Cidade de Deus não criou o reality tour, mas o filme certamente fez com que o interesse nesse tipo de turismo aumentasse. Para quem não sabe, o termo se refere à prática de levar visitantes estrangeiros às favelas para “experimentar a realidade” desses lugares, em programas turísticos caríssimos que às vezes até incluem um papo com os chefes do tráfico de drogas da região. Embora existam desde os anos 1990, incentivados pela cobertura midiática sensacionalista da violência nas comunidades, o advento dos favela movies, influentes no Brasil e fora dele - chefe entre eles Cidade de Deus - popularizou a modalidade.
20 anos depois do lançamento do filme, Alexandre Rodrigues, que viveu o protagonista Buscapé, teme que Cidade de Deus tenha sido mal interpretado: “O filme é uma obra aberta - como um livro, todo mundo tem suas interpretações diante dele. Mas tudo o que aparece através de uma câmera fica glamurizado, tem brilho, chama mais atenção do que a própria realidade. Eu posso falar isso porque já tive essa experiência”.
“De fato, as pessoas criaram um fetiche de favela, uma curiosidade para ver se era aquilo mesmo que o filme mostrava. E, quando chegava lá, não era”, continua ele. “No fim das contas, eles veem outras coisas: as pessoas descendo para o seu trabalho, as crianças descendo para a escola, o pessoal jogando bola... Diferente da parte que o Cidade de Deus retrata, que é a pior parte da favela”.
Mas será que o filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund, um épico ultraviolento realizado com atores em sua maioria amadores, tirados das favelas cariocas, que versa sobre a origem das organizações criminosas que hoje controlam essas comunidades, gerou mesmo tamanho equívoco? “Eu acho que tem muitas vertentes do interesse gerado pelo filme. As curiosidades de cada um, de conhecer o Brasil, o Rio de Janeiro, as periferias, são múltiplas. A questão é como que a gente faz isso”, aponta Mércia Britto, CEO do Cinema Nosso.