Cena de Reino da Conquista (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Reino da Conquista (Reprodução)

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Reino da Conquista tempera suas intrigas palacianas com uma pitada de fetiche

Hit da Netflix é exemplar bem feito (e delicadamente subversivo) do k-drama de época

Omelete
4 min de leitura
05.02.2024, às 16H49.
Atualizada em 07.02.2024, ÀS 23H49

O segundo episódio de Reino da Conquista, k-drama que escalou o top 10 da Netflix logo em sua semana de estreia, dedica uns bons cinco minutos a uma cena em que o príncipe-herdeiro Jinhan (Jo Jung-suk, de Hospital Playlist) exige que o jovem que acabou de vencê-lo no baduk, jogo sul-coreano parecido com damas, o ajude a vestir as muitas e muitas camadas do seu hanbok, vestimenta tradicional da cultura do país. Tecido após tecido, nó após nó, cinto após cinto - e um chapéu para completar! -, Mong-woo (Shin Se-kyung, de Run On) veste o seu novo crush de forma estabanada, tentando evitar tocá-lo de maneira inapropriada, enquanto o diretor Cho Nam-book (Exemplary Detective) se demora desavergonhadamente na proximidade física forçada entre seus protagonistas. 

É claro que a série tem uma boa justificativa para esse momento “safadinho”. Mong-woo é, na verdade, uma moça que se veste de homem para jogar baduk contra outros homens, e o príncipe-herdeiro, não só intrigado pela habilidade de seu oponente como também pelo mistério que o envolve (“Mong-woo” é apenas um apelido que nasce da conversa entre os dois, uma vez que ela se recusa a dar seu nome verdadeiro aos oponentes), tenta descobrir detalhes da vida pessoal do novo amigo através de seu modo de se vestir. “Você deve ter criados para colocar sua roupa todos os dias”, conclui o integrante da família real no fim da longa e constrangedora cena entre os dois.

Mais difícil é explicar outros momentos em que a fisicalidade dos personagens, dentro de suas clausuras comportamentais de história de época, se torna ponto de contenção para a série. Em uma cena, o rei (Choi Dae-hoon, de Pousando no Amor) faz sua amante chupar um dedão inflamado que, dentro da proposta narrativo-estética de Reino da Conquista, representa a doença difusamente especificada da qual o monarca sofre. Em outra, uma prostituta tenta seduzir o príncipe-herdeiro a mando de um de seus inimigos - quando ele hesita, a cortesã lança mão de uma estratégia antiquíssima de flerte: pedir ao seu alvo que recite o seu poema favorito, gemendo em aprovação enquanto ele lhe diz belas palavras.

Há algo de inegavelmente fetichista acontecendo aqui, é o que eu quero dizer. O roteirista Kim Seon-deok - que tem experiência no k-drama de época com o bem-sucedido O Palhaço Coroado - carrega para Reino da Conquista um impulso irresistível de concretizar as perturbações de seus personagens reprimidos em cenas que quebram as convenções nas quais eles estão metidos. Os atores são aliados valiosos nesse sentido - e, enquanto os dois protagonistas da série moldam com alguma habilidade seus desejos alarmantes para transformá-los em expressões emocionais aceitáveis (constrangimento, relutância, ternura), o rei doente interpretado Choi Dae-hoon impressiona justamente por não se esquivar da estranheza e da loucura.

Ajuda, é claro, que ele esteja no centro nervoso de toda a intriga palaciana de Reino da Conquista. Quando mergulha nas tramoias de seus conselheiros e ministros, nas disputas entre a rainha-consorte e a mãe do rei, nos questionamentos de lealdade dentro do contexto político da Coreia disputada entre dinastias chinesas no século XV, a série da Netflix decola com prazeres narrativos que serão familiares para fãs de Game of Thrones, The Tudors ou qualquer outra história centrada em linhagens reais. A fofoca é forte, os resultados são imprevisíveis, as consequências são violentas, os figurinos são deslumbrantes, e por trás de tudo há algum discurso sobre o que valorizamos em tempos de paz e guerra - ou seja, tudo o que um bom fã de novelão de época seria capaz de pedir.

Reino da Conquista, ao menos nessa primeira fase, divide bem o seu tempo entre essas intrigas e um romance principal que é subversivo por natureza (como o de Mulan, em que um homem se apaixona por uma mulher enquanto ainda ignora o fato de que… bom, ela é uma mulher). Com uma equipe criativa que se aproveita dessa subversão para ceder aos seus impulsos fetichizadores mais inesperados, transformando os próprios objetos de sua ambientação de época em instrumentos para se comunicar com um espectador contemporâneo, a série tem tudo para seduzir justamente o público mais fiel dos k-dramas. 

Afinal, quem entende bem os códigos de um subgênero costuma se deliciar com a oportunidade de vê-los reproduzidos em um tom ligeiramente diferente.

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