Nicolas Cage em Ligação Sombria (Reprodução)

Créditos da imagem: Nicolas Cage em Ligação Sombria (Reprodução)

Filmes

Crítica

Ligação Sombria deixa Nic Cage solto dentro de suspense simples, mas eficiente

Ator trabalha para descentralizar filme que joga - muito bem - pelas regras do gênero

Omelete
3 min de leitura
19.09.2024, às 13H44.

Lá nos anos 1980 e 1990, com a exceção de um ou outro título (A Outra Face, estou olhando para você!), Nicolas Cage não era o cara que estrelava os filmes mais fora da caixinha de Hollywood. A colocação do ator nessa posição é muito mais contemporânea, da tal Cage-ssance, do que qualquer coisa - na primeira fase áurea da carreira, ele era visto como um astro de cinema bem tradicional, escalado em blockbusters de ação desenhados para os multiplexes (A Rocha, Con Air, A Lenda do Tesouro Perdido, 60 Segundos) e até romances de apelo popular (Feitiço da Lua, Cidade dos Anjos, O Capitão Corelli). O terror mal passava pelo radar da sua filmografia, e o território do kitsch, do cinema “destinado a ser cult,muito menos.

Por outro lado, Cage sempre foi Cage - o que significa que, neste período, ele se estabeleceu como a força descentralizadora de filmes muito centrados, até comercialmente falando. Ligação Sombria é um lembrete do quão bacana pode ser utilizá-lo neste modo, mesmo porque o suspense, a depender do diretor Yuval Adler (Os Segredos que Guardamos) e do roteirista estreante Luke Paradise, segue à risca a cartilha da construção de tensão que se espera da premissa. A saber: Cage é um estranho misterioso que entra no carro de um pai de família (Joel Kinnaman) quando ele está a caminho do hospital para ajudar a esposa em trabalho de parto, exigindo que ele dirija para longe de lá a fim de acertar uma conta pendente que, pelo menos à primeira vista, o personagem de Kinnaman não parece reconhecer.

A partir desse impulso narrativo, o script de Ligação Sombria se apoia no mistério por trás da situação, na dúvida sobre quem tem a vantagem moral dessa história (e portanto, de certa forma, quem merece a aliança do espectador), para construir um road movie de suspense modesto, mas ansiosamente eficaz. Os obstáculos colocados no caminho dos protagonistas - um policial que liga as sirenes ao notá-los acima do limite de velocidade, uma parada em um restaurante de beira de estrada iluminado em neon - não fogem do esperado, mas o jogo de gato e rato entre os dois atravessa essas situações de certa forma previsíveis mantendo o seu interesse, em parte porque o texto sabe como aumentar os riscos envolvidos nesse jogo, e em parte porque o diretor Adler é sábio o bastante para mirar sua câmera sempre nos atores, focando-se no verdadeiro gancho do mistério: a relação entre eles.

Kinnaman está aqui para reagir, mais do que agir, mas é admirável o quanto o ator sueco do títulos como House of Cards e O Esquadrão Suicida sabe usar isso ao seu favor, construindo um personagem equilibrado delicadamente entre o nervosismo e a eloquência, que mantém o espectador em cima do muro quanto à procedência das barbáries imputadas a ele pelo seu algoz. Quanto a Cage, é evidente o quanto ele de delicia em se chocar com uma estrutura totalmente despreparada para segui-lo pelo caminho da estranheza: do cabelo vermelho espetado em um quase-moicano aos monólogos de sílabas aleatoriamente esticadas, ele incute cada ação no suposto plano de vingança de seu personagem com um frenesi suado e bêbado que trai a angústia sufocante por trás dele. Ah sim, Cage está se divertindo - mas seu personagem claramente não.

Coroado com uma resolução amarga que não foge muito da simplicidade beirando o espartano pregada pelo filme como um todo, Ligação Sombria é um exercício de gênero que talvez se prove pouco flexível ou audacioso para o gosto contemporâneo. Dentro da filmografia recente de Cage, esta é menos uma extensão de seu passeio pelos filmes que “finalmente o entenderam como artista” (e, há de se dizer, como figura pop), e mais um flashback para a era em que ser “incompreendido” era justamente o combustível que o fazia uma figura tão única dentro do cinemão comercial. É interessante poder ser lembrado, no entanto, das potências diferentes que esses dois momentos representaram.

Nota do Crítico
Ótimo
Ligação Sombria
Sympathy for the Devil
Ligação Sombria
Sympathy for the Devil

Ano: 2023

País: EUA

Duração: 90 min

Direção: Yuval Adler

Roteiro: Luke Paradise

Elenco: Nicolas Cage, Joel Kinnaman

Onde assistir:
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