Filmes

Entrevista

Festival de Berlim | "Há uma tendência de carnavalizar a escravidão", diz diretora do nacional Vazante

Daniela Thomas comanda filme que leva ao evento imagens em preto e branco

10.02.2017, às 17H19.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Retrato da exclusão no Brasil de 1821, às vésperas da Independência, Vazante, uma das 13 produções nacionais em circulação pelo 67º Festival de Berlim, gerou um misto de horror e de deslumbre na plateia alemã. O horror vai para a conta do debate que a cineasta Daniela Thomas (parceira de Walter Salles nos premiados Linha de Passe Terra Estrangeira) gera em seu retrato cru para a exploração do trabalho escravo negro no país, no século XIX. Aliás, a crueza se estende para a discussão que a diretora gera sobre machismo institucionalizado, ao expor a união forçada entre uma adolescente (Luana Nastas, de 13 anos) e um fazendeiro quarentão (vivido pelo ator português Adriano Carvalho, cujo vasto ferramental cênico virou “o” assunto da Berlinale) que trata sua jovem (e põe jovem nisso) mulher como posse. Já o deslumbramento vai para a conta do fotógrafo do filme, o peruano Inti Briones (de Jia Zhang-ke, o Homem de Fenyiang), que constrói um preto e branco de plasticidade requintada, dialogando esteticamente com a cor do minério de prata, presente na região mineira onde se deram as filmagens.  

Há uma tendência hoje no cinema brasileiro de se tratar a escravidão com muito distanciamento, de maneira carnavalizada, e a minha ideia era fazer o contrário disso e explorar os lados mais sombrios dessa forma de exploração do homem, para insuflar o debate ao propor a reconstituição de um tempo histórico”, diz a cineasta ao Omelete.

Integrante da seção Panorama, cujo foco este ano é a exclusão racial, Vazante trata as mazelas dos escravos no Brasil sobre um viés raramente explorado em nossas telas: o lado doméstico das relações entre os africanos submetidos a trabalhos forçados e seus senhores brancos, numa espécie de História íntima da senzala. De um lado se vê a violência de raças e, do outro, a violência de gênero, na relação do fazendeiro António (Carvalho) e a menina com quem decide de se casar, aos olhos de um jovem escravo curioso de tudo ao seu redor. Em Berlinale, houve quem chamasse o longa de Thomas de “Lucrecia Martel encontra ‘Casa Grande & Senzala’”, numa alusão à cineasta argentina cultiuada por filmes como O Pântano (2001) – famosa por seu olhar sobre implosões afetivas e retenções sexuais – e ao livro de Gilberto Freyre encarado como bíblia da antropologia nacional.

Queria entender que lugar esse o da escravidão em nossa cultura, sem a necessidade de buscar um diálogo histórico determinado com a tradição do cinema brasileiro. Inti Briones nos trouxe a ideia de usar apenas velas e fogueiras para a iluminação, na construção de uma fotografia que emulasse o prateado das minas”, diz Thomas, alvo de elogios generalizados por seu recorte seco da brutalidade dos latifundiários.

Mais de Berlim – Desde a abertura do festival, nesta quinta, poucos filmes tiveram uma recepção unânime no gosto do público e da crítica. Uma rara exceção até agora é Bye Bye German, uma comédia do alemão Sam Garbarski (do cult Irina Palm), sobre dois judeus sobreviventes do Holocausto que, na Frankfurt de 1946, usam as mais estapafúrdias estratégias para vender produtos para mulheres. Há um boca a boca forte na cidade – vindo de terras ibéricas – em torno da produção espanhola Pieles, de Eduardo Casanova, que será exibido em solo germânico neste sábado. Dividido em episódios, o filme reúne histórias anedóticas de pessoas com algumas das mais distintas deformidades dermatológicas.  

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