Dramaturgias com viagem no tempo são atormentadas por uma palavra que muitos de seus críticos podem nem proferir, mas que ronda pelas escuridões das encruzilhadas narrativas: coerência. A partir do momento em que a viagem no tempo é possível, tudo que aconteceu no passado ou acontece no presente fica em suspenso. O espectador – que não é bobo nem nada – sabe que a possibilidade de desafiar o tempo pode abrir precedentes muito flexíveis e a partir daí tudo que acontece poderia ser resolvido com um pulinho ali no "antes", o que torna os círculos de tensão de uma história, extremamente frágeis.
Há formas de escapar dessa cilada. Lost, por exemplo, começou a falar de viagem no tempo a partir da terceira temporada, mas os roteiros se preparavam para proteger os fatos desde o começo. A força eletromagnética que provocava as viagens no tempo acontecia de maneira aleatória, impedindo o controle dos personagens sobre a mesma. Além disso, qualquer alteração significativa era proibida e respeitada, um recurso que J.K. Rowling (autora de Harry Potter) também usou muito bem. Quando o assunto é a viagem no tempo, a carpintaria textual tem que manter preservados recursos-chave da própria narrativa. Ou isso ou o caos será inevitável.
Travelers começou preocupada com isso e seu primeiro ano foi muito contido nesse sentido. Em grande parte, as missões incluíam alterações pontuais que refletiriam no futuro sem que as pessoas do presente pudessem nem mesmo percebê-las. Essa parecia uma decisão muito sensata, já que os meandros da ficção científica são os que mais flertam com a abertura quase absoluta dos portões da fantasia. A vontade dos roteiristas de começar a testar esse "elástico da coerência" já apareceu nessa primeira temporada, quando o sacrifício da memória de Marcy (Mackenzie Porter) começou a ser colocado em cheque. Eis, então, que a vindoura segunda temporada seria a oportunidade de expandir as possibilidades, sem perder de vista aquela palavrinha tão importante e que já foi mencionada: a tal da coerência.
Século 21: A alta temporada do Futuro
Segundas temporadas de séries de fantasia e ficção científica são problemáticas. Quando os seriados em questão encontram o sucesso, o que acontece na maioria dos casos é um investimento pesado demais em ampliação de mitologia. E aí, começam os erros. Travelers começou seu primeiro ano focando no grupo essencial de viajantes: Phillip (Reilly Dolman), o estudante universitário viciado em heroína; Carly (Nesta Cooper), a mãe solteira a mercê de um marido policial violento; Trevor (Jared Abrahansom), o atleta adolescente problemático, e Marcy. Todos liderados pelo agente do FBI vivido por Eric McCormack. Essa equipe – responsável por salvar o mundo do próprio futuro – esbarrava eventualmente em outras equipes. Já na segunda temporada, é como se o século 21 fosse o hotspot da linha temporal planetária e todo mundo quisesse um corpo novo em folha aqui desse lado.
As coisas começam muito bem. Enrico Colantoni entra para o elenco vivendo o viajante 001, o primeiro a fazer parte da experiência e que começa falhando em impedir a morte de um elemento essencial do tal "Grande Plano". A sequência é muito competente e catártica, uma vez que a primeira viagem se dá minutos antes do 11 de setembro. A temporada, então, começa a demonstrar uma organização clara. O viajante 001 é apresentado, uma parte de seu papel na organização da temporada é reservada e então o resto do ano se divide em duas linhas narrativas completamente distintas.
Enquanto no primeiro ano o exagero dos dispositivos e meteoros nos afastava da verossimilhança, nesse segundo perdemos uma boa leva de episódios tratando de uma doença mortal com ares de ebola, que não leva a série para lugar nenhum. A impressão é que o enredo foi providenciado para preencher a quantidade de episódios, uma vez que quando ele se resolve, a série entra nos trilhos e se reconecta com os eventos da estreia. É verdade que a facção (grupo opositor aos planos do "diretor") não é a ferramenta narrativa mais original. No entanto, ela liga os eventos de forma mais coesa, sobretudo quando a figura do viajante 001 surge como antagonista direto dos protagonistas da série.
Além da boa adição de Colantoni no elenco, o crescimento de Grace (Jennifer Spence) foi outra boa decisão. Ela ajuda a dar mais tempo de tela para Trevor (sempre esquecido) e é muito carismática. David (Patrick Gilmore) continua sendo um dos grandes trunfos. Os roteiros valorizaram mais sua relação com Marcy e ele virou uma espécie de elemento essencial para que a série mantenha os pés no chão. A relação de MacLaren com Carly foi abandonada, demostrando também que os produtores sabem o que é melhor para a série. Essa foi uma temporada que apresentou bons momentos discursivos acerca dos questionamentos éticos e emocionais provocados pela "possessão" dos viajantes sobre indivíduos à beira da morte.
O maior dos "poréns" vem das mãos do próprio criador. Brad Wright escreveu um bom episódio procedural em que o "diretor" tentava voltar no tempo inúmeras vezes para evitar o extermínio da equipe de MacLaren. A organização do episódio é incrível, ele é muito bem dirigido, mas termina deixando no ar a pergunta que nenhum fã de ficção científica quer fazer: se o "diretor" voltou no tempo sete vezes para corrigir aquele extermínio, porque raios não fez o mesmo para evitar os fracassos de outras missões? A resposta não é impossível, mas só o exercício da pergunta já deixa lacunas que depois podem ser difíceis de suprir. Travelers se mostrou uma série muito promissora, mas que está sempre a um passo de atravessar limites importantes.
O futuro da produção – mesmo depois daquela última sequência tomada de ganchos – é incerto. Infelizmente, nenhum viajante pode voltar para resetar enganos previamente cometidos. No meio desse mercado de gigantes em disputa não há tempo para perder com irrelevâncias. Se tiver uma terceira oportunidade, a missão de Travelers é ser sucinta. E direta.
Criado por: Brad Wright
Duração: 3 temporadas