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Créditos da imagem: Warner Bros./Sony Pictures/HBO/Divulgação

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Sinto informar, gente, mas não existe “crítica imparcial”

Independente do tom, qualquer texto analítico será afetado pelas experiências e opiniões de seu autor

Omelete
7 min de leitura
Nico
28.02.2023, às 18H04.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

Convenhamos, você já ficou com raiva de uma crítica. Seja porque ela elogiou um filme que vinha sendo massacrado mundo afora ou porque ela levantou aspectos negativos em uma produção aparentemente unânime, todos já discordamos apaixonadamente da forma como um crítico avaliou uma determinada obra. Graças às redes sociais, o debate sobre o “bom” ou “ruim” está mais democratizado do que nunca e permite que pessoas de todas as origens, idades e opiniões dêem seu pitaco sobre todo tipo de obra. Algo que parece ter se perdido nessa democratização, no entanto, é a noção de que uma crítica é, antes de mais nada, um texto de opinião e, como tal, é absolutamente subjetiva.

Há, sim, uma confusão sobre quando e como a imparcialidade se insere no jornalismo. Quando falamos de notícias, o que chamamos de “hard news”, é esperado que mantenhamos um afastamento pessoal do que é reportado. Em primeiro lugar, porque é nosso trabalho informar o público e, independentemente das visões do repórter, é sua obrigação profissional – e, de acordo com a descrição do nosso trabalho, moral – levar ao leitor/espectador/ouvinte as informações necessárias para que ele, de forma independente, crie suas próprias opiniões. Aliás, mesmo nesse aspecto, nossas experiências e sensibilidades profissionais ditam a curadoria das notícias e a ordem com que elas são publicadas.

Textos opinativos, por outro lado, são outra história, afinal, somos humanos com experiências e visões de mundo indissociáveis da nossa própria opinião. Seja uma coluna ou um artigo, o autor parte de um pressuposto próprio que, além de inspirar a pauta em si, dita como tal texto será desenvolvido. Vou utilizar um tom pessoal? Quero que o texto exponha minha reflexão emocional ou racional? Que argumentos devo utilizar para convencer ou, no mínimo, fazer o leitor me entender? Esse auto debate editorial que temos diariamente molda cada linha que escrevemos e, mesmo que ele não existisse, não mudaria o fato de que todo texto não-noticioso é carregado de subjetividade.

Por mais burocráticas que eu mesmo admita que elas sejam, minhas críticas são tão afetadas pelas minhas experiências e ideologias quanto meus artigos de opinião. A única diferença é que elas são escritas num tom mais formal do que, digamos, esse texto sobre o que quero no futuro do DCUou minhas escolhas para essa lista de filmes de herói subestimados. Cada ponto que escolho enaltecer ou criticar de um filme ou série vem da forma como eu, pessoalmente, li a obra em questão e isso é universal dentro do jornalismo – ou você acha que eu, Marcelo Hessel e Mariana Canhisares estávamos sendo isentos quando demos três notas diferentes para Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania no Veredito publicado algumas semanas atrás? 

A arte é, por princípio, subjetiva. Há uma razão para que artistas escolham determinadas paletas de cores, sons, formas, enquadramentos e ângulos para cada quadro, clipe, filme ou série. Cada escolha é feita para causar no público um sentimento ou reflexão específicos e cabe ao crítico (tentar) explicar por que, sob seu próprio ponto de vista, essas opções cumpriram ou não esse objetivo. A forma como ele recebe as mensagens da obra, no entanto, dependerá de sua própria bagagem. Nenhuma obra jamais será isenta – e muito menos universal – e, justamente por isso, é impossível que ela receba uma crítica objetiva.

Quem cobre cultura pop há um tempo talvez já tenha percebido que a maior parte das pessoas que pedem por “críticas objetivas” são, ironicamente, as pessoas que consomem essas produções da forma mais subjetiva possível: os fãs. E não digo isso como crítico ou jornalista, mas como parte desse público! Traçando um rápido paralelo com outra de minhas paixões, o futebol, confesso que sou o primeiro a cobrar um comentarista que tenta relativizar as conquistas do meu time do coração, seja desmerecendo seu estilo de jogo ou afirmando que ele não enfrentou adversários fortes pelos troféus que levantou. Mas, ao mesmo tempo em que reclamo desses comentários, sei que quem os fez tem uma visão completamente diferente da minha sobre o esporte, talvez porque torça para outro time ou só porque cresceu acompanhando equipes mais entrosadas ou talentosas.

Todos nós temos opiniões próprias sobre tudo o que consumimos. O trabalho do crítico nada mais é do que desenvolver e, se possível, explicar suas razões para gostar ou não de algo, seja um filme, uma música ou mesmo um prato de comida. Isso não quer dizer que esses textos sejam escritos como forma de encontrar uma verdade absoluta e imutável sobre qualquer obra. Até porque, como acontece com o passar dos anos, nossos valores e visões estão em constante mudança e nós mesmos podemos voltar atrás sobre o que gostamos ou não depois de algum tempo.

A maldição do Rotten Tomatoes

Tirando isso do caminho desde já: odeio o uso de notas em críticas. Não acho que usar valores quantitativos em uma avaliação qualitativa consiga traduzir ou mesmo complementar os argumentos apresentados em texto e acho que concluir uma análise sobre uma obra classificando-a de 0 a 5, ou 10, ou 100, que seja, só incentiva o público a não ler. Ainda assim, parece que apenas duas coisas importam para uma geração acostumada a resumir suas ideias a menos de 300 caracteres: títulos e notas. O que é dito entre eles, no entanto, tem se tornado cada vez mais dispensável, uma vez que é mais fácil comparar quantas estrelas cada crítico deu a uma obra do que entender seus respectivos argumentos e tirar as próprias conclusões. Inclusive, já pedi – algumas vezes – para abolirmos o sistema de notas nas críticas escritas no Omelete.

Uma crítica bem feita só sai depois de muita reflexão, pesquisa, cigarros e, de vez em quando, algumas lágrimas. E, por incrível que pareça, a parte mais ingrata dessa missão é justamente escolher quantos ovos, de 1 a 5, resumem toda a experiência audiovisual proporcionada por uma determinada obra. Entender por que gostamos ou não de algo é até relativamente fácil, embora colocar isso em palavras já seja mais difícil. Agora, reduzir todo esse esforço a um número inteiro chega a ser sacrificante!

Não me leve a mal, ainda me divirto bastante escrevendo críticas – ainda que sofra um pouco para conseguir falar de obras que eu tenha gostado muito. Mas o uso de notas exige de nós uma racionalidade que nem sempre vem com facilidade ao dar nossa opinião. Ninguém cobre cultura pop por acaso. Há uma paixão por trás desse trabalho e ela transborda em textos opinativos e o uso de notas, para mim, parece tão paradoxal com esse processo de escrita quanto o clamor pela inalcançável “crítica isenta”.

O vício que o público criou em basear suas próprias opiniões em agregadores de nota como o Rotten Tomatoes e Metacritic apenas piora essa situação. Por mais que ambos os sites indiquem quantos críticos aprovaram ou não uma determinada produção, eles não levam em consideração nenhuma das avaliações qualitativas que resultaram na nota escolhida pelos autores para resumir suas análises.

Não bastasse, as notas alcançadas em agregadores se tornam argumentos fáceis para quem discorda de uma crítica. Já se tornou comum ver respostas que questionam por que o público deveria confiar em um texto que fala mal de uma obra cujo índice de aprovação no Rotten Tomatoes chega a 95% ou por que o crítico X deu uma nota 6 para um filme avaliado com nota 8 no Metacritic. Mais uma vez, esses dados “crus” (e os comentários que eles inspiram) ignoram qualquer argumentação ou reflexão proposta em um texto de, no mínimo, seis ou sete parágrafos.

A popularização dessas ferramentas apenas reforça a ideia de que escrever uma crítica é uma ciência exata e, como tal, está alheia ao contexto em que seu autor se insere. Mas, como já disse repetidas vezes acima, isso está longe de ser verdade.

Por mais que ajudem um consumidor indeciso se ele deve ou não assistir tal obra, as notas raramente traduzem toda a reflexão e processo criativo que existe por trás de uma crítica. Julgar um texto opinativo inteiro por uma escala aleatória é, perdoe a grosseria, preguiçoso e desconsidera todo o esforço colocado em cada parágrafo.

Com ou sem notas, as linhas que escrevemos diariamente estão completamente ligadas a cada experiência que tivemos e a cada emoção que sentimos. Enquanto forem escritas por humanos, as críticas jamais conseguirão abandonar a subjetividade de seus autores.

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