Sem nenhuma seriedade, Tremembé ensaia um true crime pop brasileiro
Série do Prime Video não é responsável, mas é divertida
Créditos da imagem: Imagem promocional de Tremembé (Reprodução)
A discussão moral em torno das produções de true crime não é nova, e não mostra nenhum sinal de se esgotar. Desde que o gênero foi caracterizado de forma mais sólida e explodiu como nicho de mercado lucrativo para as mais diversas mídias, conversa-se sobre como contar essas histórias – sobre as quais o público claramente nutre uma fascinação mórbida quase insaciável – de maneira que não desrespeite as vítimas, ou romantize os criminosos. Conforme Tremembé se aproxima de sua estreia no Prime Video, no entanto, é bom avisar: a série brasileira não está nem um pouco interessada nessa discussão.
De fato, Tremembé começa num pique totalmente diverso de produções de true crime com verniz de seriedade, como a excelente Black Bird ou a duvidosa antologia Monstro. Esqueça gore, valor de choque ou subtons sinistros emprestados do cinema de horror – até porque, aqui, todos os criminosos em questão já cometeram suas barbáries, e estão pagando penas juntos na penitenciária do título. Trata-se de um local real, inclusive, presídio no interior de São Paulo, para onde normalmente se encaminham detentos e detentas de perfil célebre, a título de mantê-los “seguros” do escrutínio público.
O time de roteiristas de Tremembé (um quinteto de profissionais, incluindo o autor de true crime literário Ullisses Campbell e a também diretora Vera Egito) aborda essa premissa com a energia de um Esquadrão Suicida. Os criminosos principais do elenco, nomes indefectíveis do inconsciente coletivo brasileiro como Suzane Von Richthofen (Marina Ruy Barbosa), Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato) e Elize Matsunaga (Carol Garcia, claro destaque do elenco no início da temporada), são introduzidos com letreiros na tela e freeze-frames, logo se enredam em picuinhas uns com os outros, e são retratados em festinhas e sessões de pegações na calada da noite do presídio.
Os únicos sinais dos atos violentos perpetrados por esses personagens aparecem em flashbacks – ênfase no flash, porque são literalmente segundos recortados no meio das encenações do presídio. Se há um esforço de nos lembrar da capacidade desses personagens para o assassinato, portanto, é mais para vender o “perturbador” e o “sinistro” como partes do produto, e não da narrativa. Aqui, Suzane e cia. são cifras, habitantes de uma casa de bonecas que se entrelaçam em relações lúridas e novelescas, desenhadas para nos dar uma espiadinha por trás de cortinas que sempre quisemos levantar.
Nessa chave sensacionalista, Tremembé funciona muito bem, obrigado. Egito (A Batalha da Rua Maria Antônia, Amores Urbanos) dirige com o pé no acelerador e o ouvido atento para os ritmos pop do texto, selecionando um leque eclético de canções licenciadas para usar da forma mais espertinha possível. E é claro que fica difícil levar a sério uma série criminal em que “Perigosa”, d’As Frenéticas, embala as manipulações da protagonista Richthofen em busca de uma transferência de presídio. Quando Ruy Barbosa a interpreta com a mesmíssima afetação de uma vilã patricinha da novela das sete, mais difícil ainda.
Mas esse é o ponto, no fim das contas. Tremembé é true crime em sua forma mais rasa, mais despreocupada da responsabilidade que pode carregar como narrativa inspirada em fatos reais – e, para muita gente, traumáticos. Diante desse desapego desavergonhado, resta ao espectador decidir se abraça a série como entretenimento ou a condena como empreendimento insensato.
*Tremembé estreia em 31 de outubro de 2025 no Prime Video. O Omelete assistiu ao primeiro episódio com antecedência, em ocasião da exibição no Festival do Rio.
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