O sucesso de RuriDragon e a suposta crise da Shonen Jump

Créditos da imagem: RuriDragon/Reprodução/Shueisha

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O sucesso de RuriDragon e a suposta crise da Shonen Jump

Um dos títulos mais comentados da Shonen Jump atualmente é esse mangá de uma garota dragão. O que isso nos fala sobre a tal crise criativa que a maior revista de mangás do Japão está passando?

Omelete
6 min de leitura
10.08.2022, às 10H22.

Às vezes algo inesperado cai no nosso colo e, sem qualquer aviso, muda completamente nossa vida. O mangá RuriDragon, de Masaoki Shindo, está sendo publicado atualmente pela Shonen Jump e surpreende ser o completo oposto do que se espera de um quadrinho de sucesso da revista. Enquanto temos aí One Piece com batalhas épicas, e mortes inesperadas em My Hero Academia, o maior desastre que acontece na história de RuriDragon é a protagonista adolescente percebendo uma mudança em seu rosto assim que acorda para ir à escola.

A "história"

Um dos fatores de sucesso para uma história (e não precisa ser só em anime e mangá) é uma premissa simples de entender e de se explicar. “Cinco adolescentes com armaduras de constelações precisam defender reencarnação de deusa Atena”, “garoto com rabo de macaco se une a adolescente burguesa para buscar sete esferas do dragão” ou mesmo “jovem rapaz com olfato de cachorro quer encontrar a cura para sua irmã, transformada em demônio por um vilão” são todas premissas muito simples que você leitor deve até ter descoberto as respectivas séries. RuriDragon também parte de uma premissa simples, mas talvez nesse caso talvez seja simples demais.

Reprodução/Shueisha

RuriDragon conta a história de Ruri, uma adolescente que acorda num belo dia e percebe que agora tem dois chifres de dragão na cabeça… e é essa a história do mangá. Nessa história "kafkiana", a Ruri não precisa se reunir com outras garotas dragão, não sai em jornada com amigos improváveis e nem busca a cura para sua condição. Ela descobre que seu pai ausente é um dragão e agora precisa conviver com essas características únicas em sua vida de estudante japonesa. Como os colegas de classe vão reagir a essa mudança? Com quem ela vai pegar o conteúdo das aulas perdidas porque ela estava soltando fogo pelas ventas? Afinal, quem é o pai dragão de Ruri e qual a relação de sua mãe com ele?

Assim como outros mangás da mesma revista, os capítulos de RuriDragon são lançados semanalmente na Shonen Jump e surpreendem por fugir ao que é esperado pelos leitores. Mesmo as histórias mais diferentonas do almanaque, como Akane Banashi (sobre uma garota que sonha em ser uma artista rakugo, uma arte de monólogos), trazem ainda fortes elementos comuns a séries de luta ou esporte, como competição entre personagens e um elenco secundário forte para ensinar aos leitores a importância do trabalho em equipe. Mas RuriDragon não…

Embora o mangá da garota dragão até envolva essa questão social, RuriDragon parece não ter qualquer objetivo. Acompanhamos Ruri tentando fazer amizades, estudar para provas, jogando New Super Mario Bros Wii com sua mãe e tomando um cappuccino no Starbucks. Parece um típico mangá slice of life, com histórias bobas de cotidiano, mas na revista de mangás mais competitiva do mundo.

Reprodução/Shueisha

É possível encontrar algumas interpretações comparando RuriDragon ao filme Red - Crescer é uma Fera, porque ambas são histórias com adolescentes “ganhando” uma forma animal. E embora a dragonização de Ruri possa ser também considerada uma alegoria à puberdade, assim como no filme da Pixar, o roteiro do mangá parece seguir um caminho de “todos nós somos diferentes”. A própria forma como os chifres e os poderes de Ruri começam a ser tratados com normalidade na sala de aula acaba sendo um discurso muito poderoso para ensinar aos jovens que somos todos “normais” à nossa maneira.

RuriDragon estreou na Shonen Jump na mesma época de Super Smartphone (uma mistura de Death Note com Diário do Futuro) e Aliens Area (um estiloso shonen de lutinha de humanos contra extraterrestres), mas provavelmente quem sobreviverá à guilhotina da Jump será o mangá da garota dragão. Os números da obra no aplicativo MangaPlus, responsável por lançar os mangás da Jump em inglês de forma oficial e de graça, surpreendem em comparação a outros sucessos (a obra está praticamente empatada com as visualizações de Boruto) e a editora parece disposta a apostar no título: recentemente, o aplicativo começou a disponibilizar os capítulos de RuriDragon também em espanhol, um indicativo de que a editora quer atingir mais pessoas com a vida da garota dragão. Quem sabe não ganhamos também uma versão em português em breve, não é mesmo?

A “crise” da Shonen Jump 

Para quem não sabe, a Shonen Jump é uma revista montada de acordo com a popularidade de cada mangá. A cada capítulo as obras são avaliadas, e as mais queridas pelo público continuam na revista enquanto as demais são canceladas sem segunda chance. A antologia depende muito de nomes fortes, mas recentemente ela tem passado por um problema: os mangás de sucesso estão acabando.

Reprodução/Shueisha

Nos últimos anos a Shonen Jump perdeu muitos mangás grandes como Haikyuu, Dr Stone, The Promised Neverland e Demon Slayer, e outros como Jujutsu Kaisen, My Hero Academia e One Piece se encaminham para uma conclusão. Dos que sobraram, poucos se destacam em vendas: Sakamoto Days e Blue Box parecem ainda promessas iniciais, e quadrinhos como Undead Unluck não chegam nem perto do sucesso mediano de um Black Clover.

Esse cenário é bastante semelhante ao do meio dos anos 1990, quando a Shonen Jump perdeu ao mesmo tempo Dragon Ball e Slam Dunk. Durante alguns anos a revista ficou sem um carro-chefe, e houve um esforço editorial para encontrar “o novo Dragon Ball”. Após alguns mangás de sucesso menor segurarem a revista por um tempo, como Samurai X - Rurouni Kenshin e Shaman King, logo a Shonen Jump encontrou seus novos pilares: One Piece, Naruto e Bleach que ajudaram a manter sua hegemonia nos anos 2000.

Um cenário de “crise” na atual Shonen Jump pode ser bastante positivo. Não, não sou acionista de uma editora rival e nem acredito no papo de coach de que o ideograma de “crise” é o mesmo de “oportunidade”, mas é justamente no momento de crise que a revista acaba arriscando em coisas diferentes. O mercado de shonen de lutinha foi norteado pela Shonen Jump há muitas décadas, mas o que fazia sucesso nos anos 1980 não é o que bombava no começo dos anos 2000, por exemplo. Um mérito da revista foi saber se renovar e trazer novos autores que traziam como bagagem os antigos sucessos da revista.

Akane Banashi/ Reprodução/Shueisha

Embora tenha shonens de lutinha de qualidade na Shonen Jump, os mangás que mais chamam a atenção são os que não têm esse elemento de luta. Akane Banashi, Blue Box e agora RuriDragon são histórias ainda mais pautadas no cotidiano, com forte espelho da sociedade japonesa e tramas, ainda assim, universais. Somando a outros sucessos “inusitados” de shonens como Spy x Family, será que a tal “crise” na verdade é uma porta abrindo para termos histórias diferentes? O público leitor está interessado em histórias mais comuns e personagens mais humanos, ainda que soltem fogo pela boca? Essa busca pelo “novo One Piece” ou “novo Demon Slayer” promete trazer bastante coisa interessante para ler.

Como ler?

RuriDragon tem apenas seis capítulos publicados na Shonen Jump, e eles podem ser lidos no site ou no aplicativo MangaPlus. Infelizmente eles estão apenas em inglês e espanhol.

Outra informação importante é que o mangá se encontra em hiato por causa de um problema de saúde do autor Masaoki Shindo. A revista prometeu avisar quando ocorrer o retorno do mangá.

Reprodução/Shueisha

Caso tenha a possibilidade de ler, vale a pena. RuriDragon é um mangá diferente e que deve fazer parte dessa nova Shonen Jump que está vindo aí.

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