Cena de Sly Lives! (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Sly Lives! (Reprodução)

Filmes

Crítica

Sly Lives! faz testemunho de história que é ainda melhor porque ainda não acabou

Questlove mostra que sabe seguir os caminhos ditados pela sua trama

Omelete
3 min de leitura
25.01.2025, às 06H10.

Sly Lives! (aka The Burden of Black Genius) começa com o diretor Questlove perguntando a seus entrevistados mais célebres, incluindo gigantes da música negra estadunidense como Chaka Khan, George Clinton, D’Angelo e André 3000, se eles acreditam que há uma pressão adicional, uma cruz mais dura que os artistas negros precisam carregar quando são elevados a uma posição de poder e sucesso - enfim, o tal “Fardo do Gênio Negro” que é citado no subtítulo do filme. Naquele momento inicial, todos os entrevistados de certa forma se esquivam da pergunta, e parece que o documentário vai ter que trabalhar um pouco mais duro para nos convencer de sua própria tese… ou, quem sabe, encontrar alguma outra.

Durante as quase 2h que se seguem, Questlove faz exatamente isso. Em seu segundo filme - o primeiro, Summer of Soul, venceu o Oscar da categoria documental -, o grande triunfo do líder do The Roots é se mostrar um contador de histórias que sabe perseguir a sua história para onde quer que ela precise ir. Se os entrevistados não colaboram com a provocação inicial, Sly Lives! sacode a poeira e mergulha fundo na vida e na música do seu biografado, Sly Stone, o líder da Sly and the Family Stone, banda que inovou (e fez sucesso meteórico) ao misturar sons brancos e negros, instrumentistas homens e mulheres, para lançar uma sequência de faixas transformas e emblemáticas dos anos 1960 e 1970.

A vida de Stone pode ser vista como um testemunho do “Fardo do Gênio Negro”, é claro. Em certo ponto de Sly Lives!, Questlove e seus entrevistados apontam que, ao contrário do contemporâneo David Bowie, não foi permitido a Stone que seguisse a sua genialidade para qualquer que fosse a próxima forma que ela adquiriria. E Stone quebrou diante da estagnação artística, da expectativa de representatividade política que se colocava em cima dele, do status de ícone que também predizia uma constância da qual nenhum ser humano é capaz. A natureza do showbusiness, do espetáculo, é mastigar a pessoa que não é capaz dessa constância e cuspí-la para fora, mas esse processo parece devorar e digerir mais rápido, e com mais requinte de crueldade, quando o sujeito dele é negro.

Mas “the Burden of Black Genius” é só o subtítulo do filme de Questlove, importante notar. O nome do documentário é Sly Lives! porque, enquanto procurava essa história que simbolizasse uma tragédia que vê acontecer com tanta frequência, o cineasta encontrou também… uma história com final feliz, ou ainda melhor: uma história que ainda não acabou. Sly Stone, ao contrário de tantos artistas que seguiram a cartilha da desgraça pública após o sucesso estratosférico, sobreviveu. Aos 81 anos, o ex-líder da Family Stone (que acabou oficialmente em 1983) raramente aparece em público, uma estratégia que parece fundamental para a recuperação física e mental que os seus filhos relatam para a câmera de Questlove.

Sly Lives! não conta com novas entrevistas do seu biografado, até por saber que o melhor jeito para ele dar sua última palavra sobre si mesmo é simplesmente sobrevivendo. E, como diz o título, ele vive: na música, que o filme retrata com tanto carinho e conhecimento de causa (não há momentos mais excitantes em Sly Lives! do que aqueles em que músicos descrevem em minúcias as faixas mais emblemáticas da banda de Stone); no contínuo de uma história política e artística do qual ele sempre vai ser parte gigantesca; e, olha só, também na vida real. Que Questlove tenha cavado fundo o bastante para encontrar uma versão definitiva dessa história em curso prova mais uma vez que o seu talento para a narrativa abraça também o cinema.

Nota do Crítico
Ótimo
Sly Lives! (aka The Burden of Black Genius)
Sly Lives! (aka The Burden of Black Genius)

Ano: 2025

País: EUA

Duração: 112 min

Direção: Questlove

Onde assistir:
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