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Séries e TV

Crítica

Sintonia - 1ª temporada

Estreia de Kondzilla tem abordagem corajosa, mas tropeça na falta de foco

14.08.2019, às 21H39.
Atualizada em 14.08.2019, ÀS 23H06

Sintonia, a nova produção nacional da Netflix, chegou envolta em expectativas. Desenvolvida a partir de uma ideia original de Kondzilla, que também dirigiu metade dos seis episódios, a série estreou na plataforma de streaming gerando bastante interesse. Afinal, trata-se da estreia de um dos principais nomes do audiovisual musical brasileiro em um segmento diferente e com uma premissa realmente interessante: apresentar a vida na periferia sob um ponto de vista menos estigmatizado e mais humano. 

Assim, Sintonia marca território de maneira convincente ao optar por mostrar três histórias do universo da periferia paulistana sob a influência de três pilares: o contato com a igreja evangélica, a vontade de viver do sonho e a complicada dinâmica de se sustentar em um ambiente hostil ao fazer parte do tráfico. Tudo vem embalado pela amizade de Rita (Bruna Mascarenhas), Doni (Jottapê Carvalho) e Nando (Christian Malheiros), com uma dinâmica honesta e que joga luz sobre elementos que ou passam despercebidos ou já foram estereotipados ao limite quando retratados em outras produções.

Com tudo isso em evidência, o que chama a atenção é a construção da amizade do trio, o que é tanto a força quanto a fraqueza da série. Isso fica evidente porque, ao mesmo tempo em que as conversas entre os amigos geram grandes momentos dentro da trama, o todo apresentado como parte dessa relação se perde ao não ser aprofundado em cada uma das pessoas que fazem parte dessa dinâmica. Abordagem que deixa de lado sutilezas que fariam diferença nesse contexto, principalmente quando pensamos quão raro é encontrar e se conectar — nas produções nacionais — com personagens que se pareçam com a gente e que tenham uma origem igual ou próxima a nossa. Não é difícil imaginar quão mais impactante poderia ser essa história caso retratasse a vida de três jovens buscando encontrar seus caminhos nessa fase conflitante da vida, mostrando a delicadeza e a brutalidade das dúvidas, ao invés de cair em uma sucessão de tramas que, muitas vezes, não encontram na direção ou no desenrolar da história o apoio necessário para manter a performance dos atores alinhada ao que acontece com os personagens.

Assim, à medida em que a série avança, a indefinição sobre o que deveria ser o centro das atenções (as relações, a busca por algo, os conflitos), faz com que momentos significativos sejam perdidos. Basta prestar atenção em como os protagonistas se apresentam logo depois de passarem por acontecimentos importantes. Praticamente não existe leitura do fato ocorrido anteriormente como parte do comportamento e das ações dos personagens, o que tira a força da trama como um todo e ignora nuances que dariam mais complexidade ao desenrolar da história. 

Fato que somado ao uso ocasional de uma linguagem que se relaciona diretamente às novelas (falas explicando ações) e a uma abordagem simplificada de pessoas complexas que vivem numa realidade multifacetada, prende a série em uma constante de “é bom, mas poderia ser melhor”. A premissa de apresentar personagens, suas famílias, de fazer com que nos reconheçamos na tela e garantir que vejamos essas pessoas com rostos tão reais, vivendo os dramas e os sonhos de seus mundos é algo que já torna tudo mais próximo, porém não é suficiente para sustentar a narrativa de uma série.

Três jovens reais e sonhadores: os grandes momentos de Sintonia

Observar o trio de amigos conversar sobre a vida e suas vontades é o ponto alto da proposta. Percebe-se que quando o recorte sai do que é mostrado diariamente na TV e parte para as pessoas, para o que eles querem, tudo fica mais claro e mais forte. Entre os bons momentos também estão todas as reuniões dos traficantes que são apresentadas na tela. Os diálogos reais, o sentimento de tensão, as escolhas de câmera. Tudo funciona perfeitamente para delimitar e criar uma proximidade angustiante com o ambiente e a situação.

Sintonia se mostra, por fim, uma produção corajosa ao buscar fugir dos estereótipos e lançar um olhar de dentro da favela para tópicos como a busca por um sonho, a problemática do caminho do tráfico ou ainda a presença da igreja evangélica — sem que ela seja estigmatizada — como parte importante da dinâmica do espaço no acolhimento e cuidado de pessoas que têm uma rotina conturbada e cheia de problemas.

Mesmo que a Netflix não tenha se pronunciado sobre a renovação, a 1ª temporada chega ao fim deixando uma estrutura já definida para próximos arcos, mantendo em aberto todas as possibilidades para aprofundar os personagens em torno da tríade igreja, funk e tráfico e sair do superficial, o que vai tornar a série muito mais do que interessante. 

Nota do Crítico
Bom