Em Meu Ídolo, ideias e realidades se chocam para criar um bom suspense
K-drama coloca Sooyoung como advogada defendendo seu idol favorito
Créditos da imagem: Cena de Meu Ídolo (Reprodução)
Na narração que abre Meu Ídolo, Maeng Se-na (Choi Sooyoung) poetiza sobre as noites em que sonha com Do Ra-ik (Kim Jae-young), o seu idol favorito. “Quando acordo, não consigo evitar de cair em fantasias bobas” sobre como nos encontraríamos na vida real, diz a advogada, colocando em palavras uma ideação que talvez seja recorrente para qualquer fã ardoroso por aí. Meu Ídolo é sobre quando essas ideações, e a expressão delas, atravessam a linha da fantasia e se tornam atentado à integridade do outro. Quando a fantasia se torna doença e, acima até disso, crime.
A protagonista do k-drama, é claro, está em posição ideal para estimular essa discussão: quando não está se dedicando a Do Ra-ik e ao seu grupo, os Gold Boys, ela é uma advogada com reputação por assumir os casos mais temidos e polêmicos do país – e sair deles vitoriosa. O episódio inicial de Meu Ídolo a constrói como uma contraposição de ideias e realidades, a primeira de muitas na qual funda sua dramaturgia: na aparência, a profissional casca-grossa de morais duvidosas, que não parece ter vida fora do trabalho; no íntimo, uma jovem sensível que usa a música, e a comunidade ligada a ela, como conforto diante das complicações do mundo.
O roteiro, assinado por Kim Da-rin, poderia cair fácil numa curva misógina de desconstrução do lado profissional dessa protagonista feminina, ou se render ao impulso ainda mais virulento de condená-la por seu interesse extracurricular. Ao invés disso, o que vemos nesse primeiro episódio é um reconhecimento de certas tendências isolacionistas, uma sugestão de que elas estão conectadas a um passado que ainda precisamos descobrir, mas também um reconhecimento da funcionalidade dessa “vida dupla” que Se-na parece viver. É possível ser um adulto bem-sucedido e ser fã, mas também é preciso manter um olhar para si mesmo quando se desenham tendências parassociais, especialmente numa época tão alienante, e tão individualista, quando a nossa.
Há, enfim, muita doçura na forma Meu Ídolo aborda os dilemas do fã contemporâneo – e também em como Sooyoung (integrante do Girls’ Generation e, portanto, conhecedora profunda das idiosincrasias que precisa interpretar aqui) encontra as expressões mais suaves e jubilantes do “gostar” de algo. O que a série também tem, no entanto, é um olhar acusatório e penetrante sobre os extremos tóxicos da cultura da celebridade, encarnados em seu outro protagonista.
Ra-ik nos é apresentado como um artista exigente, motivado a manter sua relevância a qualquer custo, mas também um homem sitiado. Enquanto fãs obsessivos (na linguagem do k-content, sasaengs) minam sua saúde mental, a gravadora avisa que seu valor como produto está diminuindo com o passar dos anos, e o ressentimento entre os colegas de grupo se intensifica. Meu Ídolo fala da intoxicação ansiosa da indústria do entretenimento como um ciclo inquebrável, que confia na dependência financeira e emocional de criadores e consumidores para seguir dessa forma. Mas e quando algo extremo demais para ser encoberto quebra esse ciclo?
No limiar entre o drama legal e a história de bastidores, caminhando com cuidado entre o indiciamento e a compreensão das culturas em que se embrenha, Meu Ídolo mostra, acima de tudo, uma eloquência dramatúrgica que o faz imediatamente envolvente. É um começo auspicioso para um dos k-dramas que devem abrir o ano de 2026 na crista da onda.
*Meu Ídolo é distribuída no Brasil pela Netflix, Rakuten Viki e KOCOWA+. Os novos episódios serão lançados em agenda semanal, às segundas e terças-feiras.