“Você é livre quando gasta tempo da sua vida com o que te motiva, com o que gosta. Para uns pode ser jogar bola, outros pescar, estudar uma molécula, arte. É que somos diferentes, mas ter uma causa, uma paixão… leva tempo. É uma filosofia de vida”.
Enquanto eu estava no evento de lançamento dos novos serviços do Airbnb, soube que Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e dono da fala acima, tinha falecido. A primeira foto no meu feed do Instagram trazia em letras garrafais o acontecimento e, como tudo na internet, uma sucessão de vídeos, imagens e memes inundou toda rede social. Curiosamente, o vídeo com aquela frase conversava demais com o meu dia. O Airbnb, pela primeira vez, ia oferecer serviços específicos e também experiências focadas em estreitar laços fora das telas. Até ali, pra mim, a ligação entre os temas era interessante, mas se tornou algo inesquecível quando eu fui convidado para ouvir o novo álbum de Chance the Rapper numa viagem sensorial que, mal sabia eu, mudaria a forma como eu enxergava esse tipo de experiência - e consequentemente todos os outros atributos apresentados pela plataforma.
A apresentação foi realizada em Los Angeles em um galpão que foi ocupado por algumas centenas de jornalistas, celebridades e influenciadores. Eu sentei na plateia, bem perto do palco, mas fui incapaz de ver ao vivo um só astro de Hollywoo. De toda forma, as redes sociais me mostraram que Adria Arjona, Kevin Costner, Kevin Hart, Orlando Bloom e vários outros estavam por lá também. Pelo alto número de celulares e câmeras ativadas, dividi espaço com criadores de conteúdo com milhões de seguidores ao redor do mundo, alguns rostos familiares, outros nem tanto. Ao fim da conferência, conversei com o líder de marketing da empresa, Hiroki Asai, que reforçou a ideia de que “conectar pessoas no mundo real” move o Airbnb mais do que nunca. “As pessoas quando viajam estão em um estado mental mais aberto, mais disposto, e é neste momento que temos as melhores experiências e memórias da nossa vida. Queremos potencializar isso com o Airbnb”, disse Asai - e aquilo ficou na minha mente. Será mesmo?
Uma viagem sensorial com Chance The Rapper
O novo app do Airbnb apresentado em Los Angeles
Papo encerrado, esperei algumas horas para finalmente ter uma Experiência Original Airbnb. Eu já havia usado algumas em viagens com a família, reservei casas para passeios com amigos, mas nunca tinha participado de algo “Original”, que só pudesse ser feito com a plataforma. Eles não revelaram nenhum detalhe do que seria até entrarmos na van que nos levaria ao local. A assessora, feliz da vida, pediu tambores para revelar que teríamos uma tarde com Chance the Rapper. Criado em Chicago e nascido em 1993, Chance venceu três Grammys e se diferencia por não ter vínculo com grandes gravadoras. Ele é independente. Por isso, talvez, o nome dele venha, para a audiência brasileira, depois de rappers como Kanye West, Jay-Z, Drake ou Frank Ocean, mesmo que tenha reconhecimento amplo no cenário.
Eu conhecia a obra de Chance principalmente pelas colaborações com Kanye, Childish Gambino, Justin Bieber e Cardi B. Por isso, o ceticismo tradicional se uniu a uma curiosidade genuína de conhecer mais o artista. Eis que a experiência começou. Dentro de outro galpão, agora propriedade da ChromaSonic, uma empresa de experiências sensoriais, eu ia ouvir as primeiras faixas do novo álbum de Chance de uma forma que ele pensou ser “a melhor possível” e consumí-lo. Tudo começou numa sala escura onde uma moça me orientou a controlar melhor a respiração e, aos poucos, entrar num estado mental de “liberdade”.
Uma das salas com a experiência sensorial do Airbnb
A segunda sala era um vão tomado por cubículos translúcidos que expandiam as luzes coloridas do teto, todas no mesmo ritmo dos sons que vinham de caixas espalhadas pelo local. Sentado em um dos espaços, me senti em um cenário de Blade Runner ou um filme de David Lynch, em que aos poucos eu começo a duvidar do que estou vendo. As pessoas se transformavam em vultos, eu fecho os olhos e vejo formas estranhas, mas minha mente aos poucos se tranquiliza. Os sons passam de uma batida rítmica para barulhos naturais como uma chuva calma e serena. O tom azulado da iluminação desacelera minhas batidas cardíacas. Passados quase dez minutos naquela pseudo Mulholland Drive, eu deixo a desconfiança e o celular de lado. Já tinha imagens suficientes e não tinha sentido estar ali se não fosse para aproveitar (seja lá o que isso significava).
Os últimos dez minutos foram como uma sessão de terapia com sons e luzes. Se eu lesse em algum lugar ou alguém me contasse que isso funcionaria para me acalmar e clarear meus pensamentos, tenho certeza que eu diria que era bobagem. Pois foi justamente o que aconteceu comigo. Terminada aquela parte da experiência eu estava mais leve. Porém, eu só entenderia de fato quão relevante esse momento foi quando conhecesse Chance e ouvisse o que ele tinha para dizer.
A terceira e última etapa foi em outra sala escura, com puffs gigantes espalhados no chão e um fone de ouvido para cada pessoa. O músico entrou e pediu para que ninguém usasse o celular, e que se fosse para olhar para uma tela, que fossem as projeções que estariam nas paredes. “Não tem problema se você precisar usar o celular, só peço que saia pela porta e depois volte”, solicitou, educadamente. Chance preparou onze faixas do novo álbum, Star Line, que ainda não tem data de lançamento, nem sequer garantia de que todas essas músicas estarão na versão final. Segundo ele, foram mais de cinco anos de trabalho, e aquela seria a experiência ideal para aproveita-lo, ainda que seja algo extremamente exclusivo disponível no Airbnb. “Ouçam e eu volto depois para conversarmos”.
Chance the Rapper conversando sobre o seu novo álbum, Star Line
Uma filosofia de vida: "eu quero ser entendido"
Luzes apagadas, fones no ouvido. A primeira música fala com otimismo sobre a conexão com as pessoas, fé e como cuidar um do outro. O rap melódico se mistura com R&B e um coro gospel com um refrão sobre “velocidade da luz”, e a segunda faixa reforça versos mais melancólicos. Luto, amor, racismo e até sustentabilidade passeiam pelos versos entoados não só por Chance, mas também por Lil Wayne e Lauryn Hill, ambos parceiros dele no álbum. Deitado ali e, agora sim, livre das pré concepções que o evento corporativo em si proporcionam a qualquer pessoa há anos neste meio, tive a real sensação de poder estar vivendo algo original. Único. A experiência de aproveitar a arte em estado tão puro, ainda rudimentar, mas extremamente natural e pessoal, torna tudo mais significante. As músicas falaram comigo não só pelos temas, pela força das letras, mas pela jornada que eu tive até ali. Dos anúncios até a sala de luzes, passando pela morte de Mujica e as frases Asai.
Quando eu tirei o fone e Chance apareceu na minha frente, tive convicção de que precisava baixar todas as mixtapes que ele já havia lançado - mas primeiro eu precisava escutar o que levou o cara a criar aquilo. “Passei os últimos cinco anos viajando o mundo, e acho que as músicas que escrevi falam sobre problemas que eu vi se repetirem na minha cidade (Chicago) e em vários outros lugares, seja na África, EUA ou América Latina”. Chance disse que “tenta escrever sobre as experiências de vida e misturar com o que ele consome”. Mas o que ele consome? “Eu não leio muito, mas eu amo filmes e YouTube. E amo conhecer e ouvir as pessoas. Minhas letras são cheias de referências que vi em filmes”. Achei curioso, pois as músicas fazem referências muito específicas a movimentos da comunidade negra, navios da época de escravos, dogmas da igreja. São conexões profundas na cultura contemporânea.
“Minha família tem laços fortes com a comunidade, além de ter ligação com Gana. Conheci a história do primeiro presidente, Kwame Nkrumah, e como ele mudou a trajetória do país. Ouvi histórias dos locais e aprendi sobre o movimento que ele iniciou para libertar o país do imperialismo inglês”. Em poucos minutos e algumas falas, Chance destruiu alguns pré-conceitos de sabedoria 'popular'. O cidadão ao mesmo tempo que admitia não ler muito, deu uma aula sobre cultura, sem soar pedante e de lambuja deixou evidente como alguém criado entre os anos 1990 e 2000 se informa com profundidade. O rapper é contradição em pessoa, se olharmos o modelo vendido em redes sociais. Prefere filmes a livros, o presencial às telas, é independente e popular num gênero alavancado por grandes gravadoras. Como então ser um artista assim num mundo em que precisa-se lutar por atenção a cada segundo? Ele respondeu assim…
“Tem gente que cria algo para ser ouvido. Outros para serem vistos. Eu quero ser entendido. Eu espero que as pessoas me ouçam e sintam que tem algo por baixo da superfície. Eu quero que elas escutem minha música e entendam o que eu falo. Por isso que criei isso aqui, e até por isso que penso nas minhas músicas como algo mais curto, que você possa encaixar no seu dia. Eu sei que é difícil ter tempo hoje. (…) Eu sou independente e seguirei assim. Meu meio principal é a música, mas vou explorar novas possibilidades com artistas visuais. É algo que eu tenho estudado nos últimos anos, e farei mais disso. Espero que isso ajude as pessoas a me entender”.
A filosofia de vida de Chance é ser entendido por uma geração que não busca entender, só consumir (e julgar). Ninguém digere, só engole. A forma que ele achou para fazer isso foi uma experiência sensorial feita para afastar as pessoas das telas, pelo menos. Não deixa de ser irônico, até assustador, que Chance e Airbnb se conectem por essas contradições. Um artista novo em busca de conexões fora das telas, um aplicativo que enxerga na troca pessoal e essencialmente presencial o valor do seu negócio. Mas é justamente por ser uma amálgama de sensações que essa experiência me marcou tanto. E apesar de eu estar (ainda mais) cheio de dúvidas sobre como nossa sociedade aproveita o ócio, saio convicto, como disse Mujica, de que não existe nada melhor do que gastar tempo com o que você gosta, mas longe das telas, e perto das pessoas.
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