Lembra quando todo mundo tinha sua "diva indie" favorita? Marina (ex "and the Diamonds") veio ao Lollapalooza 2022 para lembrar o público de São Paulo, intencionalmente ou não, de uma era em que artistas pop independentes surgiam "do nada", eram compradas pelo público com todas as suas esquisitices, e logo se viam no topo das paradas, nem que fosse só por algumas semaninhas.
"Primadonna", o maior sucesso de Marina, foi a canção de encerramento do show da galesa no Lolla 2022, é claro. Para um público gigante que pulou e cantou até a última nota, a cantora e compositora provou que conhece muito bem as regras do estrelato pop - mas vamos começar do começo.
Marina subiu ao palco enquanto o sol se punha, misturando canções do álbum mais recente, o ótimo Ancient Dreams in a Modern Land ("Purge the Poison" animou com suas guitarras punk e versos frenéticos) e pérolas de discos anteriores, como "Froot", ainda mais sensual e sugestiva ao vivo que no disco, se é que isso é possível.
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Por falar em sensualidade, a cantora esbanjou sedução no palco, fazendo um show tanto para as câmeras, que receberam piscadinhas e encaradas reproduzidas no telão, quanto para os fãs. Quando o céu já estava escuro e os holofotes do palco davam aquele ar verdadeiro de show de arena, Marina já havia se livrado do seu oitentista blazer verde e ostentava um top escrito (em português!) "eu te amo" em lantejoulas. Golpe baixo, no melhor dos sentidos.
Acima de qualquer coisa, o show mostrou que Marina tem um domínio fora do comum de seu próprio repertório. O desafio de condensar uma discografia toda em um show de festival, de pouco mais de 1h30, foi tirado de letra pela galesa.
Do primeiro álbum, The Family Jewels, ela tirou a declamatória (e lindíssima) "I'm Not a Robot" e o frenético quase-hit "Oh No", ambas provocando efeito hipnotizante na plateia. Do Froot, além da música título, emendou as catárticas "Forget" e "Can't Pin me Down" (reimaginada com sintetizadores deliciosos) com um discurso em que pedia para os fãs pensarem em algo que queriam deixar para trás. Coisa de quem sabe o poder exorcizador da experiência da música ao vivo.
Até o disco menos amado de Marina, o denso Love & Fear, ganhou potência no Palco Onix. Dizendo que "há um momento certo para canções pop, e um momento certo para canções políticas", a cantora sentou ao piano para performar "Man's World" (sem Pabllo Vittar, outra cantora do dia, apesar da expectativa), e emendou a música com um discurso loucamente aplaudido em que mandava líderes como o russo Vladimir Putin e o nosso Jair Bolsonaro... bom, você pode imaginar.
Arrematando o momento, "To Be Human" levou o público a acender as lanternas dos celulares e erguê-los para o alto. Em tempos de pandemia, até as tradições mais bregas dos shows ao vivo parecem charmosas, e Marina tratou de levantar as energias logo depois com o hit latino/eletrônico "Baby" ("Algum de vocês sabe espanhol? Me ajudem aqui!"), que gerou talvez o maior coro da noite.
A potência do Electra Heart, álbum de onde saiu "Primadonna", garantiu que o cansaço não derrubasse o público. As guitarras punk voltaram na apoteótica "Bubblegum Bitch", a contagem de regras de "How to Be a Heartbreaker" (que veio bem antes daquele hit da Dua Lipa, viu?!) gerou frisson, e "Primadonna" fechou tudo com chave de ouro.
Teatral, com arranjos impactantes e charme de sobra, o show de Marina lembrou a este que vos fala, e a um público até maior do que muitos esperavam, o que é um espetáculo pop ao vivo. Fazia muito tempo. Que saudades.