Anora sempre esteve lá. Como parte da cada vez mais longa "temporada de premiações", que na prática começa com os festivais de cinema em setembro e termina no Oscar em março, parece que precisamos encontrar mudanças na narrativa do Oscar para deixar as coisas interessantes. Quem lembra em dezembro quando os veículos norte-americanos elegeram Wicked como favorito? Ou, na última semana, Um Completo Desconhecido? E, claro, quem lembra de Emiilia Pérez? Mas Anora sempre esteve lá.
Eu não quero sugerir que todas essas mudanças são fabricadas para criar drama e manter o engajamento (mas as apostas em Wicked e Um Completo Desconhecido parecem isso), mas a volta de Anora à pole position da briga pelo grande prêmio Oscar 2025, de certa forma, fecha o ciclo da temporada. O filme de Sean Baker com Mikey Madison venceu ambos PGA Awards e DGA Awards, troféus dos sindicatos de produtores e dos diretores, respectivamente, dois dos três principais precursores do Oscar. Com isso, ele vira o franco-favorito. Se Anora levar o SAG Awards, do sindicato dos atores, no fim do mês, já podemos entregar o homem de ouro.
Por um lado, trata-se de uma surpresa. Anora saiu do Globo de Ouro de mãos vazias, e apesar de ter vencido Melhor Filme no Critics Choice Awards, Baker e Madison foram ignorados nas outras categorias. Esses resultados perpetuaram a noção criada em dezembro quando Anora não venceu nada no Gotham Awards, segundo prêmio mais importante do cinema independente americano (o principal, Spirit Awards, acontece este mês): que o filme, apesar do sucesso inicial, estava fadado a ser esquecido.
Mas de onde veio essa noção, exatamente? Historicamente, nenhum dos três eventos citados acima é considerado como uma prévia confiável do Oscar. Esquecemos tão rápido que Anora venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2024 e foi um dos maiores sucessos de crítica de todo o ano? Por mais que a Palma e o Oscar sejam prêmios muito diferentes (só três filmes venceram os dois, o mais recente foi Parasita), Cannes está cada vez mais posicionado como o festival que inicia a briga pelo Oscar. Nos últimos três anos, 3 dos 10 indicados a Melhor Filme estrearam na Riviera Francesa.
Talvez eu esteja forçando a barra com a importância da Palma, ou de como Anora foi premiado pelos sindicatos de críticos ao redor do mundo, mas se vamos descartar Cannes, certamente precisamos descartar o Globo de Ouro e até o Critics, onde Baker enfim levantou um troféu. A verdade é que a corrida pelo Oscar só começou a tomar forma quando a lista de indicados saiu e Emilia Pérez conquisotu 13 indicações, efetivamente tomando o favoritismo à força.
Mas então os tweets aconteceram. Diante da polêmica, criou-se um vácuo. Quem assumiria o posto? Os jornalistas norte-americanos rapidamente levantaram a bandeira de Um Completo Desconhecido, em grande parte devido à fantástica campanha de Timothée Chalamet, que de fato parece destinado a vencer Melhor Ator. Mais parecia uma celebração de celebridade do que uma previsão sóbria. Talvez, então, fosse O Brutalista? Ou, se a polêmica do uso de IA fosse forte demais, talvez Conclave repetisse os acontecimentos de sua história — onde candidatos controversos se eliminam e deixam para trás um vitorioso que não fez nada.
Falando em polêmicas, outra razão por trás da suposta derrota de Anora era a "polêmica" de Madison, ao se sentir confortável o suficiente para gravá-las, dispensou coordenadores de intimidade nas cenas de sexo e nudez do filme de Baker, um diretor já conhecido pelo tratamento sensível desses temas. A verdade é que não há nada aí. Isso nunca foi uma questão real. Profissionais do campo que se sentiram ofendidos pela segurança de Madison estavam, desde o começo, forçando a barra. O fato é que, por mais surpreendente que sejam as vitórias no PGA e DGA, Anora havia sido descartado por muito pouco, e agora ele está volta à conversa com mais energia do que qualquer outro concorrente teve ao longo dos últimos meses.
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O filme de Baker, que elegemos como o #1 de 2024, tem sido celebrado dentro da indústria, pela crítica e por audiências ao redor do mundo. Sua vitória, se for concretizada, representará mais uma evidência de como as mudanças feitas pela Academia — hoje composta por 10 mil membros mais jovens, internacionais e diversos — afetaram o Oscar. Baker é celebrado há algum tempo, e Madison tem seus fãs, mas Anora não tem estrelas de cinema, não é dirigido por um mestre e nem fez grandes números na bilheteria. O que Anora tem, porém, é o mérito de ser um grande filme, talvez o Melhor Filme.