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Lola Bunny repensada e Pepé Le Pew excluído são poucos acertos de Space Jam 2

Porque dizer que não sexualização da personagem é "descaracterização" não tem cabimento

16.07.2021, às 11H25.
Atualizada em 20.07.2021, ÀS 14H23

Mesmo podendo tirar proveito da memória afetiva de toda uma geração de críticos que cresceu tendo visto e se divertido com Space Jam: O Jogo do Século (1996), a sequência Space Jam: Um Novo Legado já superou a reprovação conquistada pelo predecessor apenas um dia após seu lançamento. No agregador de avaliações Rotten Tomatoes, o filme protagonizado por LeBron James tem desanimadores 39% de aprovação, enquanto o de Michael Jordan, 44%. Já no Metacritic, a disparidade é mais gritante: 38% para o lançamento desta semana, frente a 59% para a produção de 25 anos atrás.

Os motivos para isso são muitos, mas só para citar alguns: LeBron é altamente carismático, mas incumbido de conduzir todo o arco emocional do filme, perde brilho e mina a credibilidade da história; desta vez, os Looney Tunes não passam de acessórios, soterrados pela insistência da Warner em martelar propriedades mais populares (os heróis da DC, Harry Potter e Game of Thrones, entre outros) e colocados como parceiros do astro da NBA por pura falta de opção (o que não faz sentido, já que o filme é uma parada de personagens mais gabaritados para um jogo de basquete); e o pior: a sequência só se lembra do antecessor para fazer duas ou três piadas, ao invés de pegar emprestado um pouco do carisma que o manteve relevante por duas décadas para temperar uma trama insossa.

Warner Bros./Divulgação

O que definitivamente não é a razão do insucesso do filme é ironicamente um tópico que insiste em aparecer em caixas de comentários, tweets e conversas como se fosse mudar alguma coisa se não existisse: o que um grupo retrógrado de "fãs" (PSC: aspas irônicas) gosta de chamar de "lacração"; ou, para ser mais claro, o fato de Space Jam: Um Novo Legado ter tentado modernizar personagens e narrativas para não incindir em gatilhos de preconceito e reforço de estereótipos. Sim, estou falando da não sexualização de Lola Bunny e a exclusão do gambá Pepé Le Pew.

O caso de Le Pew traz a discussão mais ridícula, por ser a mais óbvia — o personagem não teria o menor espaço em Space Jam: Um Novo Legado. E eu digo isso deixando de lado o fato de que todo o humor de suas histórias gira em torno do constante assédio de uma gata que não o quer.

O novo filme tem como foco principal uma trama de redenção entre pai e filho atrapalhada por um algoritmo do mal, com os Looney Tunes surgindo apenas como alívio cômico e peças de apoio. Com exceção de um momento de brilho em quadra, que não é nem compartilhado por todos do time (Frangolino, por exemplo, não faz nada realmente útil), a história tem pouco tempo para distribuir a todos os personagens. Até o adorado Patolino vira técnico do time e nada faz nos momentos decisivos da trama. Para quê serviria introduzir o gambá, o que obrigatoriamente pediria a introdução da gata Penelope, só para fazer graça com assédio? Não faz sentido, narrativa e comercialmente.

Mesmo que Pepé Le Pew ressurgisse repaginado, galanteando com educação a alguns bons metros de distância e pedindo o "Zap" antes de sair encostando, adicionar ele no filme provavelmente só deixaria Space Jam: Um Novo Legado ainda mais cheio de elementos que não ajudam a história a ser mais divertida ou cativante. E, de qualquer forma, ainda haveria um batalhão de desocupados esperando pela oportunidade de reclamar das roupas de Lola Bunny.

Warner Bros./Divulgação

É impressionante o número de homens adultos de mais de 20 anos que apontam como "descaracterização da personagem" e se incomodam com o fato de que uma coelha antropomórfica animada passou a ser desenhada com um uniforme de basquete em tamanho normal. Traços de caráter são definidos por escolhas de figurino? O que define Lola Bunny e deve ser preservado para manter coesão narrativa é sua postura aventureira, explosiva, destemida e cheia de recursos. O fato de ela ter sido sexualizada exageradamente em O Jogo do Século nunca foi definitivo para a personagem no universo dos Looney Tunes (ou ela deixou de ser a Lola em Looney Tunes Baby e O Show dos Looney Tunes?), mas sim o reflexo de outra característica que, aí sim, é; ela é a paixão da vida do Pernalonga.

Excluindo a possibilidade de que se tratou de um apelo visionário ao boom da cultura furry, prefiro pensar que colocar Lola em roupas curtas e retratada em ângulos invasivos foi como um grupo de homens dos anos 1990 achou que seria mais fácil comunicar aos espectadores o porquê do interesse de "Perna" na coelhinha; um erro que não teria o menor cabimento de ser repetido em 2021. Reduzir o retrato dela à projeção subjetiva da paixão de Pernalonga, sim, é algo que a descaracteriza; tira agência, impacto e personalidade da personagem. Isso se não trabalharmos com a hipótese de que vivemos em uma sociedade impregnada de forma tão suja e baixa pelo machismo estrutural que a sexualização de um desenho infantil aconteceu pura e simplesmente porque não se sabia representar uma mulher de outro jeito.

Warner Bros./Divulgação

De qualquer forma, Lola veste roupas de tamanho normal em Um Novo Legado e passa as duas horas do filme quase livre do male gaze  o ato de representar as mulheres na arte como objetos sexuais — do diretor Malcolm D. Lee (Viagem das Garotas). O realizador e os animadores do filme derrapam quando optam por pousar a câmera no traseiro da coelha em uma cena que mostra a transformação dela de animação 2D para 3D. Para os que acham que objetificá-la garantiria o sucesso do filme: a conta já deveria estar paga aí, mas o filme continua ruim. Para os realmente preocupados com a caracterização: ela segue aventureira, explosiva, destemida e cheia de recursos (sendo até laureada Amazona pela Mulher-Maravilha).

Para aqueles que ainda assim estão bravos com o novo visual: é normal a gente reagir à vergonha com raiva, mas a pré-adolescência é uma loucura e eu não vou julgar um despertar sexual com uma coelha de mentira. Só que já é hora de deixar um desenho infantil ser um desenho infantil. E de você crescer.

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