Sailor Moon Crystal | Como um anime comemorativo virou um enterro

Créditos da imagem: Sailor Moon Crystal/Toei Animation/A Tarde é Sua/RedeTV/Montagem

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Sailor Moon Crystal | Como um anime comemorativo virou um enterro

Você aceitaria de presente pelos seus 20 anos de existência um anime com traço estranho, ritmo confuso e que desfigura suas características?

Omelete
7 min de leitura
01.06.2022, às 09H44.

Lá pelo ano de 2012, em meio às comemorações de 20 anos da estreia do anime clássico de Sailor Moon, a editora Kodansha e a Toei Animation anunciaram a produção de uma nova versão animada para as guerreiras lunares. A tal festa da maioridade, intitulada Sailor Moon Crystal, acabou atrasando e foi lançada apenas em 2014, tentando atender às expectativas dos fãs.

Infelizmente foi tal qual um festejo mal planejado: o novo anime teve um gostinho de brigadeiro que passou do ponto. Sailor Moon Crystal apresentou um roteiro corrido, personagens mal desenvolvidas e uma animação irregular a ponto de virar meme entre os fãs. Nessa matéria vamos explicar como conseguiram piorar um dos animes mais influentes da cultura otaku, ou melhor, como essa festa de aniversário virou um enterro.

Baseado em um mangá... mediano

Sailor Moon/Toei Animation

Talvez essa constatação seja um pecado para os partidários do Milênio de Prata, mas o mangá de Sailor Moon está longe de ser excelente. Em muitos momentos, inclusive, não chega nem a ser bom. Embora tenha conquistado vendas expressivas no mundo inteiro, não é errado afirmar que parte do carinho que as pessoas sentem por Sailor Moon veio mais pela qualidade da versão animada dos anos 1990 que pela série em quadrinhos publicada por Naoko Takeuchi na revista Nakayoshi.

Esse fenômeno ocorreu porque a versão animada produzida pela Toei foi lançada logo após o início da serialização do mangá na revista mensal. Com tão pouca história para adaptar, a equipe da Toei precisou jogar muita água nessa panela de feijão. Enquanto o mangá original passava rapidamente pela descoberta das novas guerreiras, lutas com vilões e chegadas de novos poderes, o estúdio de animação foi preenchendo as lacunas com muitos episódios focados nos dramas das adolescentes, suas relações interpessoais e seus questionamentos amorosos comuns à idade.

Com a adição dessas novas histórias o anime clássico se tornou uma versão mais completa se comparada à original. Era como se a Naoko criasse apenas a premissa na versão em quadrinhos e a história fosse desenvolvida de verdade pela talentosa equipe de roteiristas e diretores da Toei Animation. O resto é história: Sailor Moon se tornou uma das franquias mais importantes da cultura otaku e a personagem é até hoje referenciada e reconhecida mesmo por quem nunca assistiu a um episódio. Sendo assim, produzir um remake com o que há de mais moderno na animação japonesa parecia uma decisão óbvia para comemorar os 20 anos das heroínas, mas havia um porém: Sailor Moon Crystal não seria um remake direto do anime dos anos 1990, e sim uma animação mais compacta e seguindo fielmente a história do mangá.

Tal decisão não parece ser tão surpreendente assim quando lembramos o quão conceituada e respeitada é a figura de Naoko Takeuchi no Japão. Mesmo as menores decisões a respeito de Sailor Moon precisam passar pelo carimbo de aprovação da autora, indo desde as cores utilizadas na reimpressão brasileira do mangá (juro!) como merchandisings e grandes projetos em animação. Com tanto poder assim em suas mãos, até parece que Naoko iria permitir uma adaptação semelhante à daquele anime antigo, repleto de livres interpretações de sua história, não é mesmo? E seguir fielmente o mangá original foi apenas o primeiro dos pecados de Sailor Moon Crystal

“Animação em Flash”

Lá pela metade da década passada a Toei Animation não estava em seus melhores momentos no quesito animação. Se hoje em dia ela exibe um espetáculo audiovisual como One Piece, na época de lançamento de Sailor Moon Crystal a coisa era diferente. Animes como Os Cavaleiros do Zodíaco Ômega e Dragon Ball Super foram bastante criticados pelos fãs por ter uma animação “inconstante” (ou “feia”, para os mais diretos). Episódios de Os Cavaleiros do Zodíaco: Alma de Ouro até tiveram trechos refeitos para consertar animação problemática. Na época, era comum brincar que a Toei Animation estava fazendo suas séries usando os recursos do Adobe Flash Player.

Já na estreia de Sailor Moon Crystal houve uma chuva de comparações com o anime antigo. O design mais arredondado dos anos 1990 foi trocado por personagens mais esguios, quase croquis feitos por estilistas. Usagi Tsukino/Serena/Sailor Moon deixou de parecer uma adolescente e ganhou traços de mulher adulta, incompatíveis com seus 14 anos de idade. Os olhos estavam ainda mais exagerados, e às vezes as feições pareciam feitas às pressas. Houve também quem criticasse o uso de computação gráfica em cenas da animação.

Sailor Moon Crystal/Reprodução

E não podemos nem dizer que as limitações na animação de Sailor Moon Crystal se deram por falta de tempo! O projeto estava previsto originalmente para 2013 e foi adiado em um ano, e os episódios ainda por cima tiveram um lançamento quinzenal. Para se ter uma ideia, o normal são episódios de anime saírem semanalmente, um prazo muito apertado e que costuma servir de justificativa para animações mais “feinhas”. Por isso, um episódio a cada 14 dias parece um prazo vantajoso.

O ritmo da história também afastou quem tinha boas memórias do anime de duas décadas antes. Ami Mizuno/Sailor Mercury é introduzida no segundo episódio, enquanto Rei Hino/Sailor Mars aparece já no terceiro. A primeira temporada de Sailor Moon Crystal, cobrindo todos os eventos que envolvem a luta contra a Rainha Beryl, é encerrada em apenas 14 episódios, contra 46 da versão clássica. Uma senhora velocidade.

A pior maneira de conhecer Sailor Moon

Reproduzir no anime a história do mangá de Sailor Moon foi como ampliar todos os defeitos da versão em quadrinhos. Embora a Naoko tenha sido criativa em introduzir uma galeria de personagens interessantes, a autora não teve tanta paciência assim para desenvolvê-los. Os vilões da série antiga, por exemplo, tinham mais tempo de tela e mostravam facetas de suas personalidades, enquanto um episódio de Crystal é capaz de eliminar adversários das sailor num estalar de dedos.

Sailor Moon Crystal/Divulgação

Pela correria, o fã que chega à franquia através de Sailor Moon Crystal perde a característica que mais encantou na série original: as personalidades distintas das sailors. Por focar demais nos dramas de Usagi e em seu relacionamento com Mamoru Chiba/Darien, as pobres Ami, Rei, Makoto Kino/Lita/Sailor Jupiter e Minako Aino/Mina/Sailor Venus praticam uma figuração de luxo cuja única função no episódio é gritar nomes de golpes cada vez mais malucos criados pela autora (nada vai me convencer que o golpe “Jupiter Coconut Cyclone” não foi nomeado com a Naoko sorteando palavras aleatórias num dicionário em inglês).

O anime de Sailor Moon Crystal trouxe consigo não só os problemas do mangá de Sailor Moon, mas também novos tropeços. A direção de Munehisa Sakai é pouco inspirada e não consegue entregar nem ação nos momentos de luta e muito menos emoção nos dramas das protagonistas. Foram tantos problemas no decorrer das duas primeiras levas de episódios que a Toei chamou Chiaki Kon para consertar o anime em sua terceira temporada, mas foi tarde demais. A diretora (conhecida por ter assinado a direção em Higurashi) até deu uma boa consertada nos principais defeitos do Crystal, mas esbarrou no principal problema: o mangá original está longe de ter um bom ritmo, sendo apenas um atropelo de situações sem muito respiro.

Após a terceira temporada, a Toei Animation optou por seguir com uma nova linha: agora as adaptações seriam em filmes. Sailor Moon Eternal é um longa em duas partes lançado pela Netflix e vai na contramão das séries do MCU: enquanto a Marvel pega um filme de seis horas e divide em vários episódios, a Toei costurou vários episódios de anime para formar um longa com ritmo terrível. E pode esperar por mais, afinal já foi anunciado Sailor Moon Cosmos para 2023 com o objetivo de encerrar definitivamente a adaptação dessa animação que não precisava ter sido iniciada.

Quando comemoramos um aniversário, estamos celebrando a vida e o legado daquele indivíduo. Sailor Moon tinha muito o que comemorar, pena que a Toei realizou uma festa terrível para sua aniversariante, com direito a coxinha vencida e guaraná sem gás. Por sorte, o anime original envelheceu igual vinho e é a melhor forma para apreciar esta série que tanto marcou a cultura otaku do mundo inteiro. Agora falta só a Toei Animation colocar todas as temporadas em algum serviço de streaming.

Quer assistir?

Mesmo com tantos problemas, assistir a Sailor Moon Crystal pode lhe garantir alguns momentos (bons e ruins). O que foi feito da série até o momento (as três temporadas e os dois filmes) foi lançados na Netflix, com dublagem em português e legenda. É possível também assistir às três primeiras temporadas na Crunchyroll, mas apenas com legendas em português. E se precisar tirar da boca o gosto amargo dessas produções recentes, a Netflix também disponibilizou a maravilhosa Sailor Moon S em seu catálogo e logo mais trará os filmes das temporadas Sailor Moon R, Sailor Moon S e Sailor Moon SuperS.

Se você tem vontade de ler o material original, aí vai ser um pouco complicado. O mangá foi publicado integralmente pela JBC em 2014 (inclusive dois volumes extras e a série “prequela” Sailor V), porém alguns volumes podem ser difíceis de encontrar. A editora promete uma republicação chamada Sailor Moon Eternal, mas o título depende da aprovação (e boa vontade) da autora Naoko Takeuchi. Ou seja, não há qualquer previsão.

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