Articulado e com senso de espetáculo, Yanuni é mais do que Brasil pra gringo ver
Doc produzido por Leonardo DiCaprio e Juma Xipaia faz bom retrato da situação dos direitos indígenas no país
Créditos da imagem: Cena de Yanuni (Reprodução)
Quando um estrangeiro se propõe a retratar a realidade de um país que não é o seu no cinema, ou mesmo quando o nativo se propõe a adaptar sua visão de dentro para o entendimento do outro, assume-se um risco: o da superficialidade. Não há linguagem universal que bata a profundidade de um bom papo entre entendidos, no fim das contas, e sempre que se faz uma concessão para explicar o que parecerá evidente para quem já é conhecido do assunto, se perde um pouco de cinema. Dito isso: Yanuni, documentário sobre direitos indígenas no Brasil dirigido e escrito por um austríaco (Richard Ladkani), e coproduzido por um estadunidense (Leonardo DiCaprio), está indisposto a perder qualquer medida que seja de cinema.
O longa elege como protagonistas o casal Juma Xipaia e Hugo Loss. Ela, a primeira mulher eleita cacique de uma tribo do Médio Xingu, na Amazônia brasileira, ganhou evidência com o passar dos anos como ativista ferrenha contra o desmatamento das terras indígenas e a mineração ilegal que destrói a floresta e contamina as tribos, um problema exacerbado durante o governo de Jair Bolsonaro, que afrouxou as regulações ambientais e fez vista grossa à exploração ilegal da região. Ele, um agente do IBAMA que se viu novamente empoderado após a posse do presidente Lula, liderando operações intensas de sabotagem e destruição do equipamento utilizado por esses exploradores ilegais na Amazônia.
Com essas duas histórias entrelaçadas em mãos - elas até ditam a estrutura do filme, com uma tomando a frente na primeira metade, e outra na segunda -, Ladkani faz do seu filme uma jornada digna de blockbuster: destinos que se revertem, confrontos acalorados e momentos de emoção irresistível (os personagens de Yanuni são levados mais de uma vez aos joelhos diante do peso do mundo que se coloca sobre seus ombros), tiros e explosões, esbarrões perigosos com a morte. Há algo de mitologização aqui, de engrandecimento da experiência humana como algo maior do que ela mesma. Organizada em ciclos de nascimento e morte, empoderamento e revez, a linguagem do documentário é dada ao épico, e seu discurso está na chave do geracional. O bacana, no entanto, é que ele conduz o espectador a compartilhar desse sentimento, mas não subestima sua inteligência.
Tanto é assim que não sobra gordura explicativa no filme, mesmo com suas generosas 1h52 de duração. As imagens de arquivo selecionadas estão aqui para localizar uma história que atravessa vários anos da trajetória de Juma e Hugo na sua linha do tempo, enquanto o restante do filme é ocupado por falas e cenas que são exclusivas do seu acesso à intimidade do casal, ou às idas e vindas do poder e da lei que se cruzam em seus âmbitos de atividade. Yanuni esclarece, engrandece e humaniza, se aproveitando ao máximo de valores de produção suntuosos para transformar a luta do casal protagonista, e as lutas daqueles ao seu redor, nas questões de sobrevivência planetária que, de fato, são. Ladkani conduz aqui um filme articulado, que não exclui o leigo, mas tampouco presume que ele não possa entrar no mesmo jogo do experts.
Yanuni propõe, corretamente, que o humano faz parte do concreto, e pode conduzir ao concreto. Informação através de sentimento, universal através de específico. É uma aposta testada e aprovada em mais de um século de cinema, por definição a arte que melhor faz com que nos importemos com o outro. No âmbito da tela grande, talvez não valha tanto a pena esquentar a cabeça com o que ou quanto me dizer - me conte uma história. Quanto melhor ela for, mais eu vou saber sobre a verdade que ela representa. Yanuni é uma ótima história.
*Yanuni foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda não há previsão de estreia do longa no circuito comercial.
Entenda porque essa crítica não tem nota!
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