Começa com um homem entrando na casa. Lá, ele dá de cara com o que parece ser uma criança, e a natureza da interação rapidamente fica clara. O homem está lá para cometer o impensável, mas antes que isso aconteça, outro homem, vestido de terno, sai de um dos cômodos e interrompe tudo. “Por favor, se sente,” ele diz. “Me ajude a entender o que você está fazendo.” É isso que acontecia no clímax dos episódios de To Catch a Predator, programa policial que foi hit nos EUA nos anos 2000, e é assim que começa o afiadíssimo documentário Predators.
Dirigido por David Osit, um sobrevivente de abuso sexual quando criança que cresceu fascinado com o programa. Quem fazia as perguntas era o jornalista Chris Hansen, as “crianças” eram atores adultos que conseguiam se passar por adolescentes, e os homens humilhados no programa eram presos logo após o fim dessa “entrevista.” Alguns, numa atitude quase inexplicável, sentavam por longos períodos conversando com Hansen, outros saíam correndo imediatamente. Todos eram recebidos pela polícia e acusados de solicitar sexo com menores – o mero fato de buscar esse tipo de coisa é crime no país, mesmo que a criança não seja, bem, uma criança.
To Catch a Predator acabou há anos, mas não antes de levar a consequências mortais, mas Hansen não só continua fazendo outra versão do programa online, com menos cuidado e discrição, como inspirou imitadores que recriam sua fórmula sem ligar para as consequências ou riscos. Predators jamais tenta justificar os atos dos homens que são flagrados pelas câmeras, ou mesmo dizer que eles não são dignos de punições, mas Osit está em busca de respostas para duas perguntas: por que esse programa foi tão popular e duradouro e, ainda mais importante, o que Hansen aprendeu com anos questionando seus alvos. Ele, enfim, entendeu o que eles estavam fazendo?
Um tremendo trabalho de montagem com imagens de arquivo, bastidores e entrevistas, Predators consegue encontrar respostas para a primeira interrogação, mas é o vácuo deixado pela segunda que realmente potencializa o filme de Osit. Se, após tantos episódios e imitadores, To Catch a Predator não levou a nenhum aprendizado que pudesse impedir o abuso infantil, ou que ao menos ajudasse a reabilitar aqueles que cometiam esses atos, para que serviu o programa? Entre análises psicológicas e testemunhos de ex-atores e policiais, Predators sugere que a humilhação pública era o alvo. O espetáculo, não a justiça, interessava.
Com uma estrutura narrativa que nos prende do primeiro segundo até a climática entrevista com Hansen, hoje envolvido numa produtora digital focada em programas que exalam energia “bandido bom é bandido morto”, Predators iguala o anseio de seu diretor por compreensão com o magnetismo da proposta de pegar pedófilos no ato. O filme não só deixa claro, visualmente e na direção, por que To Catch a Predator era tão bem-sucedido como produto midiático como gera em nós o mesmo desejo de conhecimento de Osit e, supostamente, Hansen. Este último parece cada vez menos interessado em obter uma resposta para o inquérito que marcava os episódios do programa, mas Osit é o motor emocional do filme. Justamente por ter experimentado essa triste realidade, ele nunca parece encarar a situação apenas como um exercício intelectual.
Há uma angústia. Uma que parece ter crescido com a popularidade de To Catch a Predator enquanto foi moldada, como o próprio Osit admite, sua fixação pela produção. O filme é um triunfo de edição, ilustrando cada um de seus movimentos com o visual perfeito e construindo um ritmo magnético em seu passeio por essa história de espetáculos, suficiente para funcionar como obra investigativa por si só, mas é ter esse lado pessoal que eleva Predators. Quando vemos Hansen sentar na frente de Osit, o peso da interação é claro.
Conforme bastidores do programa e as realidades das versões atuais que circulam pelo YouTube são cuidadosamente apresentados e analisados, Osit transporta para nós a verdade por trás disso tudo. Cada vez mais, fica claro como a mídia pode usar o disfarce de interesse nas vítimas apenas como desculpa para colocar nas televisões o tipo de sensacionalismo que garante audiência. Assim, a premissa inicial de Predators – “Por que Hansen acha que aqueles homens faziam aquilo?” – passa a ser rivalizada por outra dúvida: “Por que Hansen fazia, e continua fazendo, aquilo?”
Crítica escrita em 3 de fevereiro de 2025 como parte da cobertura do Festival de Sundance, onde Predators estreou. O filme ainda não tem previsão de estreia para o Brasil.
Ano: 2025
País: EUA
Duração: 1h36 min