Sirât | Indicado da Espanha ao Oscar é o Mad Max Zero, diz diretor em entrevista
Produção venceu o Grand Prix do Festival de Cannes
Desde que venceu o Grand Prix, no Festival de Cannes, ainda no primeiro semestre de 2025, Sirât, do ator, diretor e roteirista franco-espanhol, de origem galega, Oliver Laxe, conquistou a atenção do público pelos festivais de cinema que tem passado. Pudemos ver isso durante o Festival de Toronto, onde todas as sessões do filme não tinham mais ingressos para venda e as filas para tentar uma vaga de última hora eram longas.
Agora, a produção escolhida pela Espanha para concorrer a uma vaga ao Oscar de Melhor Filme Internacional chega ao Brasil para abrir a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O Omelete teve a oportunidade de conversar com Oliver Laxe, que falou sobre suas influências e o trabalho que envolve música, dança e sobrevivência em um deserto. As raves e a trilha eletrônica são partes fundamentais da construção de mundo em Sirât e Laxe contou que ele mesmo participou de festas, escolhendo seus atores diretamente dos encontros. “Então, eu ia dançar com eles bastante [...] eles foram encontrados em um casting, um casting maluco que fizemos, passando por diferentes raves, sabe? Então, trabalhamos por dois verões. E sim, era importante ter ravers de verdade”, contou.
“Antes de mais nada, eu dancei este roteiro. Eu estava dançando na pista de dança e desenvolvendo as imagens. Então, a música está no início deste processo criativo“, disse o diretor, que ainda refletiu sobre filmes que o inspiraram, entre eles obras de William Friedkin, Andrei Tarkovski e, claro, o Mad Max, de George Miller.
Confira abaixo a entrevista completa.
OMELETE: Sirât é um dos meus favoritos deste ano. E eu estive em Toronto e aqui em Vancouver, e o público está louco pelo filme. Legal. Então, como foi a recepção do público com você e seu filme?
OLIVER LAXE: Eu gostei dessa intensidade. Quer dizer, as pessoas têm uma espécie de febre, sabe, quando falam sobre o filme. Elas são possuídas pelo filme. E eu acho que isso nos mostra que os espectadores querem sentir experiências, querem ter experiências que os transformem. E o cinema ainda é um lugar onde podemos viver coisas que não vivemos no nosso dia a dia. Então, em nossas vidas, as pessoas precisam de catarse. As pessoas precisam olhar para dentro. As pessoas precisam de intensidade. Há pessoas, obviamente, que se sentem agredidas pelo filme, porque o filme te obriga a olhar para dentro. O filme te obriga a experimentar a morte. Sabe, você morre assistindo Sirât. Você morre. Mas isso é algo muito importante e saudável, ter esse tipo de experiência. E eu acho que é por isso que as pessoas se sentem revitalizadas. É estranho, sabe? É como se, ao morrer, você se conectasse mais com a vida. Morrendo, você fala de uma forma mais clara com a vida, sabe?
OMELETE: Concordo totalmente. E eu não conseguia parar de pensar em um filme em particular assistindo ao seu, e foi o primeiro Mad Max. Qual foi sua inspiração para criar essa história? Tipo, o que você traz para a sua história?
OLIVER LAXE: Mad Max é um arquétipo coletivo. Mad Max mostra nossos medos, os medos que temos em nossa sociedade. Mas também os sonhos que temos de um novo mundo. Então, de certa forma, a cultura rave também está conectada com isso, porque eles acham que já estão em Mad Max, que a vida já está podre, sabe? Então, nossa sociedade já está podre. Sim, de certa forma, sim, acho que Sirât usa esse tipo de filme como exemplos, ou espelhos, dialoga. Acho que Sirât é um Mad Max Zero. É mais pré-apocalíptico. E sim, acho que é mais social. Quer dizer, acho que está mais relacionado com a realidade e ao mesmo tempo é mais metafísico, mais existencialista. Então, quero dizer, Sirât, Salário do Medo, O Comboio do Medo… todos esses filmes, eles nos ajudam a trabalhar no gênero, é mais sobre a aventura.
Depois, há outros filmes que nos ajudam, eles eram como espelhos para o lado mais existencialista do filme, o cinema americano dos anos 70. Easy Rider - Sem Destino, Apocalipse Now, hum, eu acho, hum, Zabriskie Point, Corrida Contra o Destino. Todos esses filmes onde os seres humanos se perguntam: "Que porra eu estou fazendo neste mundo?" E depois, há outra camada em Sirât, eu acho que é o lado mais metafísico e filmes como Stalker de Tarkovsky, eu acho, eram filmes com os quais dialogamos. Estamos tentando com Sirât, com a música e com o que está acontecendo, evocar o mistério, sabe? Isso é um deserto ou é outra coisa?
OMELETE: Eu quero te perguntar sobre a música, porque ela é uma parte muito importante do seu filme, claro. Como foi o processo de criação? Você tem alguma colaboração com o compositor?
OLIVER LAXE: Antes de mais nada, eu dancei este roteiro. Eu estava dançando na pista de dança e desenvolvendo as imagens. Então, a música está no início deste processo criativo. Depois, quando escrevo roteiros, a maneira como os escrevo é realmente atmosférica. Então, de certa forma, é sobre música as minhas imagens, sabe? Quero dizer, a música também é sobre atmosferas. Então, eu sabia que a viagem que eu queria era convidar o espectador a fazer algo mais catártico e físico no começo, com o techno e, aos poucos, indo para a música ambiente, quando se aproxima da música sacra. E tivemos a chance de trabalhar com Kangding Ray e tivemos a chance de ter tempo. Pudemos trabalhar um ano e meio antes das filmagens. Então, quando estávamos filmando, tínhamos quase metade da música, então foi muito bom já ter o clima musical durante as filmagens.
OMELETE: um dos meus elementos favoritos foi o elenco. Como você encontrou essas pessoas? Porque eu tentei encontrá-las no IMDb, e não consegui achar outros trabalhos dos atores. Como foi trabalhar com eles?
OLIVER LAXE: A maioria deles são amigos ravers, sabe? Então, eu ia dançar com eles bastante. E outras vezes, eles foram encontrados em um casting, um casting maluco que fizemos, passando por diferentes raves, sabe? Então, trabalhamos por dois verões. E sim, era importante ter ravers de verdade, ter rostos que evocassem os seres humanos de hoje em dia, rostos que tivessem essa ferida, sabe? Essa ferida que todos nós compartilhamos.
OMELETE: Acho que a dança é muito impressionante, especialmente no começo do filme, ela é muito impressionante. As cenas, as pessoas dançando e a música. Você vê essa dança como uma forma de esquecer o que está acontecendo naquele mundo ou é mais como um ato final de resistência? Tipo, a arte é o ato final de resistência ali?
OLIVER LAXE: Concordo com duas dessas interpretações. De certa forma, a dor que sentimos como seres humanos, a nossa dor, a dor intergeracional, a dor do mundo é tão grande que é normal que tenhamos que nos distrair de alguma forma. O peso é muito grande. Por outro lado, eu acho que dançar em uma rave é muito saudável e terapêutico porque seu corpo tem uma memória dessa dor, então, de certa forma, você se conecta com essa dor e é muito maduro fazer isso. De certa forma, dançar é uma catarse. E eu acho que hoje em dia, obviamente, temos que estar conectados com a dor do mundo. É uma responsabilidade. Mas eu acho que a responsabilidade mais importante é não ter medos, sabe, celebrar, não ter angústia, estar realmente conectado conosco. E a dança é uma cerimônia muito importante. É uma forma de ser responsável, de não participar dessa sociedade com tanto medo. Eu acho que meus personagens estão conectados, eles estão conectados consigo mesmos. Eles não têm medos. Eles estão preparados.
OMELETE: Meu tempo acabou, mas queria dizer que seu filme está abrindo a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e espero que todos vão lá e assistam. É um trabalho incrível.
OLIVER LAXE: Obrigado, Alexandre
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