#BlackAF - 1ª Temporada

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Crítica

#BlackAF - 1ª Temporada

Kenya Barris fechou um acordo de 100 milhões de dólares com a Netflix para produzir uma primeira série que é um produto de pura vaidade

21.04.2020, às 09H51.
Atualizada em 22.04.2020, ÀS 11H01

Em um episódio específico da primeira temporada de #BlackAF, Kenya Barris (vivido por Kenya Barris) leva toda sua família para assistir a um filme dirigido por um afro-americano, com atores afro-americanos e sobre cultura afro-americana. A plateia inteira morre de rir do filme, todos acham incrível e ele sai indignado, porque considera o longa uma grande porcaria e não consegue entender tamanha aprovação. A partir daí começa uma cruzada para provar seu ponto, o que inclui uma reflexão curiosa: será que as pessoas brancas têm medo de criticar um filme feito por afro-descendentes e isso coloca todo esse nicho da indústria numa bolha?

É um apontamento interessante já que, a partir dele, o que o criador e astro da série pretende é invocar o público geral, sem distinção, para uma avaliação sincera de sua nova série. E ele se esforça para deixar claro que é capaz de “lidar com as críticas”. Por todos os episódios dessa estreia, essa versão ficcional dele mesmo só faz duas coisas: exibir o próprio consumismo incontrolável e tirar sarro do próprio legado, eternizado pelo sucesso de Black-ish, um sitcom contemporâneo estrelado por Anthony Anderson e que conta a história de um pai de família afro-descendente, de classe média, que tem medo de que seus filhos estejam perdendo o contato com as próprias raízes.

Pareceu semelhante a #BlackAF? De fato, a semelhança não para por aí. Os dois derivados devirados da série (Grown-ish e Mixed-ish) esbarram todos na mesma preocupação constante de Barris em estabelecer a resistência da Cultura Black mesmo que vários códigos capitalistas e compartamentais dos EUA tentem homogeneizar a população. Os códigos narrativos clássicos de uma sitcom estão lá, mas a força do trabalho do roteirista está em ampliar sua voz a respeito de uma fatia do público que sempre clama – justamente – por mais representatividade. O ponto aqui não é o fato de Kenya Barris só ter criado séries e filmes sobre negros (o que sua filha em #BlackAF pontua muito bem), mas de só ter contado sempre a mesma história.

Great-ish

#BlackAF tem uma linguagem que todo mundo que já viu Modern Family conhece muito bem: a de documentário familiar. A diferença é que aqui as câmeras aparecem em cena e o documentário se assume como um trabalho de Drea (Iman Benson) - filha ficcional do protagonista - para a faculdade. Drea quer provar como o pai - o famoso roteirista da série Black-ish - leva uma vida de contradições. Barris também não está sendo exatamente original ao assumir uma versão exagerada de si mesmo numa série, mas a decisão de não ter escalado um ator para vivê-lo aponta para uma suspeita que resulta da avaliação da série como um todo. Uma série sobre Kenya, com Kenya vivendo Kenya, que fala do trabalho de Kenya e que mostra todos os outros personagens agindo como se ele fosse um “péssimo adorável”, soa como o produto de vaidade mais caro do mundo.

O documentário de Drea é um recurso narrativo, mas não desponta como o conflito que segura a temporada. #BlackAF não tem narrativa central na maioria do tempo e quando encontra, é uma sobre conflitos conjugais que em nada diferem a produção de muitas outras que já estão no ar. Joya Narris (Rashida Jones) é a melhor coisa do elenco, mas o papel de esposa de Kenya é ingrato, porque tudo acaba sendo sobre ele no final das contas. Os pontos positivos são as crianças e as sequências na sala de roteiristas de Black-ish que, apesar de serem ficcionais, tem insights interessantes. No entanto, tudo termina na indulgência que carrega a série: não importa como Kenya queira brincar de ser insuportável, isso é só para redimi-lo mais adiante.

Com todos os episódios tendo a palavra “escravidão” no título e com momentos onde a narrativa se desloca para uma lição em slides sobre esse período da história, todos os tópicos abordados vão buscar na opressão dos negros uma explicação para os comportamentos vigentes. Em todos os casos o roteiro está absolutamente certo, mas não consegue criar uma conexão substancial com os enredos dos personagens. É uma digressão estilística, apenas. Isso não deixa de ser curioso, porque tudo na série acaba sendo uma questão de estilo, com bases conceituais, direção e interpretações apenas seguindo uma cartilha, um molde, para que sejam impressas por cima as mesmas variáveis étnicas que sustentam a obra de seu criador.

É claro que há momentos divertidos, mas enquanto o “documentário” de Modern Family conseguia ser “real”, tudo em #BlackAF parece ensaiado, produzido, como se fosse um episódio de Keeping Up With The Kardashians. E o mais alarmante: Kenya é sempre o rei. Kenya é a Kim. 

Nota do Crítico
Bom
#BlackAF
Em andamento (2020- )
#BlackAF
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Criado por: Kenya Barris

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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