Filmes

Entrevista

"O entendimento desse filme passa pelas sensações que ele provoca", diz diretor de Unicórnio

Longa será exibido no Festival de Berlim

07.02.2018, às 10H30.
Atualizada em 08.02.2018, ÀS 11H03

Já está marcada a primeira projeção internacional do drama carioca Unicórnio, que traz a mais elogiada atuação de Patrícia Pillar desde a novela A Favorita (2008): será no próximo dia 19, às 18h, na seção Generation do Festival de Berlim (15 a 25 de fevereiro), na capital da Alemanha. Com direção de Eduardo Nunes (Sudoeste), esta reflexão em tons metafísicos sobre desejos represados e técnicas para se perder o juízo é dividida entre dois tempos narrativos. Um deles se passa em um hospital manicomial (onde um pai conversa com sua filha) e o outro transcorre em um bosque, onde um estranho vai mexer com a libido de uma mulher solitária (papel de Pillar). Baseado na prosa da escritora paulista Hilda Hilst (1930-2004), o longa-metragem fez sua estreia mundial no Festival do Rio, onde arrebatou elogios para a fotografia de Mauro Pinheiro Jr. Na entrevista a seguir, Nunes explica o olhar poético que guiou as filmagens.

Divulgação/ Zeca Miranda

Omelete: De que maneira a poética na prosa de Hilda Hilst traduz a questão da solidão e do desejo represado que rege a narrativa de Unicórnio?

Eduardo Nunes:  O conto O Unicórnio é a primeira ficção da Hilda. A sua obra - até então - era toda voltada para a poesia. E claro que essa poesia acaba invadindo toda prosa que a Hilda criou durante a sua vida. É um texto que, mesmo quando em forma de prosa, não está baseado numa ação física, mas numa série de sensações. Eu não acredito que seja possível adaptar a obra desta autora na forma clássica como entendemos uma "adaptação cinematográfica"; acredito que seja possível adaptar apenas o que o texto nos provoca. A matéria-prima da Hilda Hilst é de uma natureza muito delicada. E talvez a única forma de fazer esta transposição é estar imbuído destas sensações, para depois buscar nos elementos do cinema, a composição de um filme com este sentimento.

Omelete: E como a solidão se traduz na narrativa?

Eduardo Nunes:  Se entendermos o filme como uma narrativa conduzida pela personagem Maria, a solidão e o desejo represado não estariam apenas em momentos da história, seriam inerentes a narrativa: a história é contada sob os sentimentos de solidão e desejo. É algo que sentimos nas palavras da Hilda e precisa encontrar um equivalente em som e imagem, através dos elementos que compõe uma gramática cinematográfica. Por isso, a experiência sensorial e o tempo narrativo de Unicórnio são tão importantes; o entendimento deste filme passa pelas sensações que ele provoca. Por uma experiência imersiva.

Omelete: Como você articulou a porção animada do filme, uma vez que há um trecho da narrativa em forma de desenho animado, e de que maneira ela traduz a dimensão fabular do filme?

Eduardo Nunes:  Desde a primeira versão do roteiro havia uma sequência de animação. E mais ainda: uma animação do Marão. Sempre fui fã dele, e fiquei feliz em ter o trabalho dele como parte do filme. Acho que, um dos entendimentos possíveis, é que Unicórnio é um filme que trata de narrativas. Maria conta uma história para o pai: a mãe a a filha aguardam a volta do pai. Ao convencionar de que trata-se de uma “história contada” contada por Maria, aceitamos tudo que a compõe: as cores, o Unicórnio, a árvore com frutos venenosos… Da mesma forma, a história do ratinho é contada pelo pai, e o “tom da história” é dado pelo pai: o traço vacilante do lápis, o preto e branco, as cores que só existem no mundo desejado, a desesperança… Esta cena, mesmo sendo de uma natureza diferente do restante do filme, representa a voz fabular que o pai ainda possui.

Omelete: O quanto a fotografia do Mauro Pinheiro aqui conversa com a de Sudoeste, seu filme anterior? Qual é a proximidade formal que você enxerga entre eles?

Eduardo Nunes:  O Mauro Pinheiro é um grande parceiro em mais de 20 anos; ele fotografou todos os filmes de ficção que realizei. Na verdade, trabalho praticamente com a mesma equipe todos estes anos. A proposta da janela 1:3,66 e do preto e branco em Sudoeste partiu dele. Na época, entendemos que, naquele filme, as locações eram muito horizontais e, além disso, era necessário um outro olhar (dado pela janela e pelo p&b) que desse, ao cotidiano banal do filme, a vontade da descoberta, do estar vendo tudo pela primeira vez, assim como era com a personagem de Clarice que vivia num único dia. Em Unicórnio, a janela 1:3,66 surgia como uma tentação a ser evitada.

Omelete: Por quê?

Eduardo Nunes:  Acreditamos, num primeiro momento, que aquilo pertencia ao outro filme. Mas, aos poucos, fomos encontrando muitas semelhanças narrativas: uma jovem personagem feminina que passa por um processo de descoberta, a sexualidade reprimida, o conhecimento através da Natureza… E pareceu muito natural que estes dois universos (de cada um dos filmes) deveriam dialogar. Ao mesmo tempo, são universos que possuem qualidades próximas, mas distintas. Daí surgiu o uso da cor em Unicórnio. Queríamos uma cor que remetesse aos antigos filmes coloridos em technicolor. A novidade de descobrir um mundo narrado pelas cores, onde a Natureza transbordasse. Começamos com esta proposta, e fomos realizando uma série de experiências (durante mais de uma semana na finalizadora) até chegar ao resultado que gostaríamos.

Além de Unicórnio, há mais uma leva de títulos nacionais e de filmes estrangeiros pilotados por brasileiros em outras mostras da Berlinale.68. José Padilha exibirá seu aguardado thriller 7 Dias em Entebbe na Berlinale Special. No Panorama, entraram: Aeroporto Central, de Karim Aïnouz; Bixa Travesti, de Claudia Priscila e Kiko Goifman; Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi; Tinta Bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembache; e O Processo, filme de Maria Augusta Ramos sobre o Impeachment de Dilma Rousseff. No Fórum, escalaram Eu sou o Rio, de Gabraz Sanna e Anne Santos. Na Berlinale Shorts, competem os curtas Alma Bandida, de Marco Antônio Pereira; Terremoto Santo, de Bárbara Wagner & Benjamin de Burca; e a coprodução com Portugal Russa, de Ricardo Alves Jr. e João Salaviza. Haverá ainda projeção de projetos da TV Globo no mercado internacional de séries, com destaque para Vade Retro, com Tony Ramos.

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