Amor com Fetiche reintroduz sensualidade divertida e desavergonhada ao cinema

Créditos da imagem: Lee Jun-young em cena de Amor com Fetiche (Reprodução)

Filmes

Crítica

Amor com Fetiche reintroduz sensualidade divertida e desavergonhada ao cinema

Com ótima dupla de protagonistas, filme sul-coreano da Netflix rejeita erotismo sombrio de obras recentes

Omelete
4 min de leitura
14.02.2022, às 12H59.

Seohyun e Lee Jun-young, os dois protagonistas de Amor com Fetiche, não tiram a roupa durante as quase 2h do filme - quer dizer, Lee aparece eventualmente sem camisa, e Seohyun troca os trajes formais de trabalho por um body de couro e látex em certo momento-chave da trama, mas os dois não chegam nem perto dos estados de nudez dos atores envolvidos em uma Pam & Tommy ou uma Game of Thrones, para citar exemplos famosos recentes. E, ainda assim, as cenas quentes entre eles são infinitamente mais sensuais, e acima de tudo mais interessantes de se assistir, do que qualquer coisa que os estúdios e as emissoras de Hollywood tenham feito neste século.

O que Amor com Fetiche se lembra, e que tantas produções supostamente “para maiores” costumam se esquecer, é que sexualidade deveria ser divertida. Um papel fundamental do prazer em nossas vidas (ao menos, quando ele é saudável) é nos conectar com nossos corpos e vontades sem a pressão da performance de seriedade e maturidade que existe em quase todos os outros momentos e ambientes de nossas vidas. Cada uma das sessões de BDSM do casal principal do filme de Park Hyeon-jin encarna essa catarse de maneira muito precisa, expressando a euforia da realização de uma fantasia de uma forma que só pode ser descrita como contagiante.

A trama do filme da Netflix acompanha dois colegas de trabalho em uma emissora de TV: a brutalmente competente Jung Ji-woo (Seohyun) e o novato Jung Ji-hoo (Lee Jun-young). Por causa dos nomes parecidos, Ji-woo acaba recebendo uma encomenda que era endereçada a Ji-hoo, uma coleira de couro com tachinhas de alumínio, comprada - como o cupom que cai no chão durante a confusão revela - em uma loja especializada em artigos para praticantes do BDSM (na sigla em inglês, em tradução livre: “Bondage [o ato de amarrar seu parceiro sexual], Disciplina ou Dominação, Sadismo e Masoquismo).

Traumatizado por uma relação anterior em que suas preferências foram a causa do término, Ji-hoo se encanta com a maneira natural com que Ji-woo leva a descoberta, e logo pede a ela que seja sua nova “mestre”. Isso não é um pedido de namoro ou mesmo um convite sexual no sentido tradicional da coisa, esclarece ele - ao invés disso, pelos três meses seguintes, os dois passam a se encontrar regularmente para cenas em que rola todo tipo de joguinho de dominação: em uma, Ji-hoo coloca a coleira e age como um cachorro para a colega de trabalho; em outra, ela pinga gotas de cera quente em suas costas; e por aí vai.

O diretor Park Hyeon-jin claramente se diverte nesses momentos. O seu Amor com Fetiche, como boa parte do audiovisual sul-coreano que tem conquistado o planeta, não se preocupa demais em manter alguma sombra de realismo, em convencer o espectador que este é um mundo “autêntico” (o que quer que isso signifique em pleno 2022). Ao invés disso, o filme usa todos os recursos estéticos que estão à sua disposição, e sem parcimônia: câmeras lentas, close-ups extremos de rostos e partes do corpo estimuladas pelo joguinho da vez, ambientes belamente iluminados por uma quantidade de velas que, na vida real, provavelmente acabaria levando a uma visita do corpo de bombeiros…

Park também abusa da vantagem de ter um casal de protagonistas tão comprometido com seus papéis. Seohyun, conhecida como integrante do grupo de k-pop Girls’ Generation, empresta a Ji-woo tanto uma determinação de ferro que faz muitos de seus colegas de trabalho se afastarem (e azar o deles, nos diz o filme) quanto uma incerteza que a faz dolorosamente real aos nossos olhos. Já Lee Jun-young impressiona pelo completo desembaraço com o qual encara um personagem que muitos atores escolheriam tornar ridículo - nas mãos dele, Ji-hoo é só um jovem de abertura emocional admirável e cativante.

Amor com Fetiche, enfim, vende a sua fantasia muito bem. Sua sensualidade exultante é um refresco nesses tempos em que romances só podem existir na ficção, especialmente em uma dimensão sexual, se forem sombrios e difíceis como os de 50 Tons de Cinza, 365 Dias e Sex/Life. A relação de Ji-woo e Ji-hoo em Amor com Fetiche não é perigosa em nenhum sentido que não seja a possibilidade de ser descoberta por um mundo que não a entenderia, ou pelo menos faria escárnio dela. Eles são só pessoas tentando realizar seus desejos sem machucar ninguém, e não há porque fazer disso uma história perturbadora.

É verdade que o roteiro, assinado por Park Hyeon-jin ao lado de Lee Da-hye (e inspirado em uma HQ digital do autor de pseudônimo Winter), derrapa um pouco nos clichês da comédia romântica perto do final. As saídas fáceis que ele encontra para os conflitos dramáticos de seus protagonistas não convencem inteiramente, e o filme acaba se mostrando uma experiência dramática frustrante nesse sentido. Se ao menos esses personagens pudessem lidar com suas dores de forma tão adulta e inteligente quanto lidam com seus anseios, Amor com Fetiche poderia ser o deleite completo que claramente nasceu para ser.

Nota do Crítico
Bom
Amor com Fetiche
Love and Leashes
Amor com Fetiche
Love and Leashes

Ano: 2022

País: Coreia do Sul

Duração: 117 min

Direção: Park Hyeon-jin

Roteiro: Park Hyeon-jin

Elenco: Lee Jun-young, Seohyun

Onde assistir:
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