Quando eu cheguei a Cleveland (EUA), onde James Gunn estava filmando uma grande cena de ação com David Corenswet para o reboot de Superman que dará início ao universo do DC Studios, parecia que eu já conhecia tudo ao meu redor. Hoje, depois de trailers, imagens e pôsteres oficiais, é fácil de esquecer, mas em julho de 2024, quando visitei o set do filme, fotos do local estavam circulando com força total na internet. Elas nos deram nosso primeiro vislumbre de Lois Lane, Lanterna Verde e mostravam o herói em ação quase diariamente.
Depois de ver dezenas de imagens das ruas de Cleveland, onde Gunn e a equipe do filme construíram sua Metrópolis, agora era hora de caminhar por elas. O que as fotos não revelavam com fidelidade era o tamanho do lugar. A cidade é vasta, com ruas largas e praças, como aquela onde o set havia sido instalado, amplas, e seu horizonte é marcado por prédios grandes — poucos arranham os céus, mas muitos são largos, com tetos altos e fachadas que parecem, apropriadamente, vindas de outro mundo.
É um ambiente marcante, mas que, por não ser Nova York ou Los Angeles, com suas silhuetas já tão comuns na cultura pop, não parece nada que você já viu nos blockbusters de Hollywood, e por não ser genérico como Atlanta, onde filmes de heróis vão para aproveitar estúdios fechados e benefícios fiscais, há uma clara identidade visual que combina com a principal palavra usada por Beth Mickle, designer de produção, e outros membros da equipe naquele 2 de julho ensolarado para descrever Metrópolis: “atemporal.”
De fato, entrar naquele set era como sair do tempo e espaço fixo. Em nossa conversa, Gunn fez questão de destacar que, diferente do MCU, onde junto com invenções fictícias como Wakanda há cidades reais, o DCU não se passa no nosso mundo. Aquele é outro universo. Não existe Nova York ou Chicago, mas sim Metrópolis e Gotham. No dia seguinte à visita, antes do meu voo de volta, fui andando até o set e fiquei um tempo observando de longe. Dessa vez, eu não podia entrar, mas o momento reforçou uma impressão que tive no dia anterior: era impossível dizer onde Cleveland terminava e o set de Metrópolis começava. Então, talvez eu tenha entrado novamente, talvez não.
A incerteza contribuiu para esse sentimento de deslocamento. Cafeterias ainda funcionavam, mas redesenhadas como franquias do universo DC (como o Big Belly Burger), cidadãos caminhavam na calçada em direção ao seu trabalho enquanto figurantes esperavam o próximo comando. Carros reais criavam engarrafamentos falsos. E no meio daquilo tudo: Superman.
Seria tentador apelar para a poesia e diagnosticar a presença de um personagem que Gunn e Corenswet descrevem como “otimista” e “alegre” no centro do projeto como a causa para o clima alegre, leve e divertido que senti no meu tempo em Cleveland, mas esse é um mandato que veio do próprio diretor. “Podemos trabalhar muito duro, prestar muita atenção ao que está acontecendo e cuidar bem um do outro ao mesmo tempo”, explicou Corenswet. “Essa foi, na verdade, a primeira coisa que James [Gunn] me disse quando me ligou para dizer que eu tinha conseguido o papel: ‘Trabalhei com Chris Pratt [em Guardiões da Galáxia] e John Cena a [em O Esquadrão Suicida e Pacificador] mais vezes do que com qualquer outro ator na minha carreira, e eles são dois dos caras mais decentes que você vai conhecer. E isso é extremamente importante para mim, é que nós dois’, ele e eu, ‘vamos dar o tom no set de que este é um bom lugar para trabalhar.’”
Essa foi uma das respostas que me fez perceber como o ator parece encarnar o personagem até fora de tela – confira nossa entrevista completa aqui – e também uma fala condizente com o que eu havia visto. A primeira cena que observei foi quando, devido a um golpe do Superman, que joga uma caixa d'água no kaiju que surge em Metrópolis, um grupo de civis observando o herói em ação leva um banho de água. Por se tratar de uma gravação apenas com figurantes, esse não é o tipo de coisa que recebe muito destaque, mas foi notável como o último take – quando Gunn instruiu todos a celebrarem porque eles “acabaram de levar um banho por conta do Superman, isso é incrível!” – foi o que pareceu mais honesto. Eram situações como essa, ou como um outra, em que notei a atriz-mirim que era salva por Corenswet em outra cena estampando um sorriso de quem estava ao lado do Superman, transbordando a alegria que o personagem deve representar.
E não se engane, essa é a versão do herói que veremos em julho de 2025. Se o filme de Richard Donner viu Christopher Reeve pelas lentes românticas de uma Hollywood ainda estranha aos heróis, e o Homem de Aço fez de Henry Cavill, aos olhos de Zack Snyder, um deus alienígena sem muita humanidade, Corenswet — que admitiu não querer, e nem achar sábio devido à caracterização desse filme, tentar ficar com o corpo de Cavill — viverá um Superman descrito por Gunn como o “maior dos rejeitados, e o maior dos incluídos.”
Um dos dois CEOs do DC Studios, Gunn não quis, inicialmente, assumir Superman como seu próximo filme. Apesar da insistência do outro chefão do estúdio, Peter Safran, que nos disse que o diretor colocou todo seu coração nesse trabalho, o cineasta de Guardiões da Galáxia admitiu que considerava o personagem “normal demais” para alguém com suas sensibilidades. De fato, o homem que nos fez chorar por Rocket Raccoon e Bolinha não parece a escolha óbvia, mas então, ele encontrou a história. Ela veio pelo entendimento da eterna contradição de Clark Kent, que como ele descreveu, vive eternamente do lado de fora por ser um extraterrestre em meio a humanos, mas devido ao seu crescimento e princípios, exerce mais humanidade do que a maioria dos terráqueos. Gunn nos revelou que uma chavinha em sua cabeça virou quando ele percebeu que Superman era uma boa pessoa num mundo mal. Ou, como disse Safran: “alguém definido por bondade num mundo que vê bondade como uma fraqueza”.
Essa é uma das razões pelas quais, por mais que a história do novo filme, centrada num Superman em atividade há poucos anos e não no seu auge, Gunn faça questão de comparar o longa com o histórico quadrinho Grandes Astros Superman. Também citada por Corenswet, essa HQ, talvez a melhor do personagem, se não de toda a história da DC Comics, é de onde o novo filme tira seu DNA. “Em tom, caracterização, abordagem, em tudo vamos para Grandes Astros Superman,” me contou o diretor, que pareceu gostar de me ouvir lembrar da história que Grant Morrison e Frank Quitely, os responsáveis pelo quadrinho, contam sobre a arte de sua capa.
De acordo com Morrison e Quitely, quando ainda estavam construindo o que viraria um épico sobre a dualidade de um homem capaz de super, e de um super que nunca deixa de ser um homem, os dois chamaram um homem vestido de Superman que esbarrou neles durante uma SDCC para sua suíte num hotel, e lá perguntaram o que ele gostava em Clark Kent. O homem colocou os cotovelos nos joelhos, e sua capa cobriu os ombros. Morrison observou naquela cena a chave perfeita para iniciar Grandes Astros: o alienígena superpoderoso numa pose profundamente humana. A imagem final, desenhada por Quitely, é imediatamente icônica: Superman, com um sorriso relaxado e um olhar tranquilo, nos observa sentado numa nuvem. A capa, claro, cobre seus ombros.
Pensei nessa imagem imediatamente quando vi a primeira foto do Superman de David Corenswet no reboot dirigido por James Gunn: o herói com cara de cansado, roupa suja, vestindo as botas (que segundo Corenswet são surpreendentemente confortáveis) depois de um longo dia (que ainda não acabou).
Enquanto fazia a comparação entre essa foto e a capa de Grandes Astros, Gunn exclamou “sim!” algumas vezes, como alguém que via sua visão reconhecida, e por tabela me deixou confiante. Eu não sei se Superman é meu herói favorito, mas penso no filho de Krypton mais do que em qualquer outro personagem da Marvel ou DC. A razão é simples: por mais que goste, em graus diferentes, do Superman de 1978 e de Homem de Aço, eu acho que a verdadeira riqueza da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster não foi, até hoje, explorada como deve ser pelo cinema.
Sim, Superman é um herói romântico, e sim, ele é um alienígena messiânico, mas nem Reeve nem Snyder colocaram em tela aquilo que torna esse personagem especial, e aquilo que eu e (ouso dizer) Gunn tanto gostamos nele: Superman é como eu ou você. Ele não cresceu numa cidade grande. Ele gosta de coisas que qualquer um gosta. Ele não tem uma mente especial e, apesar de sua super-força, não precisa ter o físico perfeito. Clark Kent é um cara normal, que foi libertado da insegurança e do egoísmo no dia em que se descobriu capaz de derrubar paredes. O poder absoluto, nesta raríssima exceção, não o corrompeu, mas tirou suas amarras para que ele pudesse salvar a todos — inclusive, como vi durante o set visit, um esquilo.
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