Tudo a respeito do jornalismo é sobre rapidez — o primeiro a dar notícia, o primeiro a jogar um novo game — e isso muitas vezes acaba afetando a forma como nos relacionamos com o conteúdo. The Alters, desenvolvido pelo 11 bit studios, estreou dia 13 de junho e por um erro do destino ele ficou perdido em uma caixa de spam. Mas eu não poderia ter pedido uma forma melhor de testar o jogo, com tempo, paciência, sem a pressão do prazo e com todas as regalias para curtir as sutilezas e as lições que o título traz.
Na pele de Jan Dolski — um viajante espacial em uma missão para encontrar rapidium, o material mais raro do universo — o jogador é o tempo todo confrontado com as consequências de suas escolhas. E aqui vai o aviso: é impossível falar sobre o jogo sem dar nenhum tipo de spoiler, e esse texto é o resultado de muito esforço.
Depois de cair em um planeta desolado e perder toda a sua tripulação, Jan enfrenta a ideia de ter que se ramificar em diversas personalidades para operar e comandar uma imensa base móvel. Através de um computador quântico, o protagonista pode ver toda a sequência dos acontecimentos mais importantes de sua vida e mudar escolhas cruciais que ele tomou, gerando assim diferentes versões dele mesmo, que resultam em clones modificados em um efeito borboleta.
O principal objetivo de Jan é, claro, a sua sobrevivência, mas ele tem que lidar ao mesmo tempo com sua ex-esposa, uma corporação sombria e duas figuras que supostamente querem ajudá-lo. Isolado em um ambiente hostil, cercado apenas de seus alters, você tem que decidir em quem confiar e tomar as mais difíceis decisões ao longo do caminho, enquanto tenta manter a paz entre seus clones com personalidades completamente distintas.
Ter tempo para explorar as diversas possibilidades e voltar às decisões que não lhe agradaram faz parte da experiência e é extremamente enriquecedor. A forma de salvamento do jogo facilita muito esse passeio entre diversas possibilidades, já que ele cria um arquivo diferente para cada dia.
Ainda sobre a narrativa envolvente, é impressionante a profundidade que o estúdio conseguiu explorar a complexidade da psique humana e de temas como o destino e a essência que nos faz humanos. Ao tomar uma decisão diferente na vida de Jan Dolski, é criado um caminho completamente distinto, com lições, aprendizados e consequências novas. Parte da história é o protagonista aprendendo a lidar com os erros de seu passado e perceber que nem toda decisão é boa ou ruim, entendendo que é importante também perdoar o seu passado.
A vida de Jan Dolski é, ao mesmo tempo, tratada de uma forma muito individual a esse personagem e muito pessoal ao jogador, conversando com uma gama de experiências universais — como o medo do fracasso, a culpa por suas decisões e a vontade de reescrever o passado — que são capazes de tocar a alma de praticamente qualquer pessoa. A forma como The Alters lida com temas complexos, decisões éticas, consequências e ensina a conviver com as diferenças, mas tentando manter a objetividade, vem de forma natural através da história.
Definitivamente a narrativa é a parte mais importante e fundamental em The Alters, mas é obrigatório comentar sobre como o senso de urgência é criado através de sua mecânica de sobrevivência. Tempo é um recurso escasso no jogo, e a constante aproximação do Sol, que trará sua completa dizimação, faz com que as decisões pareçam ser mais apressadas. Dentro da base, seu personagem enfrenta um drama pessoal de proporções cinematográficas, e do lado de fora ele é constantemente forçado a ser eficiente e objetivo.
A base necessita de recursos, manter seus alters requer recursos, e a cada minuto um novo desafio emerge no horizonte. O sistema é simples, mas extremamente agradável de se jogar. É preciso encontrar os depósitos de cada um dos recursos que o planeta oferece: metais, minerais, materiais orgânicos e, é claro, escanear o local até encontrar um depósito profundo para ali estabelecer seu ponto de mineração. Também é possível encontrar esses recursos na superfície, mas eles não vão manter sua base funcionando por muito tempo. Explorar o mapa é uma parte essencial e é um processo divertido pelos três atos do jogo, cada um com seu cenário próprio. Apesar de não muito grandes, cada local tem diversos cantos a serem descobertos, sempre com pelo menos uma recompensa.
Além de criar seus postos de mineração, é importante estabelecer a conexão entre eles e a base, formando pontos de viagem rápida — outro artifício importante para reduzir o tempo de exploração em locais muito distantes. Na construção de base o estúdio já era bastante conhecido por Frost Punk, então dispensa muitas apresentações. É possível criar diversos novos cômodos e organizá-los da forma que o jogador quiser. Há diversas pesquisas que o cientista pode fazer, que vão desde melhorias no traje, eficiência em mineração, e pesquisas relacionadas à missão principal, entre outras. Como a base é móvel, ela possui um limite de módulos que podem ser instalados, mas que também pode ser aprimorado.
O microgerenciamento é excelente: simples e organizado, já que os próprios alters, quando não têm mais trabalho a fazer, pedem para ser atribuídos a novas funções. Isso aparece de forma bem visível com uma caixa de diálogo ao lado da figura de cada um, que o jogador pode aceitar ou não. Há também uma forma de programar que recursos básicos tenham sempre um estoque prévio para evitar crises.
Para jogar The Alters é necessário tempo, flexibilidade e alguns momentos de contemplação para apreciar tudo o que o título tem a oferecer. A beleza está nos detalhes, e aqui está nas minúcias dos diálogos, nas sutis diferenças de cada personalidade de uma mesma pessoa, na forma como a narrativa te amarra, te engaja e te arrasta junto com ela, em um cenário onde o tempo é precioso e escasso. É irônico que um título que fala tanto sobre destino, escolhas e até um certo efeito borboleta tenha se perdido entre milhares de emails e me dado a oportunidade de explorar toda a sua elegância com tempo, clareza e tranquilidade.
The Alters
The Alters
Lançamento: 13.06.2025
Desenvolvedora: 11 bit studios
Publicadora: 11 bit studios
Gênero: Sobrevivência
Classificação: 16 anos
Plataformas: Xbox Series X , PlayStation 5 , PC
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