Oscar aliena o seu único público ao excluir categorias da cerimônia principal

Créditos da imagem: Hildur Gudnadottir levou o Oscar de melhor trilha sonora em 2020, por Coringa (MARK RALSTON / AFP)

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Oscar aliena o seu único público ao excluir categorias da cerimônia principal

Emmy e Grammy provam que estratégia, inclusive, não faz audiência aumentar

Omelete
5 min de leitura
23.02.2022, às 11H59.

Quando o Oscar 2022 for ao ar, em 27 de março, nem todos os profissionais da indústria do cinema serão celebrados igualmente. Isso porque a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas - que, como o próprio nome denuncia, tem como objetivo expresso (embora nem sempre cumprido) a apreciação e conservação do cinema - decidiu que é mais importante tentar atrair para a cerimônia um público que não se importa, e provavelmente nunca vai se importar, com ela.

Na noite de ontem (22), foi anunciado que oito das 23 categorias do Oscar 2022 não serão apresentadas durante a cerimônia principal. As escolhidas foram Melhor Edição, Melhor Trilha Sonora, Melhor Som, Melhor Cabelo & Maquiagem, Melhor Figurino, Melhor Documentário em Curta-Metragem, Melhor Curta-Metragem Animado e Melhor Curta-Metragem em Live-Action.

Ao invés de terem seu espaço na transmissão ao vivo, essas categorias serão anunciadas uma hora antes, com as gravações dos discursos dos vencedores (editadas, é claro) aparecendo depois no meio da cerimônia. A Academia garante que todos terão “seu momento de celebração”, e que os prêmios escolhidos para exclusão serão apresentados diante de uma plateia completa, no mesmo Dolby Theatre em que acontecerá a cerimônia ao vivo.

A tentativa de suavizar o ato de exclusão não convence: é difícil imaginar, por exemplo, que a Academia vai tirar as suas maiores estrelas do tapete vermelho, por si só um evento televisivo lucrativo, para aplaudir colegas bem menos famosos em uma cerimônia que nunca será vista na íntegra pelo público. O que deve acontecer é que editores, maquiadores, figurinistas e cia. receberão suas estatuetas diante de uma plateia formada por outros indicados nas mesmas categorias, além de trabalhadores menos glamourosos da indústria (executivos, agentes, etc).

Ruth E. Carter levou o Oscar de melhor figurino por Pantera Negra, em 2019 (Robyn BECK / AFP)

Não importa em que termos a Academia coloque, trata-se de um rebaixamento, e um rebaixamento em nome de tornar o Oscar um programa de TV mais palatável - porque é isso que ele é, rendendo milhões de dólares em comerciais para emissoras ao redor do mundo. Com menos categorias para apresentar ao vivo, os produtores do show teoricamente poderão incluir mais conteúdo considerado atraente para o público geral, que provavelmente prefere mesmo ver as apresentadoras Regina Hall, Wanda Sykes e Amy Schumer fazendo graça no palco do que assistir a discursos de técnicos de som ou diretores de curta-metragem.

Esse é um erro de cálculo grosseiro, no entanto. Como o ator Seth Rogen observou astutamente em entrevista de algumas semanas atrás, o público geral não se importa com o Oscar… e por que deveria? "Nenhuma outra indústria espera que o mundo todo se importe com os prêmios que eles dão a si mesmos”, alfinetou Rogen. Quase 100 anos depois de sua criação, parece que o prêmio da Academia cresceu demais e se esqueceu do seu status como celebração da indústria pela indústria.

Assim como os profissionais do futebol e os fanáticos pelo esporte são os únicos que se importam o bastante com a Bola de Ouro da FIFA, por exemplo, para sintonizar a transmissão ao vivo da premiação, o Oscar é acompanhado de verdade só por quem trabalha em cinema e/ou ama cinema. O elusivo “público geral” que a Academia quer capturar com suas mais recentes decisões, quando muito, checa os vencedores dos prêmios principais em algum portal de notícias ou rede social (indicamos a cobertura do Omelete, inclusive!).

Quer uma prova? O Emmy e o Grammy, também premiações “da indústria para a indústria”, estão enfrentando recordes negativos de audiência nos últimos anos, mesmo revelando, já há muitos anos, os vencedores de várias de suas categorias em cerimônias secundárias e eventos de tapete vermelho. É verdade que, no caso desses dois prêmios, a divisão é mais por necessidade do que qualquer outra coisa, já que ambos têm dezenas de categorias a mais do que o Oscar, mas o ponto permanece: fingir que um evento de nicho é na verdade um espetáculo popular não convence ninguém a assisti-lo.

Kobe Bryant levou o Oscar de melhor curta-metragem de animação por Love & Basketball, em 2018 (FREDERIC J. BROWN / AFP)

Quer outra prova? Em 2022, a Globo decidiu que não vai exibir o Oscar na programação da TV aberta, relegando a cerimônia ao vivo à plataforma de streaming Globoplay. É um outro tipo de “rebaixamento”, menos surpreendente: já há bons anos a premiação da Academia é a única da indústria americana a receber transmissão pela rede aberta brasileira, enquanto outras (Emmy, Grammy, Critics Choice Awards, SAG Awards etc) se contentam com um espaço em canais fechados e streamings, por natureza mais voltados a atender nichos de consumidores específicos.

O Oscar precisa reavaliar o seu ego, entender melhor a sua dimensão, e assim servir melhor ao único público que de fato tem como cativo: gente que ama cinema. E gente que ama cinema aprecia a importância do trabalho de um Hans Zimmer e um Jonnny Greenwood (indicados este ano em melhor trilha sonora, por Duna e Ataque dos Cães), entende a magia do formato curta-metragem e o quanto ele é importante para formar cineastas e atores, sabe que Cruella não seria nada (nada!) sem as criações geniais da figurinista Jenny Beavan.

Gente que ama cinema vai virar as costas para o Oscar se começar a ficar claro que, bom… o Oscar não ama cinema tanto assim. E daí eu quero ver como ficarão os tais números de audiência.

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