Com mais de 22 milhões de cópias vendidas ao redor do mundo desde sua publicação original em 1965, o livro Duna é visto como uma das obras mais importantes da ficção científica. Criada por Frank Herbert, a história de Paul Atreides e sua família no planeta Arrakis trouxe grandes mudanças para o gênero, com uma abordagem muito mais humanista do que tecnológica e dedicada a discutir temas como imperialismo, fanatismo religioso e ecologia.
Na obra, o jovem Paul, herdeiro da Casa Atreides, um dos nomes nobres mais importantes do Império, é obrigado a se mudar com sua família para um planeta desértico chamado Arrakis. Após diversos acontecimentos trágicos, o rapaz se junta à tribo local para tomar o controle do planeta e enfrentar o governo opressor que quer explorar seus recursos preciosos.
Embora o brevíssimo resumo acima pareça, de certa forma, genérico, é preciso entender que se estender demais ao falar da trama de Duna é o mesmo que estragá-la. Ao contrário de outras obras, que mantém suas grandes reviravoltas em segredo até seus capítulos finais, o livro de Herbert já começa com uma sequência de revelações chocantes. Em suas primeiras páginas, o autor lista todos os acontecimentos de, no mínimo, metade da trama, que ainda assim toma caminhos inesperados para chegar de um ponto ao outro.
A maneira como Herbert conta a história de Paul é o que inicialmente prende o leitor a Duna. Sua narrativa é a grande responsável por eternizar diversas características presentes na ficção científica moderna que, ironicamente, só se tornaram pilares da cultura pop após serem popularizadas em outras obras.
Assim como a literatura fantástica adapta diversos conceitos criados J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis, é difícil encontrar livros de ficção científica que não usem as criações de Herbert como “inspiração” para suas próprias tramas. Isso acontece por causa da grande mudança que o autor deu ao gênero ao escrever Duna.
Ao contrário de muitas obras da época, que constantemente apresentavam um universo cercado de computadores e aparatos tecnológicos como meio de “provar” que a história se passava no futuro, Herbert criou uma trama em que os computadores foram extintos, inutilizados pelo medo que o ser humano sente da tecnologia. Em seu lugar, foram apresentadas pessoas com capacidades extremas de cálculos e análises – os Mentat.
Assim como se afastou de aparatos tecnológicos “obrigatórios” do gênero, o autor também trouxe mais características humanas para Duna. Escrito no auge do movimento hippie, o livro descreve o uso de entorpecentes por parte de vários personagens – protagonistas ou não – e explora bastante o tema de espiritualidade.
O cenário inóspito de Duna também serviu como inspiração para outras ficções científicas protagonizadas por humanos que buscam adaptar o ambiente à sua volta como modo de sobrevivência. Um exemplo recente é The Martian, de Andy Weir, em que um astronauta fica preso em Marte e cultiva alimentos com as ferramentas que tem em mãos. O livro ganhou uma adaptação cinematográfica em 2015, dirigida por Ridley Scott, chamada no Brasil de Perdido em Marte.
O reflexo de Duna no cinema
Popularizado ao longo dos anos 1970, o livro quase foi adaptado para os cinemas por Alejandro Jodorowski, que tinha um projeto ousado para Duna, envolvendo Orson Welles, Salvador Dalí e Mick Jagger no elenco, designs coloridos e cerca de 14 horas de duração. O filme chegou a entrar em pré-produção, mas foi cancelado por falta de verba.
Simultaneamente, Duna praticamente serviu como base para o roteiro de The Star Wars, filme de George Lucas que, após diversas alterações, se tornou fenômeno mundial e atemporal. Mesmo após inúmeras mudanças no roteiro, o arco de Luke (Mark Hamill), o poder de controlar a mente dos Jedi, o autoritário Império Galáctico e até mesmo o planeta Tatooine de Star Wars traduzem de maneira quase literal a trama de Duna.
Mesmo que Lucas admita “influências” da obra, não é difícil entender por que Herbert viu o blockbuster de 1977 como uma apropriação de sua criação. Luke, por exemplo, é um jovem cuja vida parece completamente planejada até que sua família seja atacada pelo Império, assim como Paul. O controle mental exercido por Obi-Wan (Alec Guinness) tem o mesmo propósito da Voz, talento possuído apenas pelas mulheres treinadas na misteriosa ordem das Bene Gesserit em Duna. O próprio planeta Arrakis, explorado por locais e estrangeiros que buscam a especiaria multiuso melange, é refletida em Tatooine, planeta deserto habitado por “fazendeiros de umidade”.
Assim como Star Wars, Duna também é uma ficção científica que flerta com a fantasia. Não são raros os momentos em que Paul e sua irmã, Alia, têm visões do futuro – assim como Luke em O Império Contra-Ataca ou Anakin (Hayden Christensen) em O Ataque dos Clones. Com práticas secretas e não compreendidas por pessoas de fora da ordem, as Bene Gesserit são chamadas de bruxas por alguns personagens mais práticos – “aquele bruxo é só um homem louco” é a definição que o tio de Luke dá sobre Obi-Wan, primeiro Jedi apresentado na franquia. O sucesso de Star Wars fez com que, mesmo sem intenção, aspectos extremamente particulares de Duna até aquele momento fossem reproduzidos por estúdios que tentaram aproveitar a febre criada pelo filme de Lucas.
Outro cineasta influenciado pelo livro foi Ridley Scott. Apaixonado pelo livro e pelo lendário filme cancelado que seria comandado por Alejandro Jodorowski, o diretor chegou a assinar contrato para adaptar Duna para o cinema, projeto que nunca realizou. Ainda assim, a “obsessão” de Scott pelo longa de Jodorowski inspirou dois de seus trabalhos mais bem-sucedidos. Tanto Alien (1979) quanto Blade Runner (1982) contaram com Dan O’Bannon, que trabalhou no projeto de Jodorowski, como designer das artes conceituais. H.G. Giges, designer por trás do xenomorfo, e Moebius, um dos idealizadores da Los Angeles futurista em que vive o detetive Deckard (Harrison Ford), também faziam parte da adaptação cancelada de Duna.
A primeira versão Duna chegou aos cinemas apenas em 1984, pelas mãos de David Lynch. O filme decepcionou fãs da obra de Herbert e foi extremamente criticado por seu visual estranho, exposição apressada e narrativa confusa que tomou muitas liberdades em relação ao livro.
Marcado como uma das principais influências da ficção científica atual, Duna ganhará uma segunda chance nas telonas, desta vez sob o olhar de Denis Villeneuve (Blade Runner 2049). Fã confesso da obra original, o cineasta, junto com a Warner, dividiu a complexa e rica trama do livro em dois longas, na esperança de capturar melhor a essência do livro. Embora seja cedo demais para prever o resultado, as primeiras imagens do filme deram certa esperança para aqueles que há anos pedem por uma nova versão das aventuras de Paul Atreides ao lado do povo Fremen.