crucial para a gênese do cinema de super-heróis como o conhecemos hoje. O Caçador de Vampiros foi o primeiro sucesso significativo da Marvel nos cinemas, arrecadando US$ 131 milhões ao redor do mundo. Parece pouco hoje, diante dos bilhões de um Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, mas Blade foi feito por uma fração do orçamento, em uma época muito menos ambiciosa para o gênero.

Isso tudo, vale lembrar, dois anos antes de X-Men: O Filme (2000) e quatro anos antes de Homem-Aranha (2002), quebrando um jejum de décadas em que os únicos filmes de super-heróis que faziam qualquer tipo quantificável de sucesso eram os de Batman e Superman. Combine esse pioneirismo com a performance icônica de Wesley Snipes na pele do protagonista, e é mais fácil entender porque o retorno de Blade ao cinema causa alguma ansiedade.

Revendo os três longas que Snipes estrelou entre 1998 e 2004, no entanto, o mais curioso é observar como os altos e baixos da trilogia Blade original, em muitos sentidos, previram as maiores potencialidades e os piores vícios dos filmes de herói que a seguiram. Abaixo, reunimos 6 coisas (três boas, e três ruins) que exemplificam do que estamos falando:

O melhor: Cenas realmente “quadrinescas”

Este elogio vale especialmente para o primeiro Blade, dirigido por Stephen Norrington (A Liga Extraordinária), mas se aplica a partes específicas de todos os três filmes. Ao contrário do que vemos hoje em muitos longas da Marvel e da DC, a ação na franquia Blade parece mesmo tirada das páginas de uma história em quadrinhos. 

Parte disso é favorecer cores fortes ao invés do filtro “cinzento” que domina quase todos os blockbusters atuais. Mesmo que (naturalmente) grande parte da ação de Blade se passe à noite, Norrington e o sucessor Guillermo Del Toro inserem em seus filmes vermelhos berrantes, luzes neon coloridas, cenários cheios de detalhes barrocos iluminados por lâmpadas fluorescentes, e por aí vai.

O resultado é que a trilogia Blade (o terceiro filme um pouco menos, mas já falamos disso) parece legitimamente uma adaptação de HQs, e não um produto pasteurizado pensado especificamente para não “assustar” quem nunca abriu uma revista em quadrinhos na vida.

O pior: Metragem excessiva

Cena do clímax de Blade: Trinity (Reprodução)

Não sei se isso é uma percepção geral, mas a minha memória afetiva dos filmes de Blade era de aventuras ágeis e dinâmicas, editadas com aquele olho econômico que amamos ver no gênero (vide o recente e ótimo Kimi, de Steven Soderbergh). Acontece que não é bem assim: todos os três filmes tem 2h de duração, e nenhum deles tem gás o bastante para preencher tudo isso.

Eu sei, eu sei, 2h parece mixaria diante das 4h02 de Liga da Justiça de Zack Snyder, ou das 3h01 de Vingadores: Ultimato. Hoje em dia, virou praxe filmes de super-heróis ultrapassem as 2h30 (nós mal encolhemos os ombros quando ficamos sabendo que Eternos teria um pouco mais do que isso) - mas isso é parte do problema, não da solução.

Um filme deve ter a metragem que faz sentido para a sua história, e também a consciência de quanto tempo o espectador está disposto a gastar com a sua narrativa. Os últimos 30 minutos dos filmes de Blade (como os de muitos filmes de herói atualmente) são um estorvo, uma obrigação, uma questão de “já que comecei, é melhor eu terminar”.

O melhor: Poder aos artistas

É razoavelmente seguro presumir que a New Line Cinema não tinha um “grande plano” para a franquia Blade quando fez o primeiro filme, em 1998. Daí talvez a liberdade dada ao diretor Stephen Norrington, então um técnico de efeitos especiais e animatrônicos que tinha dirigido somente um filme, o terror indie Death Machine (1994).

O resultado é um longa infinitamente estilizado, totalmente sintonizado à sensibilidade visual da geração MTV noventista (vide a inesquecível cena de abertura, em uma boate vampiresca onde o sistema de prevenção de incêndio faz chover sangue ao invés de água). O primeiro Blade é também completa e deliciosamente entregue à magia hollywoodiana, abusando de efeitos (na época, de ponta) para criar criaturas grotescas que frequentemente explodem em baldes de sangue digital.

Curiosamente, a New Line parece ter entregado carta branca semelhante a Guillermo Del Toro em Blade II (2002). A continuação é toda pautada no terror gótico que é caro ao mestre mexicano, no amor genuíno dele por criaturas “monstruosas”, e no seu enganoso romantismo - em muitos sentidos, é um prelúdio perfeito para os dois filmes de Hellboy que ele dirigiria nos anos seguintes.

O pior: David S. Goyer

O diretor e roteirista David S. Goyer (Reprodução)

Blade não foi o primeiro envolvimento de Goyer com adaptações de quadrinhos, e nem seria o último. Além dos três longas do Caminhante Diurno, ele escreveu O Corvo: A Cidade dos Anjos (1996), Nick Fury: Agente da SHIELD (aquele com David Hasselhoff, 1998), Batman Begins (2004), Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança (2011), O Homem de Aço (2013), Constantine (a série, 2013-2014), Batman vs. Superman (2016) e Krypton (2018-2019). Ainda este ano, será o showrunner de The Sandman na Netflix.

Em entrevistas, o roteirista (e eventual diretor) se define como um fanático por HQs”, e se diz interessado em explorar as consequências que vêm de se tornar uma figura icônica” como um super-herói. O discurso se traduz frequentemente em filmes de quadrinhos que levam-se mortalmente a sério, e que estão sempre buscando subverter o heroísmo e colocar à prova o idealismo de seus protagonistas.

Não há nada de errado em ter pretensão de falar sério com um filme de HQs, é claro, mas conciliar temas densos com exigências mercadológicas e entretenimento de massa é uma missão complexa demais para Goyer na maior parte das vezes. Pior: esta é, sem dúvida, a forma predominante de abordar super-heróis no cinema hoje em dia, e as obras do roteirista dentro do gênero, especialmente na era formativa dele, são muito responsáveis por isso.

O melhor: Wesley Snipes

Wesley Snipes em cena de Blade: O Caçador de Vampiros (Reprodução)

Se Goyer dá aos filmes do caçador de vampiros (ainda mais a Blade: Trinity, de 2004) os subtextos confusos que os impedem de se tornarem entretenimentos de primeira, Wesley Snipes é o cara que os recoloca nos trilhos. O seu Blade é uma criatura torturada, principalmente no primeiro filme, mas é também o super-herói com as melhores poses e as frases de efeito mais absurdas (“alguns filhos da p*ta sempre querem esquiar colina acima) do gênero.

Vale lembrar que Snipes, hoje mais conhecido por papéis de ação como Blade e o vilão de O Demolidor (o de Sylvester Stallone, não o herói cego da Marvel), é um ator para lá de conceituado e premiado. Em 1997, ele levou a Volpi Cup, o prestigiado prêmio de atuação do Festival de Veneza, pelo drama Por Uma Noite Apenas; suas performances para Spike Lee em Mais e Melhores Blues e Febre da Selva são icônicas; e recentemente ele voltou a cair nas graças da crítica com Meu Nome é Dolemite.

O trunfo de Snipes como ator é que ele sempre entende em que tipo de filme está, e o tipo de atuação que ele exige. Blade, como todo papel de super-herói, exige a criação de um ícone que é esporadicamente humano o bastante para que você se importe com ele, e acima de tudo de um personagem que é capaz de se divertir consigo mesmo e com o absurdo da própria situação em que está metido.

O pior: Vilões desperdiçados

Parker Posey em cena de Blade: Trinity (Reprodução)

Stephen Dorff, Ron Perlman e Parker Posey se divertem à beça em Blade, Blade II e Blade: Trinity, respectivamente. Posey, especialmente, se esbalda ao aplicar as excentricidades que viraram sua marca registrada a uma personagem vampiresca. Em meio ao filme mais prosaico da trilogia, ela é um respiro de estilização com o seu topete torto e sua forma de falar que trai um tédio mortal com os clichês do roteiro de Goyer e uma vontade indomável de dar alguma energia a eles.

Como acontece com muitos vilões dos filmes da Marvel e da DC hoje em dia, no entanto, nenhum dos vilões de Blade sai de seu confronto com o herói vivo. É recorrente (e justa) a reclamação dos fãs sobre a insignificância de grande parte dos antagonistas do cinema de super-heróis contemporâneo, e a recusa de desenvolvê-los para além do confinamento de um único filme tem um pouco a ver com isso.

Talvez aqui a tão discutida regra de “nunca matar” do Batman faça falta. Não é à toa que o Homem-Morcego tem tantos dos vilões mais icônicos dos quadrinhos e dos cinemas: figuras como Coringa, Charada e Mulher-Gato (hoje raramente vista como vilã, inclusive) quase nunca perecem ao final de seus encontros com Bruce Wayne.

Tá, mas e o novo Blade?

Mahershala Ali em cena de Alita: Anjo de Batalha (Reprodução)

Mahershala Ali com certeza vai interpretar um Caminhante Diurno totalmente diferente daquele vivido por Snipes. A sua primeira “aparição” (somente em voz) na franquia aconteceu na cena pós-créditos de Eternos, atrelando o Blade do MCU ao herói Cavaleiro Negro, vivido por Kit Harington no filme - é um sinal de que o personagem será totalmente integrado à narrativa dos outros filmes da Marvel, o que significa também algum grau de conformação estética à franquia.

Não é nem mais ponto polêmico dizer que o MCU criou uma fórmula à qual seus filmes e séries aderem quase militarmente. Nesse contexto, mesmo artistas com pontos de vista visuais e narrativos fortes, como Taika Waititi, Chloé Zhao e James Gunn, precisam trabalhar dentro de determinados parâmetros e se preocupar com a forma como suas histórias se encaixam nas outras do mesmo universo.

Embora tenha reunido um time invejável até agora, com o diretor Bassam Tariq (Mogul Mowgli) e a roteirista Stacy Osei-Kuffour (Watchmen), um Blade integrado ao MCU é também, necessariamente, um Blade menos… Blade - com tudo de bom e de ruim que isso pode trazer. Está tudo bem, é claro: novos tempos, novo Caçador de Vampiros. O lugarzinho dos filmes originais no coração do fã seguirá cativo.

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