Michael B. Jordan toma os espólios de Jack Ryan para si em Sem Remorso

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Crítica

Michael B. Jordan toma os espólios de Jack Ryan para si em Sem Remorso

Filme de origem de John Kelly se reorganiza para fazer o ator brilhar

Omelete
5 min de leitura
29.04.2021, às 14H56.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H48

Já faz tempo que Michael B. Jordan estava atrás de uma franquia de filmes para chamar de sua. Isso obviamente pode acontecer com Creed num cenário sem a sombra de Sylvester Stallone, mas enquanto não rola, a aposta mais certeira parece ser este Sem Remorso. Tudo no filme gira em torno de oportunidades para maximizar a presença de cena de Jordan, como uma máquina de movimento centrípeto.

De certa forma, esse movimento é antinatural dentro da galeria de filmes que adaptam às telas os romances de Tom Clancy, onde agências do governo, entidades sombrias e equipes paramilitares sempre se prestam a moldar uma teia intrincada de relações e conflitos. Mesmo as tramas estreladas por Jack Ryan dependem demais dos entornos (o funcionamento da CIA, a hierarquia da chefia) e não são tão personalistas quanto parecem. O fato de Jack Ryan ter sido vivido nas telas por cinco atores diferentes até hoje é uma prova disso.

Sem Remorso oferece uma situação que está mais próxima do James Bond de Daniel Craig em Cassino Royale: a jornada personalista ganha prioridade, no que se desenha como uma aventura global de intrigas mas na verdade é essencialmente um filme de ator. O fato de Sem Remorso tomar algumas liberdades em relação ao romance de Clancy já deve indicar que a proposta aqui não é exatamente servir ao éthos consagrado do escritor.

O livro saiu em 1993 e lidava com os fins da Guerra Fria. Já o filme (que ainda usa a nostalgia da Cortina de Ferro como mote na trama) não apenas atualiza o contexto, pós-Guerra da Síria, como muda o protagonista John Kelly, antes interpretado no cinema por Willem Dafoe e Liev Schreiber, agora um homem negro, vivido por Jordan. Vendido como a história de origem de John Kelly, antes de o fuzileiro naval se tornar um operativo da CIA com o codinome John Clark, Sem Remorso está mais para “a franquia de Michael B. Jordan” do que para “a história do parceiro de Jack Ryan como você ainda não conhecia”.

Uma vez que assume-se essa premissa, fica mais fácil digerir situações em que os entornos são esvaziados de importância para fazer o John Kelly de Jordan brilhar como um lobo solitário. Coadjuvantes se resumem a figuras que ora fazem papel funcional, ora são entregadores de diálogo “profundo” (como a insistência em se referir ao jogo político com a metáfora do xadrez). A dinâmica de Kelly com esses coadjuvantes é igualmente mecânica: se ele reconhece que um potencial rival na verdade é um aliado, isso é dito em voz alta, para que as funções fiquem sempre claras. De novo, tudo gira em torno do protagonista e de como ele se comporta uma vez que é o centro desse mundo.

O que torna Sem Remorso interessante é que esse projeto de filme de ator é executado com a maior competência pelo diretor italiano Stefano Sollima. Ele traz consigo uma experiência muito similar, que foi realizar Sicario 2 em torno da figura de Benício del Toro (o que inclusive faz da continuação um filme mais satisfatório que o primeiro, se você não compra o mosaico geopolítico pretensamente complexo que Denis Villeneuve tentara compor antes). É acima de tudo uma questão de concisão e foco, e Michael B. Jordan responde à altura quando Sollima o convoca para atrair todas as atenções.

Isso está inscrito em Sem Remorso de muitas formas. Aparece na variedade de situações pensadas para iluminar a versatilidade de Jordan (como pintar um talento de John Kelly para a atuação, na cena em que ele se finge de bêbado) e aparece nas cenas de mitificação e catarse, como na fuga do prédio sitiado e particularmente no segmento filme-de-cadeia (em que Jordan se prepara dentro de sua cela para uma surra da mesma forma que um ator se prepararia na coxia para sua grande noite no teatro). Sollima realiza esse filme dentro do filme - não é exagero dizer que John Kelly está aqui no fundo passando por toda uma provação para convencer os outros personagens de que ele pode, sim, ser o protagonista - sem transformar Sem Remorso num grande manifesto estilizado. Na verdade, Sem Remorso começa e termina sempre a serviço da ação e suas funções, como um legítimo filme B. 

Aliás, méritos aí para Taylor Sheridan, de A Qualquer Custo, que já há uns cinco anos tem se mostrado um especialista de Hollywood em tratar material tipo B com a dignidade que ele merece. Ao final, Sem Remorso parece ter construído uma narrativa bem genérica naquilo que é periférico e acessório: acertos de contas, motivações de vilões, reviravoltas manjadas. No que importa, porém, que é a consolidação da imagem de Michael B. Jordan como astro de sua nova franquia, é um caso exemplar de sucesso, porque essa jornada da validação passa também por uma superação de um preconceito racial que permanece velado ao longo do filme. 

Novamente, Sollima não faz disso um grande panfleto; o racismo está inscrito nas pequenas coisas, seja no olhar de superioridade do operativo da CIA numa missão (embora Jamie Bell seja consideravelmente mais baixo que Michael B. Jordan), seja na reação automática diante do perigo, como quando Kelly sai de um carro gritando para não ser alvejado pela polícia. Inclusive toda a mitificação do personagem nas cenas na prisão passa pelo imaginário dos filmes de blaxploitation que carregamos num insconsciente coletivo. O roteiro não precisa verbalizar isso para que tome forma, mas tudo está lá, pulsando e ganhando vida própria - muito longe das franquias concebidas por cabeças-de-planilha e departamentos de marketing na base da canetada.

Nota do Crítico
Ótimo
Sem Remorso
Without Remorse
Sem Remorso
Without Remorse

Ano: 2021

País: EUA

Duração: 110 min

Direção: Stefano Sollima

Roteiro: Taylor Sheridan, Will Staples

Elenco: Michael B. Jordan

Onde assistir:
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