Nicolas Cage em O Sacrifício

Créditos da imagem: Warner Bros./Divulgação

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O Sacrifício | 15 anos de um dos filmes mais essenciais de Nicolas Cage

Para além dos memes e da má fama, longa de Neil LaBute merece ser revisitado e reavaliado

01.09.2021, às 20H04.
Atualizada em 02.09.2021, ÀS 12H54

Mito e verdade se misturam quando pensamos em O Sacrifício (2006), um filme que não é tão ruim quando prega sua fama, nem tão ridículo quanto apontaram os memes que gerou, mas também nunca competente o bastante para superar esses estigmas. Completando 15 anos nesta quarta-feira (1º), a produção dirigida por Neil LaBute, que rendeu inúmeros vídeos engraçados, tirinhas e GIFs com a cara e as frases de Nicolas Cage, figura em um lugar peculiar no panteão de fracassos comerciais e de crítica de Hollywood; lugar esse que invoca uma reavaliação.

Sim, porque como bem apontou Marcelo Hessel na crítica do filme aqui no Omelete, LaBute constrói com o seu remake de O Homem de Palha (1973) uma inteligente subversão do clássico embate entre o sagrado e o profano que tipicamente sustenta as tensões do folk horror (ou horror de folclore, em tradução livre). Deixando o aspecto religioso em segundo plano, ele contrapõe patriarcado e matriarcado em uma narrativa ácida, fazendo do policial interpretado por Cage um avatar rude, agressivo e impávido da toxicidade masculina ocidental, enquanto posiciona a comunidade alternativa de Summersisle como reflexo direto; uma irmandade de mulheres na qual homens são só braço e pênis, sem qualquer voz ou poder.

No cenário pós-Me Too em que vivemos hoje, a redescoberta dessa temática traz grande valor representativo, mas infelizmente acaba abafada pela seleção de cenas insólitas sem contexto que passaram a resumir O Sacrifício no imaginário popular. Na realidade, a saturação das piadas focadas em um Cage surtado gritando sobre abelhas, balançando uma boneca chamuscada na direção de Kate Beahan e distribuindo socos enquanto fantasiado de urso acabaram prestando um desserviço à obra e ao ator, pois apagaram as nuances e a relação de causa e efeito que levou o filme a se tornar um delicioso retalho de bizarrices.

Como roteirista, LaBute tem a sensibilidade necessária para recriar O Homem de Palha de forma interessante e divertida, conseguindo criar o mínimo de situações bizarras necessárias para sustentar os paralelos entre as estruturas clássicas do folk horror e sua releitura. É como diretor que ele derrapa feio, encarando cenas de horror ou de tensão dramática com o mesmo timing que teria Tatá Werneck apresentando o Linha Direta. A introdução do personagem de Cage, bem como a construção do trauma que o move, são editadas de forma tão pitoresca que é difícil não sentir o filme em confronto consigo mesmo logo nos minutos iniciais.

Depois que o protagonista é convidado a visitar a ilha de Summersisle por sua ex-noiva, que afirma estar em busca da filha desaparecida, o filme ameaça melhorar em tom e execução. O texto de LaBute brilha com as situações que ressaltam a emasculação do personagem de Cage, mas sua câmera segue conferindo ar de comédia aos momentos mais sérios e dramáticos. Sem conseguir traduzir o clima de dúvida, angústia e tensão que pede a roupagem de folk horror do filme, o cineasta perde a mão entre o que é texto e subtexto na história, transformando tudo em uma coisa só e sacrificando o comprometimento emocional do público.

A partir daí, assistir a O Sacrifício se torna menos como ver um filme e mais como observar um exercício acadêmico. Não há tensão palpável nas cenas, nem qualquer simpatia pelo personagem caricato de Cage, mas há sabor na constante exibição do ridículo da masculinidade desprovida de seus recursos opressores; o que mantém a experiência interessante. Em um longo diálogo com a personagem de Ellen Burstyn, grande matriarca da trama, LaBute joga a toalha de vez e faz questão de explicar tudo que já vinha esfregando na cara do espectador. Se o filme fosse mais engraçado, seria uma forma irônica de cravar a produção como sátira, mas é tudo tão sério que logo se torna chato. É aí que Nicolas Cage resolve agir.

Nicolas Cage vestido como urso em cena de O Sacrifício (2006)
Divulgação

Entregando uma atuação comprometida e séria desde o início do filme, a entrada no terceiro ato é como um despertar para Cage, que parece entender que sua abordagem até então apenas ressaltava a incompetência de LaBute para o gênero que escolheu parodiar. Desse momento em diante, o ator tenta resgatar o interesse do público pelo absurdo: abusa das repetições de bordões, dos gritos, dos gestos bizarros e principalmente das modulações vocais às quais é acostumado desde que seu tio, Francis Ford Coppola, o relegou a um papel risível em Peggy Sue - Seu Passado a Condena. E é a partir daí, também, que o filme volta a crescer como entretenimento; ainda que se torne algo completamente diferente do que era inicialmente.

"O Sacrifício é provavelmente o melhor exemplo de um filme que encantou as pessoas porque elas pensam que, de alguma forma, nós não sabíamos que ele era engraçado", afirmou Cage em uma entrevista concedida ao IndieWire, em 2013. "Mesmo eu estando vestido como um urso, fazendo estas coisas ridículas em uma sociedade matriarcal, como você pode não entender que Neil e eu sabíamos que isso era humor absurdista? Mas tudo bem, aproveitem", completou.

Chega a ser irônico que a versão estendida do filme, lançada apenas em Home Video, tenha trazido a cena mais usada para apontar O Sacrifício como irremediavelmente ruim: os insistentes gritos de "as abelhas não", proferidos por Nicolas Cage durante uma insólita tortura. Se o que o astro vem dizendo há anos é verdade, talvez tenha sido a tentativa de LaBute para sinalizar que, para ele e Cage, o filme sempre foi uma sátira. Ou talvez tenha sido só mais uma demonstração da falta equilíbiro entre gênero e mensagem que parece assolar o filme todo. De um jeito ou de outro, a verdade é que revisitar essa pérola maldita da sétima arte moderna é, tal qual a vida e obra de seu principal ator, um mergulho sempre interessante e nunca tedioso em erros e acertos. Acredite: não é nenhum sacrifício.

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