À primeira vista, o estilo barulhento e francamente físico do humor de Médicos em Colapso pode parecer alienante, mas os dois episódios iniciais do k-drama escrito por Baek Sun-woo deixam abundantemente claro que a caricatura desses momentos serve um propósito narrativo nobre: o de equilibrar o tom igualmente franco como qual a série deseja abordar temas sérios de saúde mental diante das pressões da contemporaneidade. Dentro de menos de duas horas, Médicos em Colapso fala de burnout e depressão (dando nome aos bois), além de fazer um retrato severo do estigma associado a eles dentro do contexto competitivo do capitalismo tardio, onde a régua da performance acadêmica e profissional se torna muito mais definitiva na hora de avaliar o valor dos seres humanos.
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É nessa régua que se posiciona a relação dos dois protagonistas, Jeong-woo e Ha-neul (Park Hyung-sik e Park Shin-hye, reunidos onze anos depois do sucesso de Herdeiros), que se tornam rivais ainda no ensino médio, competindo pelas notas mais altas da classe. Anos mais tarde, os dois viram médicos bem-sucedidos - embora ele tenha uma vida bem mais tranquila como cirurgião plástico nacionalmente famoso, enquanto ela cumpre jornadas abusivas em um hospital universitário, aguardando por uma promoção. O reencontro acontece justamente quando essas vidas bem-estruturadas vêm abaixo: ele se envolve em um escândalo ao perder uma paciente na mesa de cirurgia, e ela é diagnosticada com burnout e se demite após um acidente quase fatal.
Médicos em Colapso se estrutura, assim, como a história de dois indivíduos que, obrigados a reconsiderar os objetivos materiais em volta dos quais construíram suas vidas e personalidades, também se encaminham para reconsiderar a relação que têm um com o outro. É uma premissa forte para qualquer romance, qualquer drama psicológico, e qualquer folhetim de qualidade - e os protagonistas Hyung-sik e Shin-hye vendem bem a jornada em que os dois estão embarcando. Se o roteiro da série exige que ambos ajam de forma juvenil em certos momentos cômicos, o carisma dos atores faz com que os perdoemos com mais facilidade. Afinal, que adulto não precisa extravasar seus impulsos menos maduros de vez em quando, seja no espaço seguro de uma mesa de bar ou da relação casual com um quase-desconhecido?
De fato, parte do ponto da série da Netflix é afirmar a necessidade da abertura desses espaços e momentos de alívio na rotina esmagadora da vida moderna - e é bacana observar como, na busca por seu equilíbrio de tom, Médicos em Colapso acaba se transformando em um produto cosmeticamente perfeito para prover esse alívio. O diretor Oh Hyun-jong (Find Me in Your Memory) cria uma série definida por encenações dinâmicas e cortes rápidos, atentos ao ritmo dos diálogos e ações dos personagens para capturar a comédia que pode existir em cada encontro e desencontro entre eles. Já na hora de falar sério, Médicos em Colapso desacelera para um estilo de observação distanciada, como se quisesse evitar o melodrama para não desqualificar a mensagem do texto ou danificar relações que foram construídas no humor.
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Essa fluência visual e narrativa impressionante só vacila mesmo quando a produção precisa se aproximar da novelinha médica. Médicos em Colapso nunca parece engajado em construir uma ambientação hospitalar convincente - não só a série vive tentando escapar dos ambientes de trabalho dos protagonistas para retornar às suas vidas domésticas, como faz pouco para desenvolver os personagens que cercam os protagonistas nesses ambientes. O mistério manjado em torno da paciente que morre na mesa de cirurgia de Jeong-woo, então, parece uma concessão marketeira às convenções do k-drama. Para colocar na linguagem dos seriadores ocidentais: Médicos em Colapso tem menos talento para Grey's Anatomy do que para This is Us ou Modern Family.
Mas, ao menos nesses dois primeiros episódios, a série funciona bem dentro do que se propõe. Médicos em Colapso se posiciona com precisão para ocupar um lugar de entretenimento com substância, principalmente ao encontrar o formato ideal para passar sua mensagem tremendamente humana e - no contexto da humanidade contemporânea - tremendamente urgente.