Brasileiro é um ser engraçado. Nós temos dois lados aparentemente opostos – o torcedor, que nunca desiste e sempre acredita na vitória, e o desmerecedor, que parece constantemente colocar nossas próprias estrelas pra baixo. É assim no futebol, nas Olimpíadas, na música e, claro, no cinema. Essa segunda atitude, eu penso, é um mecanismo de defesa para se proteger psicologicamente de possíveis derrotas. Veremos isso em prática caso Ainda Estou Aqui não ganhe nenhum dos três Oscars para o qual foi indicado.
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Mas – e não quero soar derrotista – a vitória já veio: esta é a primeira produção (majoritariamente) brasileira indicada a Melhor Filme no Oscar, feito que vem acompanhado também de vagas em Melhor Filme Internacional e para Melhor Atriz, onde Fernanda Torres está. 23 de janeiro de 2025 é, sem dúvidas, um dos dias mais importantes, alegres e memoráveis da cultura brasileira como um todo. Este dia, porém, não é um acidente. O sucesso do filme de Walter Salles na premiação mais conhecida da sétima arte não veio do nada, e nem é o final de uma grande história. O que Ainda Estou Aqui fez foi nos dar a jóia da coroa de um grande momento do cinema nacional que vem sendo forjada por cineastas de todo o canto, longas-metragens de todos os tipos e muito, muito sucesso internacional.
Não é preciso nem voltar muito tempo para exemplificar o último ponto. Ainda nesta semana, dois longas e um curta brasileiro foram selecionados para o prestigiado Festival de Berlim. Isto vem depois do Festival de Veneza, onde Ainda Estou Aqui ganhou o prêmio de Melhor Roteiro, do Festival de Cannes 2024, com dois longas e dois curtas, de Cannes 2023, onde ganhamos a mostra Un Certain Regard com A Flor de Buriti, do Festival de Tribeca 2023, onde Estranho Caminho levou quatro estatuetas, inclusive a de Melhor Filme. Assim vai.
Se parece fácil transformar esse artigo numa lista de feitos do cinema brasileiro lá fora, isto é porque, de fato, é fácil. O que acontece é que o Oscar e o Globo de Ouro trazem uma atenção midiática diferenciada, tanto por serem transmitidos ao vivo e cobertos por mais veículos, quanto por serem marcas mais conhecidas. Para quem não acompanha o cinema mais de perto, é fácil enxergar o dia de hoje como uma aberração histórica. A verdade, contudo, é que ele está mais para a confirmação de um movimento que já vinha ganhando força, e que não parece próximo de acabar.
2025, além dos filmes em Berlim, provavelmente verá o Brasil retornar a Cannes com O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho (Bacurau) e Wagner Moura, ator que cada vez mais ganha espaço no mundo todo, como vimos em Guerra Civil, da A24, no ano passado. Por aqui, o vencedor do Festival de Gramado e aclamadíssimo Oeste Outra Vez finalmente será lançado no circuito, e o ano já teve seu primeiro grande lançamento com Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa.
Pode parecer estranho sair dos queridinhos de festivais para um filme da Turma da Mônica, mas eles fazem parte da mesma história. Não são só prêmios: o cinema brasileiro vive um de seus melhores momentos comercialmente, também. No último fim de semana, três dos cinco filmes mais vistos no país foram produções nacionais, e elas mostram a nossa variedade. Entre Ainda Estou Aqui, Chico Bento e O Auto da Compadecida 2 há um drama familiar, uma aventura infantil e uma continuação de um clássico brasileiro.
Estão acabando os argumentos para desmerecer nosso cinema. Olhe pelo ângulo que preferir e a história é a mesma: o cinema brasileiro vive um grande momento que foi pontuado pelo Oscar 2025. Se Ainda Estou Aqui ganhar algum de seus prêmios, adicionaremos mais uma exclamação a essa história. O fato, contudo, é que ela já está sendo contada. Hoje, o Oscar fez mais pessoas perceberem isso, mas ela já está aí. Uma história de cinema.