Mary-Louise Parker não acha que o mundo tem salvação. A atriz, mais conhecida pelo papel da mãe de família (e traficante de drogas) Nancy Botwin em Weeds, assume um lado mais vilanesco como a Srta. Sigsby de O Instituto, série do MGM+ inspirada no livro de mesmo nome assinado por Stephen King - e um pouco do niilismo da personagem parece ter contaminado sua intérprete, a julgar pela avaliação que ela faz das situações políticas muito reais refletidas pela trama: “Pode ser que não haja mais volta a partir deste ponto. Acho que a civilização está praticamente… é, acho que estamos perdidos”.
O Omelete conversou com um timaço de talentos da série - incluindo Parker, Ben Barnes (que interpreta o policial Tim Jamieson), Joe Freeman (que vive Luke, um garoto com poderes sobrenaturais aprisionado no tal Instituto), Jack Bender e Benjamin Cavell (diretor e showrunner do título, respectivamente) - sobre esses paralelos, tocando na questão do ativismo adolescente nos EUA, nas políticas imigratórias do presidente Donald Trump, e em como tudo isso se infiltra nos universos fantásticos criados por King.
Os dois primeiros episódios de O Instituto já estão disponíveis para streaming no MGM+, com capítulos subsequentes agendados para estreia semanal, sempre aos domingos. Confira a entrevista completa a seguir!
OMELETE: Olá, pessoal. Sou Caio, do Omelete, no Brasil. Prazer em conhecê-los!
PARKER: O prazer é meu também!
BARNES: E aí, Caio?
FREEMAN: Como vai, irmão?
BENDER: Prazer, Caio.
CAVELL: Muito prazer conhecê-lo!
OMELETE: Tudo ótimo. Bom, queria começar a entrevista falando de Stephen King - ele é obviamente uma lenda viva, e uma fonte inesgotável de adaptações para o cinema e a TV. Por que vocês acham que as histórias dele rendem séries tão boas?
BENDER: Eu acho que ele é um contador de histórias extraordinário, simplesmente um mestre, e sou abençoado por ter uma boa relação com Stephen - ele confia em mim para fazer algo bom com seus livros brilhantes. Benjamin também é um grande fã, já havia feito The Stand com ele. Mas a questão sobre o Stephen, quando ele está escrevendo como fez em Mr. Mercedes e O Instituto, é que ele está falando sobre os monstros dentro das pessoas, ao invés do sobrenatural. É o que mais me atrai em suas obras, porque não é sobre o medo do que está debaixo da nossa cama à noite, mas sim sobre algo mais cativante e humano.
Quando o Stephen me enviou a primeira versão deste livro, há cinco ou seis anos, ele me perguntou se eu gostava de trabalhar com crianças, e eu disse: "Com certeza". Fiz muito isso quando estava começando na carreira. E eu disse que é difícil, e que você precisa encontrar as crianças certas, porque você precisa acreditar nelas. Ao mesmo tempo, O Instituto saiu logo depois do massacre escolar em Parkland , aqui nos Estados Unidos - um incidente muito marcante, até hoje, para nós. E aquelas crianças que sobreviveram, eu as vi se tornarem uma força política que se levantou contra vários dragões por aí, pessoas jovens que surgiram na mídia dizendo: "Saiam do nosso caminho. Nós podemos nos salvar. Nós podemos consertar isso. Vocês todos estragaram tudo”.
Nesse contexto, eu senti que o que o espírito do livro era sobre crianças aproveitando seus poderes para se salvarem. Elas vão herdar a Terra, mas primeiro precisam se salvar. Essa foi uma das minhas inspirações iniciais, que Ben e eu compartilhamos, e acho que é uma das razões pelas quais o livro é tão bom. E a forma como Stephen King escreve, como Ben e seus roteiristas adaptaram, atraiu um elenco incrível de atores. Formou-se ali um cenário completo de personagens e artistas muito profundos e ricos.
PARKER: Acho que ele tem uma habilidade excepcional de construir uma história que deixa o público incapaz de desviar o olhar. E acho que esta história é um exemplo perfeito. Ele a estrutura de uma forma que é comovente logo de cara - a vida desta criança é incendiada, virada de cabeça para baixo, e você não consegue parar de assistir porque está esperando por algum tipo de bênção, algum tipo de luz nesse mundo sombrio. Eu não sei como ele faz isso, mas ele faz de novo, de novo e de novo. É impressionante.
FREEMAN: Para mim, são os personagens. Eles são muito bem escritos, são pensados de forma muito, muito complexa. E isso facilita para nós, como atores, porque já temos uma ótima base de como interpretar algo - você só precisa adicionar seu toque de charme e a magia que você traz para a cena, e fica perfeito. Ele também tem a habilidade de criar uma virada de trama muito bem, faz você se importar muito com o protagonista, mas também com o antagonista, quando é necessário. Quando os vilões de King sofrem também, você se compadece, porque ele nos contou quem eles são, o que eles sofrem, como se tornaram aquilo. É uma habilidade e tanto de se ter, e acho que é isso que me conquista.
Joe Freeman em O Instituto (Reprodução)
BARNES: Sabe, acho que ele é um escritor tão extraordinário por conseguir escrever em todos esses gêneros diferentes. Eu não sou um grande fã de terror, mas posso falar de Um Sonho de Liberdade, À Espera de um Milagre, O Sobrevivente, Conta Comigo… são todos tipos de narrativa tão diferentes, de verdade. Mas todos eles, como o Joe apontou, têm esses personagens muito humanos com sonhos, falhas, ambições e vergonha. O Instituto não é diferente, mas ele usa essas histórias para falar sobre esperança diante de sistemas opressores, e particularmente neste caso ele colocou a alegoria de forma muito direta com este "Instituto" onde vulneráveis estão sendo explorados, mas também estão começando a questionar a autoridade e as escolhas que os adultos fazem por eles.
OMELETE: Ben, eu sinto que Tim compartilha com alguns outros protagonistas de King a característica de estar meio à deriva, desconectado do mundo. Como você vê a jornada dele ao longo da temporada? Ele encontra algo a que se agarrar?
BARNES: É interessante que o momento decisivo da vida dele já aconteceu quando a história começa. Como ator, você está meio que carregando isso com você, mas precisa inventar por si mesmo como foi essa experiência, porque não a vemos em nenhum momento. Achei cativante poder encontrar um homem carregado de vergonha pelos erros que cometeu, desesperado por algum tipo de consolo, paz, um recomeço para sua vida. Ele está em um ponto de virada, em que precisa decidir se tem a força para reacender a chama que existia em si, e se tornar o homem que ele será no futuro - que talvez ele pretendia ser no passado -, alguém que vai lutar contra coisas que ele sente que são injustas. Claro que, na verdade, ele é mais do que isso, mas o que eu acho interessante sobre Tim é que, aos poucos, ele vai se mostrando uma pessoa incapaz de ignorar os problemas do mundo e deixar para lá. Se ele sente que algo está errado - e, certamente, se ele vê alguém sofrendo, como Annie, a pessoa sem-teto local, ou Luke e as crianças do Instituto -, Tim não consegue deixar passar, é algo nato dele.
É interessante como a relação dele com Annie meio que o prepara, porque ela tem essa espiritualidade predestinada e é capaz de ver a verdade de todas as coisas. Quando Luke finalmente encontra Tim, ele diz algo do tipo: “Você nunca vai acreditar em mim”. E Tim responde: “Você ficaria surpreso com o que eu posso acreditar”. Não acho que ele diria a mesma coisa no primeiro episódio, no começo de sua história. Se isso tivesse acontecido logo no início, Tim talvez não tivesse acreditado nele, e eu acho essa evolução do personagem realmente muito interessante.
OMELETE: Certo. Mary-Louise, você já fez King antes, como Janey em Mr. Mercedes, mas Sigsby é uma personagem muito diferente. O que você pensou quando esse papel chegou a você? Como definiu esta mulher em sua mente?
PARKER: Bem, é difícil porque as coisas que ela faz são simplesmente horrendas. Ela parece não ter alma. Mas quandoJack me abordou para este personagem, ele fez a pergunta: “Até onde você iria para salvar o mundo?". Acho que é isso que ela pensa que está fazendo. Eu realmente acho que ela acredita que está trabalhando para o bem maior da humanidade, e acho que é essa ilusão que a permite não ter nenhuma bússola moral.
OMELETE: Perfeito, mas eu não me lembro de te ver fazendo muitas vilãs em sua carreira. Você gostou de fazer esse tipo de personagem? Acha que os vilões se divertem mais?
PARKER: Desde que seja algo bem escrito, eu gosto de interpretar. Não me importo se é uma heroína ou uma vilã. Mas sim, Sigsby pratica um nível de malevolência com 3D, e esse tipo de personagem não aparece com muita frequência.
OMELETE: Jack, Benjamin, como vocês decidiram oferecer este papel a Mary-Louise? O que fez dela a escolha certa para a Sigsby que vocês estavam procurando?
BENDER: Na verdade, a ideia inicial veio do nosso diretor de elenco - Seth Yanklewitz, do MGM+. Quando estávamos procurando a Sigsby, tínhamos uma lista, com Mary-Louise Parker no topo. Eu tinha trabalhado com ela em Mr. Mercedes, e nos apaixonamos por trabalhar juntos. Ao longo dos anos, pensamos em algumas outras coisas que queríamos fazer juntos, e nunca deu certo, mas quando isso surgiu, todos nós dissemos: "Oh, meu Deus, ela seria brilhante". Ela queria trabalhar comigo, amou o material, estava disponível e amou o que Ben estava fazendo com os roteiros. Então, tudo se encaixou.
Mary-Louise Parker (em pé, ao centro) em O Instituto (Reprodução)
CAVELL: A Sigsby no livro é um pouco menos complicada, uma vilã bastante direta. E acho que sabíamos que queríamos desenvolver essa personagem, dar alguma profundidade e algumas nuances que o livro não explora tanto, francamente falando. Stephen escreve muito mais do ponto de vista das crianças que estão no Instituto, mas nós achamos importante, por todo tipo de razão, equilibrar um pouco a narrativa, dar um pouco mais de substância aos personagens adultos. Como você disse, Mary-Louise não interpretou muitas vilãs em sua carreira, e isso faz parte do que a tornou tão atraente para Sigsby. Ela é capaz de ser vilanesca e fazer essas coisas realmente horríveis, mas ainda assim trazer para isso uma alma e um charme peculiar. É realmente interessante e inesperado, um prazer de se assistir.
OMELETE: Quando este livro foi publicado, lembro-me de Stephen King falando sobre como esta história, sobre instituições que aprisionam crianças, parecia meio premonitória - dadas as ações do governo Trump. Como vocês acham que esses paralelos entram em jogo na adaptação? Acha que eles evoluíram com o tempo?
PARKER: Bem, acho que a forma como eu me conecto a isso, de certa forma, é através da temática cos celulares. Porque acho que os celulares que demos aos nossos filhos os escravizaram até certo ponto, os envenenaram e… não querendo ser dramática, mas acho que os resultados aparecerão. Eles estão começando a aparecer agora, mas aparecerão mais com o tempo, e será como quando descobriram que os cigarros faziam mal, sabe? Se você vir anúncios de cigarros dos anos 1940, eles diziam coisas do tipo: "Camels! Meu médico diz que Camel é bom, que os cigarros Camel são bons para a minha rotina de exercícios". E acho que vamos descobrir que um desserviço enorme foi feito a uma geração inteira de crianças ao dar-lhes celulares - mas o problema é que os adultos também os têm, então não sei como extrair um do outro. Pode ser que não haja mais volta a partir deste ponto. Acho que a civilização está praticamente… é, acho que estamos perdidos. [Risos]
OMELETE: [Risos] Certo, muito obrigado, pessoal! E parabéns pela série novamente.
PARKER: Muito, muito obrigada. Tchau tchau!
BENDER: Muito obrigado! Que bom que gostou da série.
CAVELL: Até mais, tchau!
BARNES: Obrigado!
FREEMAN: Muito obrigado, tchau tchau.