Greve dos roteiristas: o que aconteceu em 2007 e como 2023 é diferente

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Greve dos roteiristas: o que aconteceu em 2007 e como 2023 é diferente

Desta vez, revisão de ganhos envolve plataformas de streaming - e regulamentação de IA

Omelete
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05.05.2023, às 11H38.
Atualizada em 09.08.2023, ÀS 14H49

Os gravatas e chefões de Hollywood estão em crise. E enquanto a discussão que acontece hoje talvez não seja tão dramática quanto movimentos recentes como o #MeToo e o #OscarSoWhite, a greve dos roteiristas, estabelecida no último dia 2, é amplamente impactante. Para muitos que acompanham, no entanto, a greve não é inédita: a última vez que isso aconteceu de forma tão intensa foi em 2007. Naquele ano, cerca de 12 mil roteiristas de cinema e televisão, representados pelo Writers Guild of America (WGA), abandonaram as redações e foram às ruas lutar por seus direitos. Entre 5 de novembro de 2007 e 12 de fevereiro de 2008, os roteiristas largaram seus teclados e canetas porque a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), associação que representa empresas de produção de filmes e séries, se recusou a atender às novas demandas do sindicato, que são renovadas a cada três anos.

No início desta semana, Los Angeles e o mundo todo tiveram um sentimento de déjà vu quando os roteiristas iniciaram uma greve novamente, especialmente após terem flertado com a possibilidade em 2017, mas 2023 é um mundo completamente novo. O que muda agora em relação aos impasses da categoria e a associação que pararam Hollywood por 100 dias em 2007 é o fato de que os principais impasses estão relacionados às plataformas de streaming, que se tornaram um dos principais meios de distribuição de conteúdo na indústria do entretenimento.

Greve de 2007: Royalties, filmes ruins e temporadas curtas 

No ano em que um fã assumido de The Wire anunciou sua candidatura à presidência dos Estados Unidos e Martin Scorsese finalmente ganhou um Oscar, os roteiristas não estavam nada felizes com suas atuais condições de trabalho. Parte disso envolvia os lucros que as companhias e estúdios faziam com a venda de DVDs. Para eles, o merecimento de royalties sobre os lucros da venda desses produtos era mais que obrigatório. Mas o principal ponto que causou a reinvindicação era uma tal de "nova mídia", que envolvia produtos digitais, como websódios e outros derivados, das principais séries e produções da época. Tudo isso, aliás, se passava em uma época em que os smartphones ainda estavam engatinhando. 

DAVID MCNEW/Getty Images via AFP

A paralisação teve um efeito catastrófico na produção de programas de TV, com projetos em andamento sendo abandonados, um mar de reprises, showrunners largando suas séries e muitos (mas muitos) títulos sendo cancelados. Alguns dos destaques entre os seriados que partiram dessa para uma melhor devido à greve foram Pushing Daisies, Men in Trees, Girlfriends e The 4400.

Na melhor das hipóteses, se o projeto não estivesse em nenhum desses cenários descritos acima, ele teve, no mínimo, sua temporada reduzida -- veja bem, produzir de 22 a 24 episódios por ano requer muito esforço, mentes pensantes, criatividade e dinheiro no bolso. Mas durante a greve dos roteiristas, muitas séries tiveram de lidar com esses cortes: Grey's Anatomy produziu uma temporada com apenas 17 episódios, Lost com 14, 30 Rock com 15, The New Adventures of Old Christine com 10, e assim por diante.

Embora tenha durado "apenas" 100 dias, esse período foi "massivamente disruptivo", como afirmou Kevin Klowden, estrategista-chefe global do Instituto Milken ao Fast Company. Além de ficar sem episódios das séries favoritas, a greve resultou na perda de mais de 37 mil empregos e em uma queda de US$2,1 bilhões na produção econômica, de acordo com um relatório do executivo. Isso mesmo, US$2,1 bilhões. Também como consequência da greve na televisão, o Globo de Ouro não aconteceu pela primeira vez desde que passou a ser televisionado, e os canais, por sua vez, foram invadidos por reality shows -- oferecendo-nos pérolas como o imperdível Eu Não Sabia Que Estava Grávida.

Já na indústria cinematográfica, embora menos evidente, o impacto da greve dos roteiristas foi tão catastrófico quanto um casamento vermelho da HBO: muitos filmes tiveram suas produções apressadas, resultando em desculpas sendo pedidas até hoje. Michael Bay, por exemplo, não consegue esquecer o efeito da greve em Transformers: A Vingança dos Derrotados, que ele carinhosamente chama de "uma porcaria" e admitiu ter sido uma experiência terrível por ter que criar um roteiro em apenas três semanas.

Em outras produções, a situação foi tão crítica que até mesmo os atores tiveram que pegar papel e caneta para reescrever ou adicionar falas ao roteiro. Pergunte a Daniel Craig sobre sua experiência em 007 - Quantum of Solace e você verá a rápida transformação do gentleman inglês: "a greve f*deu com o filme". "Tínhamos um esqueleto de roteiro e, em seguida, houve uma greve dos roteiristas e não havia nada que pudéssemos fazer. Eu estava tentando reescrever cenas, e eu não sou um roteirista", relembrou Craig.

E claro que também não podemos esquecer da decepção de longas esperados há anos, como o massacrado pela crítica X-Men Origins: Wolverine, totalmente esquecível Dragonball Evolution e G.I. Joe - A Origem de Cobra -- este último, aliás, rechaçado por Channing Tatum em qualquer oportunidade que tenha.

Felizmente, o pesadelo chegou ao fim em 12 de fevereiro de 2008, quando 92,5% dos membros do WGA aprovaram um novo acordo proposto pela AMPTP. Mas não sem consequências para os dias de hoje.

Greve de 2023: residuais, tecnologia, streaming e salinhas 

O primeiro ponto em comum entre as novas reivindicações dos roteiristas envolve royalties, agora chamados de residuais. Eles funcionam da seguinte forma: se um roteirista contribuiu para a criação de um episódio de uma série ou de filme, e os direitos de transmissão dessa propriedade intelectual são comprados por uma emissora de TV a cabo ou plataforma de streaming, o roteirista recebe uma compensação financeira por isso.

Rodin Eckenroth (Getty Images via AFP)

Isso era uma beleza para aqueles que trabalharam em séries de uma época passada, em que as temporadas eram produzidas anualmente com pelo menos 22 episódios cada. No entanto, atualmente, o cenário é diferente e pode-se atribuir a culpa aos serviços de streaming. Na última vez em que os roteiristas entraram em greve, os direitos autorais sobre o conteúdo produzido foram um dos principais pontos de negociação.Esse problema ganha novas camadas considerando que os ganhos residuais para séries desenvolvidas exclusivamente para as plataformas de streaming ainda não representam um valor significativo para seus roteiristas. Atualmente, muitas séries são criadas exclusivamente para os streaming, mas a forma como os direitos autorais das plataformas são calculados ainda não acompanhou essa evolução.

Vale notar que as regras para determinar os diferentes tipos de direitos autorais que os programas pagam são bastante complexas e variam de caso a caso. No entanto, em geral, essa questão é considerada menos problemática quando se trata de uma série de TV aberta de sucesso. Para eles, vendidos para inúmeras reprises em outros canais, como The Big Bang Theory ou Seinfeld, os títulos podem atrair assinantes para as emissoras que os adquiriram, resultando em pagamentos generosos para seus roteiristas.

Em contrapartida, esse mesmo pagamento extra não é garantido para as produções de streaming. Por exemplo, um roteirista de Bridgerton, Round 6 ou Stranger Things, produções que ajudam a trazer assinantes para a Netflix, não recebe nada dos lucros que a plataforma obtém com assinaturas, publicidade ou produtos derivados -- segundo as novas reivindicações da WGA, esse é um dos principais pontos que pede mudanças.

No boletim produzido pelo sindicato antes da deflagração do estado de greve, foi apontado que o salário médio de um roteirista caiu 4% ao longo da última década. Ajustado pela inflação, isso representa uma queda de 23%, algo muito preocupante em uma realidade em que o custo de vida aumentou (especialmente nas grandes cidades, como Los Angeles e Nova York, o lar de praticamente todas as maiores produções).

A principal razão que explica a redução salarial envolve o atual modelo de produção no mercado de séries. A maioria das produções da Netflix, Apple TV+ e Prime Video, entre outras, tem de 8 a 12 episódios por temporada, em comparação com os tradicionais 22 a 24 episódios da TV aberta. Isso significa que os roteiristas recebem menos por cada trabalho. Além disso, o intervalo entre as temporadas perdeu a obrigatoriedade anual. Por exemplo, Atlanta, do Donald Glover, esperou anos entre uma temporada e outra – algo que jamais aconteceria no modelo tradicional.

Há também a questão que envolve as novas tecnologias e a Inteligência Artificial (IA). O que para muitos é uma ferramenta revolucionária, para outros trata-se de uma ameaça e um medo constante do desemprego. Pensando em Hollywood, é possível utilizar a IA para montar roteiros, enredos, diálogos, descrições de personagens e muito mais. E dependendo da evolução da ferramenta nos próximos anos ou meses, não é difícil imaginar um ponto em que um filme inteiro seja escrito somente com algumas informações - para depois ser revisto por um redator, que obviamente receberia um salário menor do que receberia caso tivesse escrito o roteiro por conta própria. Essa realidade só pode ser o sonho dos executivos, pois reduziria custos para o estúdio.

Embora a WGA não tenha o poder de impedir o desenvolvimento de novas tecnologias e processos com IA, ela pode tentar garantir que qualquer estúdio que queira fazer negócios com seus escritores terá que cumprir padrões básicos de envolvimento humano, isto é, pagar-lhes um salário justo que acompanhe o orçamento e o sucesso dos estúdios e das produções que os contratam.

Mas sem sombra de dúvida, o principal motivo pelo qual os roteiristas estão atualmente fazendo cartazes com frases engraçadas repletas de críticas sociais são as "salinhas de roteiristas", uma prática que vem ganhando mais espaço com a proliferação das plataformas de streaming. Nesse esquema, é montada uma "salinha", onde são contratados menos roteiristas para escrever um número específico de episódios para uma série antes de sua transmissão.

DAVID MCNEW (Getty via AFP

Obviamente, a precarização do trabalho oferece um salário menor para os roteiristas e menos oportunidades de crescimento em Hollywood. Esse ponto é bastante ressaltado pelo sindicato, considerando que, para um roteirista ter a oportunidade de se tornar um showrunner, ele deve ser orientado e mentorado por um roteirista mais experiente no mercado. No entanto, esse tipo de orientação nem sempre é possível dentro de uma "salinha de roteiristas", já que roteiristas de calibre e renome não participam desses experimentos.

Além disso, os escritores que trabalham sob essa demanda são facilmente descartáveis: não há plano de carreira, os contratos são escassos e as condições de trabalho nada agradáveis. De acordo com outro relatório publicado pelo sindicato, metade dos roteiristas de séries de TV estão atualmente recebendo o salário mínimo básico, em comparação com 33% entre a safra de 2013-2014. O WGA afirmou que as empresas utilizaram a transição para o streaming para reduzir o salário dos roteiristas e separar a escrita da produção – o que piora as condições de trabalho para os escritores. O sindicato acrescentou que mais roteiristas estão "trabalhando no mínimo, independentemente da experiência".

As "salinhas de roteiristas" surgiram da necessidade de produzir uma grande quantidade de conteúdo original para preencher o catálogo das plataformas de streaming. Com o aumento no número de plataformas, mais espaço se abriu para os escritores trabalharem. No entanto, embora o número de empregos tenha aumentado, a remuneração dos roteiristas envolvidos nesses projetos diminuiu.

Lembra da icônica cena de I Love Lucy, quando Lucy e Ethel precisam trabalhar em uma fábrica de chocolate e, à medida que o ritmo de trabalho cresce, as duas perdem as estribeiras? É um pouco disso. Chegamos a um ponto em que os conglomerados estão cada vez mais interessados em abrir suas próprias plataformas e precisam de conteúdo. No entanto, não há mentes criativas suficientes para pensar em conteúdos originais o tempo todo. Isso ajuda a explicar por que vemos tantos remakes, reboots, adaptações e continuações - mas essa é uma conversa para outro dia.

O que vem por aí?

A resposta é curta e simples: ninguém sabe. Em 2007, quando os roteiristas fizeram greve em frente aos principais estúdios de Los Angeles, a produção de séries e filmes foi paralisada aos poucos, assim como está acontecendo agora. No entanto, o atual impasse com os roteiristas pode ser apenas o início de um problema ainda maior: nas próximas semanas, os contratos dos Sindicatos dos Atores (SAG-AFTRA) e dos Diretores (DGA) também vão expirar e passarão por negociações. 

Se um ou ambos os sindicatos também decidirem fazer greve, Hollywood vai, basicamente, parar -- e o pior, por tempo indeterminado. E, para a decepção dos espectadores, esse evento de proporções épicas não será retratado em uma minissérie estrelada por um veterano vencedor do Oscar. Pelo menos não a curto prazo.

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