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Grey's Anatomy | Cheia de ganchos para resolver, 14ª temporada volta com uma importante missão de conscientização

Série foca em trama de abuso e resolve mal pontas soltas deixadas no hiato

19.01.2018, às 16H58.
Atualizada em 19.01.2018, ÀS 18H10

Já faz algum tempo que Grey's Anatomy se tornou – como com várias séries de Shonda Rhymes – um arauto de empoderamento feminino e de questões sócio-políticas importantes. A série não assumiu essa posição logo de cara, tendo passado ao menos metade de suas quatorze temporadas sendo relevante nessas questões sem saber, simplesmente porque conduzia o caminho de suas personagens femininas de forma quase sempre digna e determinada. Em algum ponto, Meredith (Ellen Pompeo) fez a grande virada que a tornou a representação maior de força dentro da série e então, gradativamente, o programa começou a bradar seu papel conscientizador de forma clara e objetiva.

Agressões contra a mulher já foram parte dos subplots da série antes. Contudo, Jo (Camilla Luddington) foi a personagem escolhida para que o tema do relacionamento abusivo adentrasse a dramaturgia com mais detalhes. Estamos há bastante tempo ouvindo sobre o marido do qual ela fugira e uma boa parte do enfadonho plot da prisão de Karev (Justin Chambers) se deve a isso. O comportamento da personagem sempre foi pautado por esse passado sombrio, mas os roteiristas reservaram durante muito tempo uma abordagem definitiva da questão.

O episódio de retorno do hiato – que se chamaria "Four Seasons in One Day" ganhou como título “1-800-799-7233”, que é o número oficial americano para casos de violência doméstica. A decisão se mostrou extremamente coerente quando o episódio é colocado numa perspectiva geral em que esse passado de Jo, que vem em seu encalço, desfila pelos corredores do hospital com a segurança de uma reputação ilibada, o que é muito comum em agressores que passam toda a vida sendo defendidos por quem não enxerga seus demônios. Assim, mais do que voltar para resolver seus ganchos, Grey's Anatomy voltou para promover engajamento.

Just One Call

A chegada do ex-marido de Jo, Paul Stadler (Matthew Morrisson), foi o centro motor dessa retomada. Se pensarmos em todos os outros ganchos que foram deixados em aberto no último episódio de 2017, suas resoluções não foram além do que já esperávamos. A ótima sequência entre Jackson (Jesse Williams) e Maggie (Kelly McCreary) no helicóptero, por exemplo, perdeu força quando revelou-se apenas uma desculpa para isolar os personagens e tentar fazer nascer entre eles uma latência romântica. Por essência, Grey's Anatomy é uma série que prioriza as relações carnais entre os médicos, mas em alguns momentos essa obrigação sublima boas oportunidades de avanço técnico dos roteiros.

Até mesmo a corrida de Jo para tentar impedir Karev de injetar uma droga errada num paciente infante acabou não correspondendo as expectativas criadas pelo gancho do episódio anterior. Isso porque a razão maior desse retorno não era nos provocar com as possibilidades de morte dos pacientes, mas acompanhar o pânico de Jo para que o imenso senso de manipulação de seu ex-marido não contaminasse o ambiente onde ela lutou tanto para se estabelecer. O roteiro foi espertíssimo em colocar Meredith ao lado dela nessa missão, porque Meredith virou a pessoa em que nós mais confiamos e são delas as melhores atitudes e impulsos que fazem a série ainda ser o que ela é.

Stadler ter aparecido com uma noiva também foi uma boa ideia, porque a melhor cena do episódio foi justamente aquela onde Jo tenha convencer a mulher de que ela está perdida num engodo psicológico grave, mas que é uma cilada da qual ela pode sair. Apostando nas nuances que Matthew Morrisson desse ao papel, o texto foi inteligente em flertar com a simpatia por ele, ao mesmo tempo em que era visível vê-lo perder o controle de seu charme em pontos muito específicos. É exatamente assim que funciona numa relação abusiva: os homens são charmosos e gentis; e as mulheres são loucas e inconsequentes, demonizadas como aquelas que provocam a ira e a violência. 

Mas, estamos falando de teledramaturgia, claro. Se a resolução do ataque hacker foi extremamente inesperada e acalentadora (esse ano os novos internos tem grandes chances de funcionarem bem), a última cena foi de um sensacionalismo desnecessário. Esperemos que Karev não vire de novo um algoz deslocado e que tudo tenha uma explicação mais coesa. No fim de tudo, Grey's Anatony cumpruiu a promessa de não ficar ali quietinha só contando historinhas mornas e usou sua plataforma para coisas que realmente importam. Com Ellen Pompeo assinando contrato para mais dois anos, a série vai precisar vasculhar outras formas de sair do lugar comum. Que sejam as melhores formas, enfim. 

*"1-800-799-7233" foi exibido nos EUA em 18 de janeiro. A 14º temporada de Grey's Anatomy estreou em novembro no Brasil.