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Festival de Berlim | Aberto à cultura pop, evento faz história ao mesclar política, polêmica e pipoca

Filme sobre astro do jazz que desafiou nazistas abre o festival

09.02.2017, às 14H32.
Atualizada em 09.02.2017, ÀS 15H00

No cenário dos maiores festivais de cinema do mundo, se Cannes carrega a grife de maior glamour e Veneza a de maior tradicionalismo (às vezes, às raias da decadência), a Berlinale - cuja edição de número 67 começa nesta quinta (9) - ocupa-se da política, da polêmica e dos assuntos que ardem como cicatriz ética no mundo – tudo isso sem perder o viés pop. Questões essenciais para debates humanitários no planeta, entre elas a mais falada do momento – a condição dos refugiados – em todas as línguas, têm lugar cativo no evento germânico, que dedicou sua seção paralela, a Panorama, de produções ligadas à exclusão racial, entre elas o espinhoso documentário I Am Not Your Negro, de Raoul Peck, e o drama histórico nacional sobre escravidão, Vazante, de Daniela Thomas. Este ano, em que vai de 9 a 19 de fevereiro nas maiores telas da capital alemã, a mais combativa das vitrines do audiovisual abre sua programação – e, de quebra, a disputa por seu prêmio mais cobiçado, o Urso de Ouro – com um filme sobre as sequelas morais da II Guerra Mundial: o drama de ecos musicais e biográficos Django, filme de estreia do produtor francês Etienne Comar como diretor. Nele, o argelino Reda Kateb (de A Hora Mais Escura) revive a luta do jazzista Django Reinhardt para escapar do cerco nazista.

Existe uma vocação histórica no Festival de Berlim, desde sua inauguração, em 1951, com uma sessão de Rebecca, a Mulher Inesquecível, de Alfred Hitchcock, em servir de painel para expressões autorais do mundo inteiro, com lugar cativo para a América Latina, em especial para o Brasil. Pois este ano, a Berlinale é verde e amarela: desde 2008, ano da vitória de Tropa de Elite, não se via por lá uma esquadra brasileira tão ampla: 13 títulos. Até o momento, contando com Vazante, a participação brasileira – falando português - inclui nove longas, três curtas e mais a produção Brasil-Itália-França-EUA de Guadagnino. Na competição oficial concorre Joaquim, de Marcelo Gomes, sobre os bastidores da Inconfidência Mineira. Na seção Panorama, entraram Como Nossos Pais, de Laís BodanzkyPendular, de Julia Murat; e o já citado longa de Daniela Thomas. Na mostra Geração, estão Mulher do Pai, de Cristiane OliveiraAs Duas Irenes, de Fábio Meira; e Não Devore Meu Coração, de Felipe Bragança, com Cauã Reymond de espingarda na mão. Para o Fórum, foi o bangue-bangue gaúcho Rifle, de Davi Pretto. E João Moreira Salles projetará o seu aguardado No Intenso Agora – sobre uma viagem de sua mãe pela Europa e pela China, em 1968 - por lá no Panorama Dokumente, encerrando um jejum de dez anos sem lançar filmes depois da consagração de Santiago. Entraram ainda no festival os curtas Estás Vendo Coisas, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca (este na briga pelo Urso de Ouro), Em Busca da Terra Sem Males, de Anna Azevedo (que ficou na mostra Generation KPlus e a animação Vênus – Filó, a Fadinha Lésbica, de Sávio Leite, do Panorama.

Sangue latino de veias chilenos também será bombeado na competição pelo Urso com Una Mujer Fantástica, de Sebastián Lélio. Depois de Django, o primeiro dos títulos na briga pelo troféu a entrar na arena será o húngaro On Body and Soul, pilotado pela cineasta Ildikó Enyedi – o que não falta no evento são filmes dirigidos por mulheres. Dos 18 da mostra competitiva, outros três são assinados por diretoras: Colo, da lusa Teresa VillaverdeSpoor, um thriller policial da polaca Agnieszka Holland; e The Party, da mítica diretora inglesa Sally Potter. Chama atenção na peleja pelas láureas a presença de uma animação: Have a Nice Day, do chinês Liu Jian. Festivais raramente escalam animações para concorrer. Mas Berlim gosta delas: deu até um Urso para A Viagem de Chihiro em 2002. Num empenho de renovação, a maioria dos cineastas gravita entre os 30 e 50 anos, mas há veteranos com aura de medalhão como Aki Kaurismäkimestre finlandês famoso por seu estilo cômico quase cartunesco, que vem aqui cercado de um clima de “já ganhou!” com The Other Side of Hope, falando de imigrantes ilegais do Oriente Médio no Velho Mundo. Medalhão também é o alemão Volker Schlöndorff (ganhador da Palma de Ouro de Cannes por O Tambor em 1979) que vai exibir a love story em tempos de madureza Return to Montauk, estrelada pelo escandinavo Stellan Skarsgärd (de Thor).

Laureado no dia 8 de janeiro com o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro por Elle, o diretor holandês Paul Verhoeven presidirá o júri da briga pelo Urso de longas, no comando de um time que reúne a produtora tunisiana Dora Bouchoucha Fourati, o artista plástico islandês Olafur Eliasson, as atrizes Maggie Gyllenhaal (EUA) e Julia Jentsch (Alemanha), o ator e diretor mexicano Diego Luna e o cineasta chinês Wang Quan'an. Já a escolha dos curtas a serem premiados será feita por um time de jurados composto por  Christian Jankowski, professor na Stuttgart State Academy of Art and Design, pela curadora do Metropolitan Museum of Art de Nova York Kimberly Drew e pelo pelo director artístico do SANFIC Santiago International Film Festival, o pesquisador Carlos Núñez.

Para se conhecer a Berlinale na fundovale pontuar sua devoção às causas LGBT, que são maioria da seleta da mostra Panorama, disputando um prêmio especialmente criado lá para festejar a luta em prol da homoafetividade: o Teddy. Entre os filmes alinhados à essa temática que mais expectativa cria em solo alemão é o chinês The Taste of Bebel Nut, de Hu Jia, sobre poliamor. Outro tema ligado a questões de gênero e identidade sexual, o ativismo feminista entra em Berlim em carga total com The Misandrists, do canadense Bruce LaBruce, sobre um levante de mulheres (quase terrorista) contra o machismo.  

Para não se limitar apenas ao fervor e á reflexão, a Berlinale também abraça filmes com gostinho de pipoca, aliás, mais do que nunca, este ano, produções de cunho mais comercial serão festejadas no coração da Alemanha, como comprova a decisão de seu diretor artístico, Dieter Kosslick, em acolher a première mundial da terceira aventura solo do mutante WolverineLogan, de James Mangold. Pela cidade inteira há biombos do filme, com a imagem envelhecida de Hugh Jackman com as garras de adamantium para fora. Fora isso, a Berlinale Classics vai projetar a versão 3D (inédita) de Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991) e vai exibir uma cópia inédita dos clássicos do horror A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George Romero, e O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick.

Os títulos em disputa pelo Urso de Ouro de longa-metragem em 2017:

  • Ana, Mon Amour, de Calin Peter Netzer (Romênia)
  • On The Beach At Night Alone, de Hong Sangsoo (Coreia do Sul)
  • Beyus, de Andres Veiel (Alemanha) - documentário
  • Colo, de Teresa Villaverde (Portugal)
  • Django, de Etienne Comar (França)
  • The Dinner, de Oren Moverman (EUA)
  • Félicité, de Alain Gomis (Senegal)
  • Have a Nice Day, de Liu Jian (China) Desenho animado
  • Bright Nights, de Thomas Arslan (Alemanha)
  • Joaquim, de Marcelo Gomes (Brasil)
  • Mr. Long, de Sabu (Japão)
  • Una Mujer Fantástica, de Sebastián Lélio (Chile)
  • The Party, de Sally Potter (Reino Unido)
  • Spoor, de Agnieska Holland (Polônia)
  • The Other Side of Hope, de Aki Kaurismäki (Finlândia)
  • Return to Montauk, de Volker Schlöndorff (Alemanha)
  • On Body and Soul, de Ildikó Enyedi (Hungria)
  • Wild Mouse, de Josef Hader (Áustria) 

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