Há duas semanas, em Hollywood, Emilia Pérez era sinônimo de triunfo. A produção francesa que foi comprada pela Netflix nos EUA, varreu louros na temporada de premiações e emplacou incríveis 13 indicações ao Oscar - incluindo aí Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz, Melhor Roteiro, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz Coadjuvante. Avance alguns dias e a situação muda completamente. Após tuítes preconceituosos da protagonista Karla Sofía Gascón, que interpreta a personagem-título, surgirem na internet, uma crise de enormes proporções impactou toda a corrida para o Oscar, a ponto de mudar vitórias consideradas certas, como a de Melhor Filme Estrangeiro.
Acontece que a situação, antes limitada ao barulho da internet, chegou aos votantes da Academia e Emília Perez agora pode bater um recorde inesperado: ter 13 indicações e nenhuma estatueta. Seria a primeira vez que isso aconteceria, superando A Cor Púrpura, filme de 1985 de Steven Spielberg, que foi indicado 11 vezes e saiu de mãos abanando. Mas realmente é possível acontecer? É improvável, mas as chances aumentam a cada dia, pois há um agravante na situação: o pilar das polêmicas é o próprio nome do filme, e não será fácil desvincular a obra da crise atual.
Na última semana, publiquei um texto explicando como Ainda Estou Aqui seria impactado pela crise. Por um lado, o prêmio de Filme Estrangeiro parece muito próximo do Brasil, por outro, Demi Moore fica cada vez mais com a estátua de Melhor Atriz, assim como os longas estadunidenses na categoria Melhor Filme. Agora, os problemas de Emília Perez não se restringem a estas três disputas, mas todas as outras 10 em que concorre. De acordo com Scott Feinberg, editor da cobertura do Oscar no THR, um dos maiores veículos de Hollywood, “os votantes estão com dificuldade de votar em Emília Pérez em qualquer categoria”.
Historicamente, polêmicas que surgem e morrem nas redes sociais não atingem o Oscar com muito impacto. Green Book, por exemplo, que levou Melhor Filme em 2019, foi acusado incessantemente de criar um retrato racista na história contada por Peter Farrelly e estrelada por Mahershala Ali e Viggo Mortensen. O barulho no Twitter foi praticamente ignorado e o longa enfileirou cinco estatuetas na cerimônia. Bohemian Rhapsody, a cinebiografia do Queen, foi muito criticada online pela montagem confusa, atuações caricatas, mas pouco importou. Melhor Ator para Rami Malek, Melhor Edição para John Ottman. A internet definitivamente não influencia o Oscar - até hoje.
O caso Emília Pérez talvez seja o primeiro a ter uma crise digital com efeito imediato na votação da Academia, que começa no dia 11 de fevereiro. A enorme campanha feita pela Netflix nos EUA, curiosamente, ajudou a levar todos os holofotes para qualquer atitude em volta do filme. E mesmo com os protestos contra a representação que Jacques Audiard dá aos mexicanos na história, foram as publicações de Gascón que furaram a bolha. Veículos como Variety, THR, Deadline, entre outros, publicaram matérias diariamente sobre a história de Audiard, Gascón, Zoe Saldana. Algo natural em campanhas fortes para o Oscar. Isso, porém, os impediu de ignorar quando tweets com temas como nazismo, COVID e George Floyd apareceram.
Os primeiros sinais dessa mudança virão nos prêmios dos sindicatos, onde Emilia Pérez está concorrendo em praticamente tudo. É possível que o longa tenha vitórias, já que a votação de grande parte deles começou antes da crise, diferente do Oscar. A Netflix, por sua vez, para remediar a situação, começa a colocar Zoe Saldana na frente do filme e há quem especule que Karla Sofía sequer deve ir à cerimônia. Difícil saber o que vai acontecer daqui pra frente, mas um fato é, além de ser uma situação triste pelo conteúdo e desdobramentos, o Oscar terá um antes e um depois de Emília Perez.