Eu tinha por volta de uns 9 anos de idade quando implorei para que a funcionária da bilheteria do cinema ao lado da minha casa me permitisse comprar um ingresso para assistir a Crossroads - Amigas Para Sempre, à época a grande estreia de Britney Spears nas telonas. Não a convenci e tive que esperar alguns meses para assistir ao filme em um DVD comprado – que existe até hoje. Com o lançamento de A Mulher Em Mim, autobiografia de Britney, me pareceu ser o momento ideal para revisitar o primeiro papel da princesa do pop nos cinemas – e pelo DVD que o Flávio de 2002 comprou, pois o filme está indisponível nas plataformas de streamings.
O longa acompanha a história de três ex-melhores amigas de infância, Lucy (Spears), Mimi (Taryn Manning) e Kit (Zoë Saldaña), que se reúnem em uma viagem de carro como uma forma de finalizar o ensino médio e iniciar a fase adulta. Cada uma, no entanto, traz um fardo e vê a oportunidade de pegar estrada para confrontar (ou deixar para trás) seus fantasmas. Mesmo com a premissa tola, o longa surpreendentemente aborda temas como estupro, gravidez na adolescência, distúrbios de imagem e abandono materno – não sei mesmo como ele foi tão reprisado na Sessão da Tarde, da Rede Globo. Essencialmente, é um coming of age misturado com road movie sobre amizades femininas – e por isso dá para entender como ele foi tão defenestrado pela crítica especializada.
O filme em si não é muito inspirador ou revolucionário, claro. É recheado de momentos de cringe, com o crème de la crème dos piores looks dos anos 2000, e parece muito apressado para contar tantas histórias em tão pouco tempo – e claro, dar mais espaço de tela para Britney. Mas as críticas foram injustas demais com o veículo da cantora. Foi quase como se deliberadamente quisessem seu fracasso. Mesmo com números altíssimos de bilheterias (o longa lucrou mais de US$60 milhões pelo mundo versus um orçamento de US$12 mi), Crossroads virou uma espécie de palco para comentários misóginos, com mais críticos investidos em ressaltar as cenas em que a cantora aparece de calcinha ou mostram seu abdômen definido do que apreciar a performance da artista. Uma pena, porque rever Crossroads também é a chance de ver uma atriz que poderia ter sido.
Britney está ótima em Crossroads. Tudo bem que é uma personagem talhada para a cantora, uma garota doce do interior em busca de si e que deseja sair da aba do pai. Mas em sua atuação, Britney traz uma ingenuidade ímpar, que só adiciona mais personalidade a Lucy. Sua insegurança enquanto atriz também casa perfeitamente com os conflitos e incertezas que a própria personagem vive na trama: uma menina tendo de lidar com um pai dominador (interpretado por Dan Aykroyd, um dos Irmãos Cara de Pau) que tem uma carreira inteira planejada para ela -- e sem direito de escolha. Soa familiar, não é mesmo? Pode parecer uma performance simples, mas para uma mulher que estava no ápice da fama e do escrutínio público, a artista fez um bom trabalho em capturar a doçura exigida pela personagem. O teste de Spears para Diário de uma Paixão, que vazou recentemente, só comprova o talento da artista para além das danças e canções.
Crossroads ganhou Pior Atriz e Pior Canção (para a excelente “I'm Not a Girl, Not Yet a Woman”) no Framboesa de Ouro daquele ano, mas, novamente, não era para tanto. O que mais pesou para a reputação ruim do filme foi o fato de ser lançado como “mais um produto” com a personalidade mais pop daquele momento. O famoso “feito para vender” – pelo menos na superfície. Com isso, os feitos do “filme da Britney” foram apagados: mesmo sendo um grande sucesso comercial, escrito por Shonda Rhimes (antes da fama de Grey’s Anatomy) e dirigido por Tamra Davis (Billy Madison: Um Herdeiro Bobalhão) – sim, duas mulheres à frente do projeto mais ambicioso, até então, da maior estrela pop do planeta –, o longa até hoje não encontrou espaço nas bibliotecas virtuais e demais serviços de streaming.
Em uma entrevista recente ao Yahoo!, a diretora Tamra Davis também comentou a ausência do filme nas plataformas: “Estou tentando entender o motivo”, disse. “Porque eu o revi recentemente em um cinema em Londres e foi incrível. Ainda funciona muito bem. A plateia adorou. Foi maravilhoso. E especialmente, eu adoraria que as pessoas o vissem agora porque podem ver o incrível talento que Britney Spears era. Eu adoraria que ele estivesse disponível”.
E Crossroads, de fato, funciona muito bem para a sua proposta de coming of age: é um filme divertido e leve que toca em questões sérias que adolescentes passam na transição para a vida adulta, com uma equipe criativa composta majoritariamente por mulheres – em uma época em que mal haviam duas diretoras indicadas ao Oscar – e carregado por uma boa performance de sua protagonista. Com o sucesso de vendas de A Mulher Em Mim, resta a esperança que a Paramount ou a MTV Films, produtoras do filme, mexam alguns pauzinhos para que mais pessoas tenham a oportunidade de (re)descobrir a Britney das telonas.