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Entrevista

No Intenso Agora | "Hoje não há mais um projeto único capaz de organizar o entusiasmo coletivo", diz diretor

Documentário de João Moreira Salles será exibido no É Tudo Verdade

24.04.2017, às 22H35.
Atualizada em 24.04.2017, ÀS 23H04

Espécie de QG para a inteligência documental brasileira, reconhecido como um dos maiores recantos no cenário mundial dos festivais de cinema, o É Tudo Verdade – cuja 22ª edição começou no dia 20 - promove nesta quarta-feira (26), às 21h, no Espaço Itaú do Rio de Janeiro, a estreia brasileira do aclamado No Intenso Agora, filme que marca a volta de João Moreira Salles (Entreatos) ao cinema após um hiato de dez anos longe do circuito. Na quinta (27), às 21h, ocorre uma sessão do filme em São Paulo, no Cinearte, onde ele passa de novo no domingo, às 17h. Lançado no 67º Festival de Berlim, em fevereiro, quando virou um ímã de elogios, sendo saudado como obra-prima por parte da imprensa europeia, o novo longa-metragem do diretor de Santiago (2007) ganhou três prêmios no Cinéma Du Réel - Festival Internacional de Documentários, na França, no início de abril: Melhor Trilha Sonora (Rodrigo Leitão), Melhor Filme pela SCAM (Sociedade Civil dos Autores Multimídia) e pelo Júri das Bibliotecas.

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Convidada para 20 festivais internacionais, entre eles o BAFICI - Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (19 a 30 de abril de 2017), a produção é uma espécie de épico documental sobre 1968 e seus valores políticos, mesclado a memórias familiares do diretor sobre aquele ano. O filme usa imagens de arquivo de uma viagem à China feita pela finada mãe do realizador como seu centro nervoso. Em volta dela, como um buquê de memórias, o diretor faz um arranjo com arquivos de Paris, de Praga e do Rio em lutas estudantis do fim dos anos 1960. Sua estreia em circuito está prevista para junho.

Omelete: De que maneira os movimentos de esquerda - os dos jovens sobretudo - dos anos 1960 refletem, no seu filme, uma espécie de engajamento geracional que hoje parece ficção? Que juventude era aquela? 

João Moreira Salles: Reluto em afirmar que para as novas gerações o engajamento político deixou de ser uma possibilidade. Do contrário, o que fazer da Primavera Árabe, do movimento Occupy, dos protestos brasileiros de 2013, das manifestações a favor e contra o Impeachment de 2016, ou, para usar exemplos do campo antidemocrático, dos movimentos populares que sustentam a ascensão dos populismos autoritários contemporâneos? A diferença para a década de 60 talvez esteja numa dispersão de projetos. Em que pese diferenças teóricas e programáticas muitas vezes sutis, os sonhos de 68 caminhavam na mesma direção. Em linhas gerais, desejava-se superar o capitalismo, construir um socialismo democrático e combater as injustiças do colonialismo tardio, em especial no Vietnã. Hoje a coisa se complicou. Não há mais um projeto único capaz de organizar o entusiasmo coletivo. Não acho que isso seja necessariamente mau. Creio, inclusive, que chegamos a esse estado de coisas em parte como conseqüência de certos ganhos muito claros de 68. Se hoje temos esse estilhaçamento de propósitos é porque, em certo momento daquele período, afloraram demandas que não podiam mais ser conciliadas com facilidade. Feminismo, movimento negro, luta das minorias sexuais. Isso produziu tensões inevitáveis. Qual o interesse comum que pode levar o desempregado da indústria siderúrgica a cerrar fileiras com o ambientalista?  

Omelete: Qual é a lógica de montagem de um filme como No Intenso Agora na relação entre o passado simbólico, o passado histórico e sua própria memória? 

João Moreira Salles: Tenho dito que a ideia deste filme não precedeu o trabalho de fazê-lo. Aconteceu o contrário. Foi só ao entrar na ilha de edição que o filme foi tomando forma, quase como uma secreção do trabalho de montagem. Tinha uma ideia muito vaga do que pretendia dizer. Concretamente, tudo começou pelo arquivo pessoal de minha mãe. Dele, cheguei ao material histórico de 68, e acho que não poderia ter sido de outro modo. Não sou historiador e nem vivi o período. Não me sentiria autorizado a fazer um filme sobre 68 – já são tantos, por que mais um? – se não fosse por essa perspectiva familiar, por essa mirada desde a porta de casa, por assim dizer. Não sei bem o que é o passado simbólico, mas se ele for esse amálgama de mitos que o tempo fez chegar até nós, então confesso que tenho interesse em oferecer contra-narrativas que possam devolver vitalidade a uma história que, ao menos em parte, está cristalizada em nossa cabeça. Tirar as estátuas do pedestal às vezes é bacana. 

Omelete: O que os dez anos de distanciamento das telas, entre Santiago e No Intenso Agora te revelaram sobre o cinema, sobre o documentário, sobre o Brasil?

João Moreira Salles: Que preciso de outros dez anos para ter a distância necessária para responder a essa pergunta. Sou lento.