Opinião: Avatar 2 pode consolidar transformação do cinema num lazer para poucos

Créditos da imagem: Disney/Divulgação

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Opinião: Avatar 2 pode consolidar transformação do cinema num lazer para poucos

A revolução tecnológica da vez viria para dividir e não democratizar

Omelete
4 min de leitura
28.04.2022, às 13H25.
Atualizada em 09.05.2022, ÀS 13H58

Após a revelação do primeiro trailer de Avatar 2, fica mais dramática a dúvida que deve acompanhar o novo filme de James Cameron até a estreia, em dezembro: um relâmpago pode cair duas vezes no mesmo lugar?

Em termos de impacto e legado, o primeiro Avatar é menos um fenômeno cultural do que um marco tecnológico. Lançado quando o 3D estereoscópico voltou renovado como uma tábua de salvação das salas de cinema, o épico dos Na’vi foi o impulso para a modernização das salas; hoje o 3D perdeu o apelo de novidade no cinema mas a tecnologia persevera na indústria dos games, onde a ideia de imersividade permanece sendo um norte. Talvez isso não fosse possível sem Avatar testar, antes, as águas do entretenimento de massa com sua tecnologia. 

Qual seria então o potencial impacto e eventual legado de Avatar: O Caminho da Água? Meu palpite é que a tecnologia continuará sendo a questão central, mas de modo invertido: não no sentido de uma padronização, mas de exclusão. Avatar 2 (e suas continuações) não viria para sacudir a indústria ou levar multidões em fila ao multiplex mas sim para consolidar a transformação, já em curso, da experiência da sala de cinema em um artigo de luxo.

Desde que George Lucas previu em 2013 que ir ao cinema se tornaria cada vez mais caro, similar à experiência de concorrer aos ingressos de um musical na Broadway, essa previsão tem se intensificado, acelerada pela pandemia. Apesar dos seus US$ 2,8 bilhões, Avatar não conseguiu reverter um fenômeno que acompanha o cinema há pelo menos 40 anos, que é o constante refluxo de pagantes à sala de cinema. O número anual de ingressos vendidos é cada vez menor, na base americana, e talvez estejamos mais próximos de uma realidade em que ir ao cinema é mesmo como ir à Broadway: um fim em si mesmo, uma experiência mais bissexta e exclusiva, ditada não pelos filmes em cartaz mas pela própria excepcionalidade de voltar à sala escura.

Hoje, falta aos filmes da Marvel (que afinal dominam o cartaz) o aspecto de excelência ou novidade técnica que poderia consumar de vez a conversão do cinema numa experiência essencialmente tecnológica. A julgar pelas falas de James Cameron e do produtor Jon Landau na CinemaCon nesta semana, Avatar 2 se candidata à tarefa. No evento - organizado por redes exibidoras, onde os estúdios de cinema levam prévias dos seus próximos lançamentos para cortejá-las - salientou-se acima de tudo que O Caminho da Água é o filme “com mais versões já lançado”, em referência às especificações distintas de 4K, 3D, frame rate, idiomas, sistemas de som e tamanho de tela que Avatar 2 comporta, dependendo do nível de equipamento de cada sala.

Ou seja, o aspecto técnico tem o protagonismo. Faz sentido que Avatar 2 seja vendido assim, porque afinal (e 13 anos depois…) a pegada cultural do filme de 2009 é mínima comparada às mitologias de Marvel, Star Wars e Harry Potter que dominam fan fictions, memes, discussões culturais nas redes e o imaginário infantil. Ninguém vai a convenções vestido de Na’vi e quando um cosplay de Avatar aparece numa obra de ficção, como no recente episódio de WeCrashed com Anne Hathaway, é em forma de piada. Resta a Avatar se refugiar no imaginário que James Cameron controla pelo menos desde O Segredo do Abismo (1989), que é o domínio do pioneirismo tecnológico. 

O problema é que Avatar 2 não parece vir para causar uma revolução de inovação como o filme de 2009, cujo choque fez toda a indústria exibidora correr para se adequar, se modernizar - e ajustar o preço dos seus ingressos de acordo. No lugar dessa urgência, o lançamento de Avatar 2 em 2022 parece impor um movimento silencioso de quem-pode-mais, uma coisa similar a ter a melhor build de PC gamer para comportar jogos de ponta. O espectador que assistir a The Way of Water numa sala menos equipada vai conviver com a sombra da experiência incompleta, enquanto as salas VIP com o melhor som Dolby (e pipoca trufada) enfim justificarão o preço do ingresso com um filme em cartaz projetado para ser uma experiência elitista de tecnologia.

Quando a trilogia O Hobbit de Peter Jackson chegou aos cinemas, houve uma corrida parecida pela “melhor experiência”. Na época, o frame rate de 48 quadros por segundo era o grande chamariz, e eu, que não sou um grande fã de O Senhor dos Anéis, procurei com certa ansiedade um IMAX gringo para assistir ao primeiro filme uma segunda vez, em 48fps. Na comparação, O Hobbit ainda tem um selo de mítica diferenciado; um fã da Terra-média talvez não se importe com especificações técnicas porque afinal ver J.R.R. Tolkien adaptado às telas é o essencial. Agora, qual é a mítica de Avatar, um universo eternamente definido e assombrado por seu caráter de novidade?

Avatar 2 tem estreia prevista para 16 de dezembro. As continuações estão planejadas para 2024, 2026 e 2028.

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