O mundo do cinema perdeu um de seus maiores atores na madrugada desta quinta-feira (27). Gene Hackman, a duas vezes vencedor do Oscar (por Operação França e Os Imperdoáveis) faleceu aos 95 anos de idade. Hackman e sua esposa Betsy Arakawa, uma pianista de 63 anos, foram encontrados mortos em sua casa em Santa Fe, nos EUA.
De acordo com a polícia de Santa Fe, não há suspeita de crime. Relatos locais (via Variety) dizem que o cachorro de Hackman e Arakawa também foi encontrado morto. Uma causa de morte não foi determinada ainda.
"Tudo que posso dizer é que estamos no meio de uma investigação preliminar da morte, esperando um mandato de busca," disse o xerife do condado de Santa Fe, Adan Mendoza, ao Santa Fe New Mexican. "Eu quero garantir à comunidade e à vizinhança que não há nenhum perigo imediato para mais ninguém."
Hackman havia se aposentado do cinema há mais de 20 anos e se afastado da esfera pública. Arakawa e ele eram casados desde 1991.
Gene Hackman em Operação França.
Gene Hackman foi uma das presenças mais singulares do cinema durante o século 20. Ele começou a atuar na telona em 1961 em O Terror de Uma Cidade, onde teve um papel pequeno e nã ocreditado. O início de sua carreira também incluiu passagens pela TV com seriados como The United States Steel Hour, onde Hackman interpretou mais de um personagem, e Os Defensores.
O primeiro de sues muitos papéis inesquecíveis veio em 1966 ao lado da dupla Warren Beatty e Faye Dunaway no clássico Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas, onde sua atuação como Buck Barrow lhe rendeu uma indicação ao Oscar de 1967 na categoria de Melhor Ator Coadjuvante, a primeira de cinco nomeações de Hackman ao prêmio. Ele voltou a ser indicado em 1971 por Meu Pai, um Estranho, na mesma categoria.
Gene Hackman em A Conversação.
O grande feito de Hackman em 1971, porém, foi interpretar o policial de caráter questional Jimmy "Popeye" Doyle no clássico de William Friendkin, e um dos maiores marcos da Nova Hollywood, Operação França. Como o detetive racista, esquentado e dedicado, Hackman caçou o contrabandista de drogas Alain Charnier (Fernando Rey) ao lado de seu parceiro vivido por Roy Schreider, incluindo numa das mais emblemáticas perseguições de carro da história do cinema. O papel lhe deu seu primeiro Oscar no ano seguinte, na categoria de Melhor Ator.
Como muitos atores de sua época, Hackman teve seu auge nos anos 1970. Além de Operação França II, ele atuou em diversos clássicos. Talvez o maior deles seja A Conversação de Francis Ford Coppola, onde seu trabalho como o técnico de áudio Harry Caul, um homem especlializado em gravar conversas secretamente para pegar pessoas no flagra, foi na contramão da explosividade e gritaria que muitos associam à sua presença. Tímido e introspectivo, Caul eventualmente vê o mundo da vigilancia virar contra ele mesmo, e conforme A Conversação entra no território do suspense paranóico, Hackman protagoniza uma história profundamente moderna e atual sobre o fim da privacidade.
Gene Hackman como Lex Luthor ao lado de Christopher Reeve como Superman.
No fim da década, Hackman faz o primeiro de alguns vilões marcantes do cinema. Ele é o Lex Luthor de Superman (1978), estampando o cartaz do filme ao lado do Jor-el de Marlon Brando e do Clark Kent de Christopher Reeve. Sua versão de Luthor é cômica, exagerada, usa peruca e tem planos dignos de desenhos animados, mas o sarcasmo e ironia transbordando da boca do vilão oferecem o contragosto perfeito para a retidão honesta do Superman de Reeve. Superman foi o primeiro grande filme de herói da história, abrindo o caminho para a eventual popularização do gênero décadas depois, e se provou um sucesso comercial e de críticas. Hackman voltou a interpretar Lex Luthor na continuação Superman II: A Aventura Continua (1981), também dirigida por Richard Donner, e retornou ao papel no esquecido e rejeitado Superman IV: Em Busca da Paz, de 1987.
Gene Hackman em Os Imperdoáveis.
Dois anos depois de deixar Lex Luthor para trás, Hackman voltou a ser indicado ao Oscar por interpretar um policial, Rupert Anderson, em Mississippi em Chamas. Protagonizando o filme de Alan Parker, ao lado de Willem Dafoe, ele vive um agente do FBI que, apesar de ser mais novo e ter uma patente menor que seu colega, demonstra mais experiência e esperteza na investigação da morte de três pessoas, dois judeus e um preto, que eventualmente os coloca em rota de colisão com a seita racista Ku Klux Klan.
Hackman não ganhou o prêmio pelo filme, lançado em 1988, mas logo voltaria ao palco da Academia por outro papel inesquecível. O ator foi premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo clássico Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood. O filme venceu quatro Oscars no prêmio de 1993 (incluindo Melhor Ator e Diretor para Eastwood, e Melhor Filme), e representa um marco na história do faroeste. Reflexivo, o longa-metragem coloca Eastwood como um pistoleiro que volta à ação e é assombrado pela violência do passado. Quem o faz pegar em armas novamente é o xerife "Little Bill" Daggett, vivido por Hackman em mais uma de suas atuações como homens detestáveis.
Gene Hackman em Os Excêntricos Tenenbaums.
É fácil cair no erro de enxergar a carreira de Hackman como uma de papéis assim, mas a verdade é que ele era um dos intérpretes mais versáteis de Hollywood, se mostrando capaz para a comédia (veja: O Nome do Jogo), drama (Maré Vermelha), suspense (A Firma), faroeste (Rápida e Mortal) e tudo no meio. Durante os anos 1980, ele foi o técnico de um pequeno time de basquete no adorado Momentos Decisivos, e seu último grande papel veio já no Século 21, com Os Excêntricos Tenenbaums de Wes Anderson.
Como Eastwood em Os Imperdoáveis, Hackman parece refletir sobre sua vida e carreira como Royal Tenenbaum, o patriarca de uma família rica mas totalmente fragmentada que diz estar morrendo para convencer os filhos e a ex-mulher a se reunirem uma última vez. O filme elevou o diretor Wes Anderson a outro patamar, e ofereceu a Hackman uma chance de mostrar, mais uma vez, seus talentos como ator. Os Excêntricos Tenenbaums não é seu último trabalho, mas funciona como uma despedida poética. Após interpretar tantos personagens de caráter questionável, Hackman, no fim da carreira, decide viver alguém que lida com o peso de erros passados.
Gene Hackman foi casado com Faye Maltese entre 1956 e 1986. O casal teve três filhos: Chirstopher, Elizabeth e Leslie. No seu segundo casamento, com Arakawa, o ator não teve mais filhos.