Em O Mensageiro, novo filme da diretora Lúcia Murat, a história da ativista Vera (Valentina Herszage), presa e torturada nos porões da ditadura militar brasileira no final dos anos 1960, se mistura com a da mãe, Maria (Georgette Fadel), uma mulher religiosa que encontra no padre João (Javier Drolas) a força para continuar lutando para encontrar a filha. Vocal contra o regime autoritário dos militares, o sacerdote é eventualmente sequestrado e humilhado pelo exército, o que leva ao seu exílio em uma casa de repouso da Igreja, que na época ainda não tinha se posicionado contra a ditadura.
Em entrevista ao Omelete, Murat - que inspirou grande parte da trama em sua própria experiência durante a ditadura -, disse que a ideia era mesmo destrinchar esse papel da fé como apoio ou resistência ao horror.
“Dentro da história da ditadura, a gente teve uma divisão na Igreja católica no Brasil. Teve uma hierarquia alta da Igreja que, principalmente no início do regime, foi favorável à ditadura, mas tivemos também vários padres ligados à teologia da libertação que foram presos e torturados”, lembrou ela. “A cena do filme em que o padre é sequestrado, e os militares 'devolvem' ele nu, todo pintado de vermelho, aconteceu de verdade com o Bispo Dom Adriano Hipólito. Pode ser que o público não saiba disso, mas são fatos, histórias reais, que eu coloquei dentro do filme”.
A cineasta ainda apontou que, na fase final da ditadura, a Igreja “assumiu a liderança na questão dos direitos humanos”, e que essa transformação da hierarquia religiosa durante o período traz esperança para os tempos atuais.
“Nos últimos anos, nós vimos o crescimento da igreja evangélica, que foi colocada em uma posição de referendar o conservadorismo, até porque os fiéis votam na extrema direita”, comentou Murat, aludindo a líderes religiosos e políticos como Silas Malafaia, Marco Feliciano e Eduardo Cunha. “Mas, da mesma forma como no passado, pode haver uma transformação ali. Temos que nos comunicar com essas pessoas, pensando que é possível interferir, discutir, dialogar. Hoje, eles são muito poderosos, e esse poder é usado para fortalecer a extrema direita”.
O Mensageiro já está em cartaz nos cinemas brasileiros.