Filmes

Crítica

Slender Man: Pesadelo Sem Rosto

Lenda urbana da internet chega às telonas com filme datado e história meia boca

24.08.2018, às 14H21.

Como todo meio de comunicação, a internet tem seus próprios gêneros "literários" - principalmente quando se trata de terror. Existem comunidades inteiras dedicadas a creepypastas, histórias horripilantes que são divulgadas em fóruns e crescem por meio da contribuição dos usuários, criando a vasta mitologia de uma narrativa compartilhada.

Joey King em Slender Man: Pesadelo Sem Rosto
Slender Man/Dana Starbard/© 2018 CTMG, Inc./Divulgação

Uma das mais populares é o Slender Man, a criatura sem rosto que assombra crianças e já inspirou horrendos crimes na vida real. Agora,a lenda é adaptada aos cinemas com Pesadelo Sem Rosto.

A trama acompanha um grupo de adolescentes que decide brincar com forças malignas e invocar o Slender Man. Após assistirem a um estranho vídeo, as garotas ficam atormentadas e passam a sentir perturbações, como se estivessem sendo perseguidas. Elas então percebem o nível da ameaça quando Katie (Annalise Basso), uma das meninas, desaparece em uma floresta. Infelizmente não demora muito para o filme beirar o ridículo.

Acontece que o texto de David Birke é carregado com uma única mensagem: a internet pode ser perigosa. Para contar isso, o roteirista apela para mudanças na mitologia da criatura, trocando o terror psicológico causado pelas histórias online por ataques diretos através de tecnologia. É uma forma de explorar as origens virtuais do conto, mas que resulta em um Slender que amedronta com chamadas de vídeo e ligações para as vítimas, elementos que apenas ficam visualmente bobos. Nada exemplifica melhor isso do que citar que a invocação do monstro acontece por um link em um fórum, escrito "Clique aqui para invocá-lo".

A presença tecnológica permeia toda a trama, o que não é necessariamente um problema se feito com a abordagem correta: o que torna a história em um fenômeno cultural é observar como a figura alta, de terno e braços longos têm um efeito duradouro na memória das pessoas - especialmente dos jovens. O problema é que o roteiro parece não ter contato com a cultura de internet que está explorando e nem mesmo com a faixa etária dos personagens. Os diálogos são irrealistas, expositivos e mal escritos.

O longa sequer perde tempo com o desenvolvimento das protagonistas, mesmo que a narrativa constantemente se apoie em elementos como a relação entre as garotas e suas motivações individuais. Isso faz com que todas as decisões pareçam impulsivas e sem motivos, incluindo o próprio conflito central da trama: o Slender Man é invocado apenas para matar o tédio do grupo. Ou quando Hallie (Julia Goldani Telles) abandona Wren (Joey King) para ter um encontro romântico - mesmo após duas de suas amigas já terem morrido. As coisas só acontecem porque elas precisam acontecer. As protagonistas não têm nenhuma personalidade ou características próprias além de "jovem". É impossível criar empatia, o que mata completamente o horror da perseguição.

Mesmo esquecendo o suspense psicológico, o filme também decepciona como terror apelativo ou slasher. Não há construção de tensão para nenhum dos sustos: todos recorrem a barulhos altos para compensar a falta de ameaça, e os mais explícitos se apoiam em computação gráfica de baixa qualidade. Isso deixa o longa visualmente datado, algo que infelizmente combina com a obsessão tecnológica da produção. Resultado: Slender Man parecer um terror barato saído direto do começo dos anos 2000.

A abordagem ao monstro enfraquece seu potencial e só serve para demonstrar que o filme não tinha uma história boa para contar. Se a ideia é explorar como a internet pode ser tenebrosa, documentários como Cuidado com o Slenderman (2016), da HBO, fazem um serviço melhor em mostrar o poder - tão benéfico quanto destrutivo - das comunidades digitais, mesmo daquelas que se reúnem para celebrar um monstro sem face. Agora, se o foco é comemorar o teor dos creepypastas, séries como Marble Hornets e Channel Zero já ensinaram como adaptar terror digital para as telas.

Pesadelo Sem Rosto, por sua vez, não acerta em nenhuma das direções que desesperadamente atira - e existe uma explicação para isso: a desconfiança do estúdio Screen Gems e da distribuidora Sony Pictures. A história do personagem é um tópico sensível nos Estados Unidos, tendo sido escancarada ao público geral quando, em 2014, uma garota foi esfaqueada 19 vezes por colegas de sala que queriam fazer um sacrifício ao Slender Man - milagrosamente sobrevivendo e acionando a polícia. Assim que o filme foi anunciado, a família da vítima se manifestou dizendo que era uma ideia de mau gosto.

Isso teve um efeito quase que imediato no desenvolvimento do filme: a Sony tentou ofertar o projeto para outras distribuidoras, como Amazon e Netflix, e foi rejeitada por todas. Sem opções, adiou a estreia algumas vezes e quase não fez marketing. A maior complicação só veio a ser revelada pouco antes de chegar aos cinemas, quando fontes do Bloody Disgusting revelaram que o longa foi picotado ao ponto de remover cenas de violência gráfica e até mesmo a participação inteira de uma personagem.

Não dá para imaginar como Pesadelo Sem Rosto seria sem cortes, mas é difícil imaginar um resultado melhor: o problema é estrutural. Entre escolhas ruins de roteiro, ritmo e abordagem, talvez a experiência sirva apenas como o lembrete de que a era do Slender Man já passou.

Nota do Crítico
Ruim
Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
Slender Man
Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
Slender Man

Ano: 2018

País: EUA

Direção: Sylvain White

Elenco: Julia Goldani Telles, Joey King, Annalise Basso, Jaz Sinclair, Talitha Bateman, Alex Fitzalan, Kevin Chapman

Onde assistir:
Oferecido por

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.