2ª temporada de Desalma (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Desalma expande mitologia, mas apresenta segundo ano com os mesmos problemas

Sem direção de atores e excessivamente solene, Desalma tem dificuldades para usar os clichês do gênero a seu favor

29.04.2022, às 15H49.
Atualizada em 08.02.2023, ÀS 09H59

Desalma é uma série de referências. Algumas assumidas, outras nem tanto. Ana Paula Maia confessa em todas entrevistas que era fã de Arquivo X e sonhava em levar o terror para a TV brasileira. De fato, em sequências como as que acontecem no necrotério da cidade, nessa temporada, a influência da série de Mulder e Scully é evidente. Por outro lado, as três linhas temporais que sustentam a trama (1988, 1995 e 2019) invocam a dramaturgia de Dark, que também influencia os filtros de imagem e a trilha sonora que ilustra os episódios.

E as influências não param por aí. Em seu segundo ano, a série “bebericou” nas fontes de quase tudo que remete ao gênero do sobrenatural: a criança assustadora, a freira demoníaca, as bruxas na floresta, as visões com mortos... Nada disso é velado, é preciso dizer. Ana Paula sabe que o tipo de história que quer contar está atrelada a esses códigos. De fato, o terror e o horror vivem inteiramente nas bases da repetição. Nunca foi sobre ser original e sim sobre saber usar essa cartilha para conquistar o espectador.

A dramaturgia da série é cheia de boas intenções. Depois que a Ucrânia se tornou o centro das atenções, não deixa de ser fascinante que uma história sobre mitologia eslava esteja sendo contada no nosso território. Ana Paula Maia sabe o que estabeleceu e onde quer chegar. Os problemas de sua escrita estão muito mais no âmbito prático que conceitual. Desalma tem um enredo complexo, que exige do espectador e que não o subestima. Contudo, o didatismo dos diálogos e a solenidade constante com que são ditos afastam os personagens de sua verossimilhança.

A segunda temporada avança positivamente nesse enredo. Ana Paula Maia não economiza nas reviravoltas. Halyna (Ana Mello) está de volta no corpo de Melissa (Camila Botelho); Aleksey (André Frateschi) também ressurge do que antes parecia a morte; Roman (Nikolas Antunes) ocupa a posição de Boris (Ismael Canapelle); e isso sem falar na cabeça do misterioso personagem vivido por Fábio Assunção, que fica a temporada quase inteira sendo economizado em tela. Como bem disse a autora, esse é realmente O Retorno dos Mortos, que implica diretamente nas vidas dos vivos. Ao mesmo tempo, a narrativa falha em estabelecer um objetivo: para quem estamos torcendo? O que estamos esperando ver no final?

Os personagens passam pelos episódios com uma única função apenas: falarem do mistério com vozes sussurrantes e olhos arregalados. Não há crescente. Todas as cenas tem trilha sombria, todos os diálogos são expositivos e solenes, todos os momentos precisam ter uma frase de efeito... Em Brígida – independente da época – não há vida normal, não há trivialidade e nem mesmo relações pessoais realmente independentes do suspense. A série não tem sequências que reforcem laços de amizade, não tem sequências que reforcem os costumes e choques da cultura ucraniana, não tem diversidade e o único casal construído com certo tempo foi formado por Boris e Roman, que infelizmente preferiram ressuscitar a já ultrapassada demonização queer.

Desalmados

Os diretores João Paulo Jabur, Pablo Muller e Carlos Manga Jr, infelizmente, confiaram demais em estética e agigantaram os problemas do texto. A segunda temporada tem uma das melhores sequências da série, quando as bruxas fazem um ritual para que Roman saia do corpo de Boris, estando isso ilustrado com uma edição esperta e bons efeitos especiais. Ao mesmo tempo, os diretores chapam os personagens em bases maniqueístas totalmente retrógradas. São tantas cenas de cigarros sendo acesos por personagens do núcleo bruxo ou por personagens vilanizados, que dá para perder as contas. O cigarro também é a muleta para ilustrar qualquer mudança obscura em qualquer outro núcleo da história. É como se o raciocínio da direção fosse infantil, saído de uma fábula, onde o importante é identificar logo quem é muito bom ou muito mal.

Cássia Kiss foi quem mais teve espaço para crescer. A partir do ponto em que fica claro que é Haia quem tem um plano mais evidente, a personagem se movimenta na trama com mais clareza e com mais oportunidades. Os diálogos ainda soam superficiais, mas Cássia segura o tranco. É bem verdade que a trama de Melissa-Halyna é a mais coerente da série. Claudia Abreu, entretanto, se deparou com uma Ignes que segue apática, monocórdia e desinteressada. Ela tem um grande momento, no último episódio, somente. Tanto Haya quanto Ignes e Giovana (Maria Ribeiro) são guiadas pelo instinto materno, mas o texto tem tanta ansiedade em ficar sublinhando mistério em todas as cenas, que essas relações maternais não são devidamente desenvolvidas (talvez com Haia de exceção). Até Malu Gali, que chega para viver outra mãe frustrada, se debate para entender sua personagem.

Conforme a temporada avança, as influências continuam aparecendo, seja em um ritual mascarado meio De Olhos Bem Fechados ou na recorrente sequência em que um barulho revela um pássaro morto que bate numa janela. Quase tudo isso é usado de forma frouxa, mas há bons momentos. A sequência do núcleo jovem invocando um espírito com um tabuleiro Ouija também é mais velha que andar para frente. Mas, é uma sequência bem dirigida e uma das poucas realmente sombrias em meio a tantas promessas de terror que não são cumpridas.

O final deixa alguns pontos em aberto que podem até ser ignorados caso a série não seja renovada. Apenas um deles – a presença de Fábio Assunção – seria problemático caso o cancelamento fosse iminente. A julgar pela boa crescente entre o penúltimo e o último episódio, o público pode ser convencido e uma última sequência anunciada. Mas Desalma precisa passar ela mesma por um grande ritual - não de transmigração de almas, já que ela, infelizmente, não tem nenhuma.

Nota do Crítico
Regular