Seguro Para Divorciados é um fracasso histórico dentro do ecossistema dos k-dramas, as produções televisivas que formam boa parte da programação das emissoras abertas e pagas sul-coreanas. A tvN é uma das principais produtoras desses títulos, e nos últimos anos o canal tem marcado um k-drama como grande sucesso quando ele supera a marca de 20% de participação na audiência nacional durante a exibição de um episódio (Pousando no Amor e Rainha das Lágrimas foram títulos que quebraram essa barreira recentemente). Seguro Para Divorciados, por outro lado, nunca passou dos 3% nessa mesma escala e terminou sua trajetória de seis semanas no ar angariando impressionantes 0,9% da audiência do país - um dos números mais baixos registrados nos 18 anos de existência da tvN.
É interessante contextualizar essa performance comercial do k-drama, muito embora ela seja uma preocupação completamente separada de sua qualidade como série, para que se tente entender o que na abordagem do roteirista Lee Jae-yun (Secret Royal Inspector & Joy) e do diretor Lee Won-suk (O Alfaiate Real) causou tanta rejeição em um público tão acostumado às notas que eles tentam tocar aqui. Seguro Para Divorciados, por exemplo, é essencialmente duas histórias de amor se desenvolvendo paralelamente, em um mesmo escritório: o engenhoso Ki-jun (Lee Dong-wook) se apaixona pela hesitante Han-deul (Lee Joo-bin), enquanto os metódicos Jeong-man (Lee Kwang-soo) e Na-rae (Lee Dae-hee) encontram um no outro almas gêmeas improváveis.
O adicional é que todos esses personagens já passaram por casamentos que acabaram em divórcio (no caso do protagonista Ki-jun, foram três!), de forma que pensam duas vezes antes de se deixarem levar pela emoção de um novo crush. Todos próximos ou já na casa dos 40, eles não estão exatamente na faixa etária para se comportarem como colegiais apaixonados, e Seguro Para Divorciados evita bravamente os desencontros retóricos bobos que formariam o arroz-com-feijão de qualquer outra comédia romântica de local de trabalho. Especialmente na segunda metade da série, ela escolhe conduzir os seus dois romances principais - e as amizades entrelaçadas no meio deles, inclusive - através de diálogos francos, abertos, que deixam espaço para a ambiguidade quando ela é necessária, mas não caem na armadilha dos não-ditos que tanto complicam as relações em outras novelinhas.
Os dois Lees (um na direção, um no roteiro) trabalham juntos, enquanto isso, para emoldurar esses momentos com um romantismo maduro, na ânsia de provar que as faíscas ainda estão aqui, nesses amores calmos que vão caminhando pela série. Há de se dizer, sim, que nem sempre eles são maravilhosamente bem-sucedidos. O diretor Lee Won-suk, especialmente, recorre um pouco demais à bengala da excentricidade para tentar simular o romantismo - a sua entrega a diferentes formatos de animação para “temperar” o mundo live-action meio cinza de uma grande seguradora em Seul é louvável no campo da comédia rasgada, como já tinha argumentado na primeira semana da série, mas vai criando um verniz hipster cansativo conforme o humor vai se tornando mais adocicado do que ácido.
E não é como se ele não soubesse fazer drama, aliás. De fato, quando Seguro Para Divorciados faz uma curva mais radical na direção da tragédia (são momentos fugazes, mas eles existem), o diretor se delicia no operático das encenações, abusando da câmera lenta e da iluminação leitosa, além de explorar a versatilidade do seu protagonista. Embora sempre disposto a pular na direção da comédia, Lee Dong-wook se mostra mais à vontade nos padrões conhecidos do trauma familiar e do romantismo, e é ele quem segura as pontas da série nos momentos, ali no miolo, em que ela parece inventar para si mesma um beco sem saída narrativo, e correr para conjurar conflitos manjados que possam preencher os 12 episódios encomendados pela emissora.
Aí é mais compreensível a rejeição do público. Ninguém gosta de se sentir enganado, ou enrolado, e ninguém gosta de comprar um produto e não receber o que está na embalagem - mas o êxodo de audiência experimentado por Seguro Para Divorciados ainda parece desproporcional. Mesmo em seus piores momentos, o k-drama nunca perde de vista sua melhor qualidade: a generosidade com a qual é capaz de ver os personagens e suas relações, o que em alguns sentidos a coloca em direta oposição ao ethos do gênero em que está inserida. Acontece que, com a exceção de um subplot cansativo de ganância corporativista, aqui faltam vilões, e sobram indivíduos que estão tentando ser bons uns com os outros sem serem ruins consigo mesmos.
Seguro Para Divorciados entende a dificuldade de fazer as duas coisas no mundo adulto, mas entende também que relações só podem se reparar se formos generosos com elas - ouvir o outro mesmo quando não parece haver ponto em continuar ouvindo. E se, uma vez entendido tudo que há para ser entendido, não der para reparar essas relações… bom, é só comprar um seguro, e tudo vai (provavelmente) ficar bem. Talvez o público da tvN não estivesse pronto para ouvir algo assim, e pode ser que você acabe concordando com eles - mas pode ser também que seja tudo o que você precisa ouvir nesse momento. De uma forma ou de outra, o botão do play está disponível. É só apertar.
Seguro Para Divorciados
Criado por: Lee Jae-yun
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