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Virgens Acorrentadas e a importância dos filmes ruins

Longa do diretor brasileiro Paulo Biscaia Filho lembra que há valor nas produções duvidosas

13.08.2018, às 19H05.

Durante a popularização do cinema nas décadas de 1920 e 1930, surgiu uma subcultura que corria paralela às grandes produções de Hollywood: o Grindhouse, cinemas de baixa qualidade com filmes de conteúdo, no mínimo, duvidoso - muitas vezes feitos por produtores com nenhuma habilidade cinematográfica. As produções, por sua vez, eram apelativas e lucravam em cima de elementos que podiam ser facilmente explorados: sexo, violência, fetiches, nazismo e por aí vai.

Foto promocional de Virgens Acorrentadas
Virgin Cheerleaders in Chains/Facebook/Divulgação

Nos anos 70, esse tipo de filme voltou com tudo graças ao avanço do VHS e locadoras, tornando o cinema de baixa qualidade acessível para todos no chamado "Video Nasty". Foi aí que muitos dos futuros cineastas de terror descobriram o amor pelo gênero, moldados por porcarias cheias de alma, carisma e boas ideias. Inúmeros tributos à essa subcultura surgiram desde então - como Grindhouse, de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Virgens Acorrentadas, produção do diretor brasileiro Paulo Biscaia Filho, é mais uma dessas homenagens.

O longa toma uma abordagem metalinguística, mostrando as dificuldades do casal de cineastas Shane (Ezekiel Swinford) e Chloe (Kelsey Pribilski) tentando emplacar um filme em Hollywood - até que decidem rodá-lo eles mesmos, com poucos recursos e a ajuda de amigos. As coisas dão errado durante a gravação e um assassino real passa a matar a equipe.

É bom tirar algo do caminho: Virgens Acorrentadas não é nada bom. Enquanto a direção faz um ótimo trabalho visual, a trama é prejudicada por um roteiro fraco, de diálogos mal escritos e interpretações sofríveis. Pior ainda é a edição bizarra, que torna o enredo um compilado de esquetes e dá cara de comédia romântica ao suspense. Mas o longa é um raro caso de intenção superando execução.

A ideia de Virgens Acorrentadas é mostrar a dificuldade de produzir um filme, e o quão irônico é que, na era dos equipamentos acessíveis, redes sociais e financiamento coletivo, seja especialmente complicado ter a sua voz ouvida em meio à ensurdecedora avalanche de conteúdo. Ter uma plataforma já não é mais garantia de sucesso: é preciso ter certeza de que existe público para isso.

Ao mesmo tempo em que as produções audiovisuais estão por todo lugar, o filme também critica o quão segura a indústria de Hollywood se tornou. Hoje, o que dá certo são adaptações de livros ou quadrinhos, sequências e remakes, e há grande chance dos sucessos de gênero que se consagraram no Oscar serem das mesmas Blumhouse Productions (Corra!, Fragmentado) ou A24 (Ao Cair da Noite, A Bruxa) de sempre.

A barreira de entrada para fazer cinema diminuiu, mas o preço do sucesso não para de aumentar. Isso resultou em estúdios menos dispostos a arriscar e também em um público com altas expectativas e pouco disposto a ver algo menos do que incrível.

O que Virgens Acorrentadas tenta dizer é a falta que esse tipo de filme faz na formação cultural de um amante de cinema. Produções duvidosas costumam divertir com carisma e apresentar boas ideias, mesmo que com execução ruim. No pior dos casos, um filme ruim ajuda o espectador a entender o que consagra seus favoritos. A lição está no erro.

De certa forma, Virgens Acorrentados se torna exemplo da própria subcultura que está homenageando. Encontrar valor entre diálogos e atuações sofríveis é a alma do Grindhouse e do Video Nasty, e carrega algo contracultural. O longa de Paulo Biscaia Filho, como os melhores do gênero, não é nada fácil de assistir, mas deixa uma impressão mais duradoura do que muito dos blockbusters enlatados que dominam as salas de cinema.

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