Documentário O Caso Celso Daniel é bagunçado e tendencioso

Créditos da imagem: Divulgação

Séries e TV

Crítica

Documentário O Caso Celso Daniel é bagunçado e tendencioso

Produção Original Globoplay confunde desorganização factual com imparcialidade.

Omelete
4 min de leitura
20.02.2022, às 13H40.
Atualizada em 23.02.2022, ÀS 10H35

Na reta final de O Caso Celso Daniel, um recorte de uma entrevista do ex-presidente Lula resume de modo até irônico a escolha de trazer de volta ao escrutínio público o assassinato do então prefeito de Santo André: na entrevista, Lula diz que em todo ano eleitoral o caso da morte de Celso Daniel era trazido de volta, numa tentativa de enfraquecer adversários políticos. A ironia está na forma como o documentário foi vendido como uma experiência de imparcialidade narrativa, mas acabou sendo uma ferramenta das artimanhas que critica.

Algumas experiências documentais em formato seriado, mais recentes, se justificam na forma e no conteúdo. Mais que uma exposição dos fatos, esses títulos escolhem uma linha narrativa que funciona, mesmo que indiretamente, de maneira elucidativa. A ordem é arrumar a cronologia dos fatos, contar a história com dramaticidade, mas não se privar de revelar o que pode estar por trás da cortina do tempo. Sem isso, a ideia de explorar a tragédia parece gratuita, oportunista, criada apenas com o intuito de reacender dúvidas. Infelizmente, esse é exatamente o caso do Caso Celso Daniel, uma série documental que sublinha todos os motivos mais questionáveis para trazer de volta a memória daquele Janeiro de 2002.

O Caso não tem um narrador específico, mas anuncia um objetivo em sua comercialização: abordar todas as versões, deixando que o público tire suas próprias conclusões. Olhando por cimapode parecer que essa é uma decisão que isenta os realizadores de uma comparação, de uma cobrança. Já que eles abordarão todas as teorias, não podem ser acusados de defender nenhuma. É uma estratégia inteligente para evitar o embate político, mas que enfrenta um problema desde seus primeiros episódios: quanto mais o caso é revirado, mais ele soa esclarecido, e as teorias que deveriam polemizar a trama com a opinião pública soam apenas tendenciosas.

Criado pelo Estúdio Escarlate e produzido por Joana Henning, o documentário estreou sob a polêmica de ter sido idealizado para atrapalhar o processo eleitoral, através da sustentação do pilar mais obscuro dessa história: o de que o PT teria eliminado Celso Daniel para proteger informações sobre esquemas de corrupção. Indícios de que Joana teria tentado emplacar no passadp um outro projeto, uma obra documental sobre a Lava Jato*, ao lado de Guilherme Fiúza para juntos promoverem uma obra que era claramente partidária, ressurgiram na internet com o mesmo intuito de estremecer credibilidades. Apesar das negativas da produtora, o cenário estava delineado e nesse “julgamento” — justo ou não — vale mais a especulação que o fato.

Um Crime “Comum”

Para funcionar, O Caso Celso Daniel precisa muito que o espectador não saiba de muita coisa sobre o crime. A versão oficial, da polícia, de que Celso estava no lugar errado e na hora errada, domina os primeiros episódios, mas sempre envolta em uma aura de dúvida. As informações consideradas pela família da vítima como potencialmente suspeitas (como a roupa de baixo ao avesso, as marcas de tortura, o sequestro com um carro importado que não pegava...), serão discretamente derrubadas mais adiante. Contudo, a direção prefere sublinhar a conspiração e não a elucidação. Algumas das teorias levantadas são risíveis e já haviam sido superadas há muito tempo. Os episódios, entretanto, valorizam cada uma das possibilidades com apaixonada devoção.

Na metade da temporada a bagunça de rumores e de recursos visuais se estabelece completamente. Embora as animações que ilustram o sequestro e a morte sejam bem feitas, elas não conversam com as dramatizações de atores reais. A direção dá ouvidos a todos que tenham algo a dizer, mas passa sem alarde por revelações e provas cabais que poderiam encerrar o projeto em dois minutos. Calculadamente, a insistência em valorizar suspeitas esdrúxulas é uma forma de distrair a audiência e justificar a longevidade da temporada. A interpretação de Tuca Andrada como Sérgio Gomes da Silva é inspirada, mas todo seu esforço para imprimir a complexidade da persona fica em ruído com o texto expositivo e didático.

Na reta final (nos episódios que ficam mais frescos na memória) a narrativa se dedica fortemente a explorar os casos de corrupção que levaram às suspeitas em cima do PT e do ex-presidente Lula. A família de Celso surge amargurada com a impossibilidade de provar o assassinato; os defensores do partido se elegem perseguidos, os detratores alegam que resolveram o caso... Mas, se há uma competência em O Caso Celso Daniel é a de servir à elucidação mesmo que ela não seja a que serve a tantos interesses. Se espremida para retirar o excesso, ela entrega a dúvida e o mistério, como se espera de uma produção desse tipo. Mas, também entrega a brecha para o exercício do puro discernimento. Mais que um engodo para eliminar um perigo, o documentário evidencia como aquele crime foi uma porta, por onde passaram muitos dos que organizaram o caos político que se arrasta até aqui. 

A morte de Celso Daniel pode não ter sido encomendada. Mas, sem dúvida nenhuma, souberam se aproveitar dela muito bem. 

*Errata: Uma versão anterior do texto afirmava que Guilherme Fiúza estava envolvido na produção de O Caso Celso Daniel. No entanto, o jornalista, na verdade, estava envolvido em outro projeto, uma produção sobre a Lava Jato que foi avaliada pelo Estúdio Escarlate e, posteriormente, arquivada. O erro já foi corrigido, e o Omelete publicou o outro lado da produtora Joana Henning, que pode ser lido neste link

 

Nota do Crítico
Regular
O Caso Celso Daniel
Encerrada (2022-2022)
O Caso Celso Daniel
Encerrada (2022-2022)

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
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